Ao abrir os debates sobre o novo Código Penal, sexta-feira, 01, na Assembléia, o professor de Direito Penal da UFRGS, Luiz Luisi, considera
tímido o esforço da comissão que elaborou o anteprojeto do Novo Código,
especialmente quanto aos crimes contra a dignidade sexual, destacando os
delitos de assédio sexual e pornografia infantil.
"Em poucos países, cujos Códigos foram alterados nos
últimos 10 anos, estes tipos penais estão citados", alertou. Depois de
apresentar exemplos dos Códigos Penais da Espanha, México e Paraguai, Luiz
Luisi apresentou o texto de anteprojeto para o delito de assédio sexual: "assediar
alguém com violação do dever inerente ao cargo, ministério ou profissão,
exigindo, direta ou indiretamente, prestação de favores sexuais como condição
para criar ou conservar direito ou para atender a pretensão da vítima". A
pena prevista é de detenção de seis meses e dois anos, ou multa.
Para Luiz Luisi, o texto do projeto não enfatizou a relação
de subordinação entre o assediante e o assediado, sugerindo uma nova redação:
"assediar reiteradamente pessoa de qualquer sexo solicitando a prestação
de favores sexuais, prevalecendo de uma situação de subordinação em relações de
trabalho, docentes, domésticas ou análogas".
Na avaliação de Luisi, a pena para este delito deveria ser
de um a três anos, para evitar a prescrição da pena concretizada, prevendo
ainda a destituição de servidor público ou da iniciativa privada quando este se
utilizar do cargo.
O projeto prevê também o crime de pornografia infantil,
disposto no artigo 178 como delito "fotografar ou publicar cenas de sexo
explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente". A pena
prevista é de reclusão de um a quatro anos e multa. Na opinião do professor, ao
invés das expressões "criança ou adolescente", o texto deveria fixar
a idade em 18 anos.
O artigo 179 define ainda como pornografia infantil
"produzir ou dirigir representação teatral, circense, televisiva ou
cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cenas de sexo explícito
ou pornográfica". A pena prevista é de reclusão de um a quatro anos e
multa.
O professor de Direito Penal observou ainda que o projeto
descriminaliza o delito de sedução e os de corrupção de menores, conforme está
previsto no artigo 218 do Código Penal vigente.
Também o crime de "casa de prostituição" está
descriminalizado. Em sua conclusão, Luisi mostrou que alguns aspectos estão
sendo descriminalizados e despenalizados pelo anteprojeto, enquanto outros
estão sendo neo-criminalizados, "seguindo a tendência da revolução que se
opera no mundo contemporâneo".
Nos debates, o subprocurador geral de justiça, Cláudio
Barros da Silva, observou que a mulher é discriminada no contexto social.
Segundo ele, são as mulheres que estão mais sujeitas ao assédio sexual e
lembrou que 92,2% dos trabalhadores domésticos são mulheres, das quais 74%
trabalham sem carteira assinada. No ensino primário, 99% dos professores são
mulheres e no ensino universitário representam 30%. Conforme CPI realizada pela
Câmara Federal sobre a violência contra a mulher, 50% dos casos ocorrem dentro
da família, mas existem apenas quatro albergues no País para mulheres vítimas
de crime sexual, que as estatísticas apontam um crescimento de 50% nos últimos
10 anos. "Abandonamos o que se chamava crime contra os costumes e passamos
a trabalhar no sentido de afirmação da dignidade de quem é vítima da agressão
sexual", comentou Cláudio Barros da Silva.
O desembargador Tupinambá Pinto de Azevedo afirmou que a
discriminação da mulher é uma herança histórica e as modificações penais não
significam uma alteração de comportamentos.
A deputada Jussara Cony (PC do B), falou da necessidade de
se estabelecer mecanismos e políticas públicas para que os avanços na
legislação se materializem no cotidiano do cidadão. "Socializar o
conhecimento da lei, dos mecanismos, das políticas públicas e os direitos
constitucionais", salientou.
Crimes Contra a Pessoa
Os "Crimes Contra a Pessoa" foram debatidos à
tarde, pelo corregedor-geral do Ministério Público, Carlos Octaviano Brenner de
Moraes. O anteprojeto mantém a mesma descrição e as mesmas penas para o
homicídio, explicou o painelista, detalhando que o aborto é um tema difícil e
complexo, "porque sofre as mais diversas influências".
No texto do anteprojeto, as penas para a prática do aborto
foram reduzidas, "punindo-se a gestante que consente com o aborto com a
mesma pena da gestante que, por descuido, causa algum tipo de lesão no
trânsito", adiantou.
No aborto consensual, o projeto estipula pena de um a três
anos, hoje o limite máximo da pena é de quatro anos, informou. Também foram
criadas maiores permissões para a realização do aborto, como o risco de vida
para mãe e o risco da mãe , o que não existia antes.
A eutanásia, à pedido do doente ou de familiar, para evitar
sofrimento intenso provocado por doença grave, e a ortotanásia, desligamento
dos aparelhos quando o paciente está com vida considerada vegetativa, foram
incluídos no anteprojeto.
Carlos Brenner de Moraes explicou que conforme o anteprojeto
de lei, a pessoa jurídica poderá ser vítima do crime de difamação e quanto aos
crimes contra a honra, o anteprojeto incrimina a violação da intimidade e da
vida privada.
A representante da CNBB, Cléa Carpi da Rocha, alertou que
"a maneira com que o anteprojeto contempla a questão da eutanásia é
perigosa", lembrando que a questão da esterilização foi o motivo da CPI no
Congresso Nacional, "quando foi constatada a esterilização em massa das
mulheres brasileiras".
Dados da CPI, adiantam que 20 milhões de mulheres, em idade
fértil, já foram esterilizadas no Brasil.
Pelo Movimento de Direitos Humanos, Dani Rudnicki questionou
a criminalização da Aids e destacou a necessidade de uma modificação também do
Sistema Penal Brasileiro.
A presidente da Associação Nacional de Procuradores da
República e membro da Comissão de juristas que elaborou o anteprojeto, Ela
Wiecko de Castilhos, encerrou esta primeira etapa do Seminário apresentando
"Os rumos da Reforma Penal".
O trabalho iniciou em janeiro deste ano, mas está amparado
em equipes técnicas que há 37 anos armazenam dados para a elaboração do
anteprojeto.
Ela Wiecko salientou que muitos aspectos do trabalho ainda
não foram sistematizados. A definição das penas, por exemplo, remete a uma
discussão sobre a possibilidade de o juiz adequá-la a situação concreta,
"mas isto implicaria em modificar todo o sistema de penas", observou,
razão pelo qual o assunto será retomado no momento da revisão.
Outros assuntos, como a lei do meio ambiente, lei da lavagem
do dinheiro, crimes contra a identidade genética, crimes contra o sistema
financeiro, crimes contra a ordem tributária, foram remetidos para a revisão.
A tendência da Comissão é conservadora, advertiu Ela, ao
falar da redução geral em todas as penas pelo entendimento de que penas longas
não significam decréscimo da criminalidade.
A questão ainda está em debate e a intenção da Comissão é
negociar para que o anteprojeto sejam um reflexo do que a sociedade deseja.
Fonte: Assembleia Legislativa do RS, por Francis Maia e
Fabiana Kloeckner
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