(*) Matéria Jornalística de JOSÉ LUÍS COSTA, publicada em Zero
Hora deste Domingo, 06, expõe as dificuldades do sistema penitenciário no
regime semiaberto. (Leia a matéria completa em Zero Hora)
A cadeia que simboliza o descontrole
Seis dos sete assaltantes identificados no ataque a uma
fábrica de joias em Cotiporã, que aterrorizou a Serra, na semana passada, eram
foragidos do regime semiaberto. Quatro fugiram poucas horas antes do crime, mas
Paulo Cesar da Silva, 32 anos, um dos três mortos em confronto com a Brigada
Militar, havia escapado da Colônia Penal Agrícola de Charqueadas, em 2006.
O caso é um entre tantos que se repetem há mais de um década
e demonstra a calamidade dos albergues gaúchos, superlotados, depredados, com
bloqueios judiciais e milhares de fugas. Em 12 anos, de 2000 a 2011, houve 47,2
mil fugas do semiaberto no Estado.
E o exemplo do descalabro é o Instituto Penal de Viamão
(IPV), interditado pela Justiça na sexta-feira por absoluto descontrole sobre
os presos e de onde fugiu, em 22 de dezembro, um dos integrantes da quadrilha
que atacou em Cotiporã e que seria preso naquele dia. O pedido de interdição no
IPV partiu do Ministério Público, aos moldes da decisão que barrou o ingresso
de presos na Colônia Penal de Venâncio Aires, em junho. Nos dois albergues, só
poderão entrar mais apenados se a Superintendência dos Serviços Penitenciários
(Susepe) demonstrar capacidade de contenção dos detentos.
Criado em 2004 com previsão para cem apenados, em área
contígua a uma escola estadual, o IPV foi ampliado, atingindo a marca de maior
albergue do Estado. À medida que aumentou o número de presos, multiplicaram-se
os problemas, a ponto de se tornar cenário de episódios insólitos. São 450
apenados confinados em alojamentos contidos apenas por uma cerca de arame
esburacada, vizinha a 1,1 mil hectares de mata do Parque Saint-Hilaire, por onde
os presos abriram uma trilha e fazem o entra e sai com drogas, armas e veículos
roubados.
O IPV é o campeão em fuga, média de duas por dia. Sem
registro de saída, os presos vão e voltam para a rua a qualquer hora, assaltando
pedestres, estabelecimentos comerciais do entorno e até em Porto Alegre. Só em
uma noite, em 5 de abril, sete presos escaparam.
Os detentos fogem por buracos na tela, por uma janela com
grades serradas ou por outra, arrancada dos tijolos e que fica apenas encaixada
na parede nos fundos de um pavilhão. Ao mesmo tempo que saem presos, entram
prostitutas para sexo com apenados e viciados para comprar drogas. Criminosos à
solta aparecem para dormir com comparsas e até sem-teto já foi flagrado “morando”
no albergue. Para tentar controlar a situação, desde março, o 18º Batalhão de
Polícia Militar faz operações diárias no entorno do IPV, onde são abordados
dois suspeitos por dia, entre foragidos e intrusos.
– Se tiver de prender cem vezes, vamos prender – garante o
tenente-coronel Florivaldo Pereira Damasceno, interino no Comando de
Policiamento Metropolitano.
Quando ocorrem confrontos, apenados correm para dentro do
albergue e das janelas disparam contra os PMs. Nem policiais escapam dos
bandidos que saem do IPV para roubar. Em 2012, um soldado e um sargento da
reserva foram assaltados por fujões, um em Viamão e outro na Capital. Os
agentes penitenciários pouco podem fazer. Adotaram uma conferência extra, em
horários alternados, sem muito sucesso. São só oito servidores de dia e cinco à
noite para cuidar dos 450 apenados. São, praticamente, reféns. Três pedidos
para erguer um muro de contenção em torno do albergue foram encaminhados à
Susepe, mas nenhum foi atendido.
O caos no IPV se completa com a precariedade dos prédios. Em novembro de 2010, durante rebelião, um alojamento emergencial para 150 vagas foi incendiado. A rede elétrica não suporta a carga de consumo, com risco de incêndios. Como quebra-galho, um cabo transmite a energia de forma improvisada de um transformador para uma caixa de força, semelhante a um “gato”, mas toda semana ocorrem curtos-circuitos. Chove nos pavilhões como se fosse na rua, e a água escorre pela tubulação da fiação de luz.
Em 2012, foram registradas 3.339 fugas em 16 casas do regime
semiaberto na Região Metropolitana, das quais 920 no Instituto Penal de Viamão;
Assaltos após as fugas
Pedestres e até PMs têm sido alvo de apenados que entram e
saem do IPV. Em maio, um soldado à paisana que passava em frente ao albergue
foi atacado pelas costas por dois presos. Ao reagir, levou coronhadas e dois
tiros no braço e no cotovelo. Os bandidos fugiram a pé, desaparecendo no mato
ao lado do IPV com a pistola do PM. Em junho, cinco mulheres foram assaltadas
por dois apenados, e um deles acabou preso. Em novembro, um detento foi até
Porto Alegre e roubou o Fiesta de um sargento aposentado da BM. O rapaz foi
barrado por PMs quando esconderia o carro no estacionamento de um supermercado
em Viamão, para voltar ao IPV.
Invasão de prostitutas
Em maio, uma jovem de 18 anos foi pega com drogas entrando
no IPV. Alegou que visitaria o namorado preso. Outra mulher, encontrada dentro
de alojamento, admitiu que transaria com detentos. Ela passou por uma abertura
na cerca e disse que, para entrar, pagou R$ 18 “ao dono do buraco na tela”. Os
rombos na tela são fechados pelos agentes, mas, em questão de minutos, surgem
outros buracos. Há três anos, duas irmãs, de 14 e 17 anos, já tinham sido
flagradas dentro de uma ala, em companhia de dois apenados.
Moradia clandestina
Assim como presos entram e saem do IPV, o mesmo acontece com
gente que nada tem a ver com o albergue. PMs barraram, em 20 de novembro, um
homem de 29 anos entrando clandestinamente na cadeia carregando sacolas com
quatro bandejas de carne, dois sacos de pão e duas pedras de crack. Ex-detento,
o homem disse que não tinha família nem casa e decidiu morar na cadeia.
Preso que não foi preso
Em 22 de dezembro, a Delegacia de Repressão a Roubos prendeu
três foragidos da Justiça, suspeitos de integrar a quadrilha de Elisandro
Rodrigo Falcão, morto em Cotiporã ao atacar uma fábrica de joias com explosivos
e fazer moradores reféns. Entre os presos, Denis Martins Fernandes, 32 anos. A
operação reuniu 25 agentes. Faltava capturar mais um, Tiago Soares da Silva,
detento do IPV, e o delegado Juliano Ferreira mandou dois policiais para
Viamão. A ordem foi dada por telefone. Algemado, ao lado do delegado, Denis
disse que era perigoso, pois tinha presos armados no IPV. Chegando lá, Tiago
não foi encontrado.
– Era só buscá-lo, mas ele sumiu. Justamente, o mais fácil
de pegar, o que já estava preso, não foi preso – lamenta o delegado.
Tráfico nos pavilhões
O consumo de drogas em cadeias por apenados ocorre em
qualquer prisão. Mas no IPV, além disso, detentos montaram uma boca de fumo
para vender drogas para moradores da região que aproveitam a fragilidade da
vigilância para entrar no albergue. Ao ser flagrado por agentes penitenciários,
um homem admitiu que era viciado e que pretendia trocar um celular por droga
com detentos.
A travessa do crime
Com apenas 260 metros de extensão, a Travessa Fischer, via
de chão batido com moradias simples que termina em um matagal nos fundos do
IPV, é o caminho predileto de quem entra e sai do albergue clandestinamente.
Ali, há registros de prisão de foragidos, assassinato de preso, abuso sexual,
apreensão de armas, de drogas e de carros e motos roubados.
Contraponto
O que diz Alberi Pereira, delegado regional penitenciário da
Capital e Viamão:
Incêndio e tiroteios aconteceram antes da nossa
administração e estamos tentando controlar as fugas. Há projeto em andamento na
Secretaria de Obras para construção de muro. Consertamos a tela, soldamos as
grades, mas uma ou duas horas depois, estão danificadas. O problema é que o IPV
foi criado a partir de uma estrutura adaptada, diferente do que pensamos para o
semiaberto, com casas para 150 internos, com condições de controle. Vamos
construir quatro casas emergenciais com 150 vagas. O IPV, se não for fechado,
será o primeiro a ter o número de presos reduzido para 150 presos.
O Instituto Penal de Viamão (IPV) foi criado em abril de
2004 com capacidade inicial para cem detentos em uma área às margens da
ERS-040, na zona urbana da cidade. Com capacidade para 410 detentos, tem,
atualmente, 450. Os pavilhões não têm muros, apenas precárias cercas de arame
na parte do fundos, vizinhos à área de mato do Parque Saint Hilaire, por onde
ocorrem as fugas.
Fonte: Zero Hora
Fonte: Zero Hora
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