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sexta-feira, junho 24

Novela Insensato Coração versus D. Penal - Parte V




A novela Insensato Coração continua ofertando boas situações de fato para reflexões no âmbito do Direito Penal. Veja:



O FATO



O jornalista Kléber (Cássio Gabus Mendes) tem comportamento preconceituoso e agressivo em relação a homossexuais. Por esta razão foi demitido do jornal no qual trabalhava, porque destratara seu chefe, declaradamente homossexual.

Desempregado, Kléber passou a trabalhar como garçom no restaurante de seu irmão, Gabino (Guilherme Piva) e também lá, em diversas oportunidades, proferiu comentários preconceituosos, especialmente quando em conversas com Sueli (Louise Cardoso), por ser ela dona de um quiosque na praia que é visto como “point gay”.
                        
No entanto, no capítulo de ontem, quinta (23), as atitudes preconceituosas de Kléber apresentaram-se de forma mais explícita e agressiva. 

Durante o show de Marcelo D2, no bar de Gabino, Hugo (Marcos Damigo), professor da Faculdade de Direito; Xicão (Wendell Bendelack), funcionário do bar de Sueli e Kurt (Rafael Hansen), namorado de Xicão, todos homossexuais, solicitaram a Kléber uma caipirinha.
           
A contra gosto, o garçom Kléber afasta-se para buscar a bebida e, na volta, percebe que o namorado de Xicão, passa a mão sobre o ombro do rapaz. Diante da cena, Kléber se enfurece e determina, aos gritos, que os dois saiam do bar.

           

Logo em seguida, Roni (Leonardo Miggiorin), Promoter do bar, também homossexual, aproxima-se a fim de entender o que está acontecendo e  Xicão  refere que o namorado apenas estava tocando em seu ombro, quando Kléber os agrediu verbalmente

A partir daí, instaura-se a confusão e a troca de ofensas.



DO DIREITO
A cena da novela permite analisar o fato sob duas perspectivas jurídicas, em vigor, e numa terceira via, de lege ferenda.

O primeiro, considerando a Lei Municipal mencionada pelo protagonista – Lei 2475/96 -  conduziria à responsabilidade administrativa do restaurante, por haver incidido em hipótese descrita pelo supra citada legislação, qual seja, a discriminação de pessoa em virtude de sua orientação sexual, impondo a ela situação de constrangimento. Nesse caso, o restaurante pode ser advertido, multado, ter suspensa autorização de funcionamento ou cassado seu alvará (Leia, ao final, o texto da Lei 2475/96).

O segundo, considerando o Código Penal Brasileiro, o garçom Kléber poderia incidir, em tese,  na prática dos crimes de difamação e injúria. No primeiro – difamação – por haver imputado às vítimas prática de fato ofensivo à reputação, o que estaria consubstanciado na expressão ‘fazer sem-vergonhice’, resultando em responsabilidade penal por crime definido no artigo 139 do CPB, sujeitando o agente a pena de detenção de três meses a um ano.

No segundo delito – injúria – por haver atribuído qualidade negativa às vítimas, ofendo-lhes à dignidade ou o decoro, neste caso, traduzida a ofensa pela expressão ‘boiolas’.  

Cumpre salientar que no tocante à injúria, ainda que a legislação considere hipótese qualificada quando ela consista na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, não se poderia estender essa situação para os casos de preconceito por sexo, orientação sexual e identidade de gênero, por proibir o Direito Penal a criação de figura delituosa por intermédio da analogia. Assim, não havendo previsão explícita da circunstância qualificadora por questões de orientação sexual ou identidade de gênero, a injúria seria, apenas, simples. Neste caso, crime que impõe ao condenado pena de detenção de um a seis meses ou multa.

Nos dois casos, como os atos difamatórios e injuriosos foram praticados na presença de várias pessoas – no ambiente de um restaurante – a pena seria aumentada de um terço, circunstância, inclusive, que afastaria o reconhecimento de crimes de menor potencial ofensivo para ambas as imputações – difamação e injúria.

Não obstante, ‘de lege ferenda’ (do direito que está por vir)  considerando as pretensões do PL 122,   o comportamento do personagem Kléber poderia incluir-se naquele delito de quem impede, recusa ou proíbe o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público, incidindo em pena de reclusão de um a três anos.  Além disso, concorreria, também, o crime de impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados, abertos ao público, em virtude das características relativas a identidade de gênero ou preconceito por orientação sexual.

Leia, abaixo, a redação dos dispositivos penais propostos pelo PL 122 e, também, a integra do Projeto em  ‘Criminalização de condutas de natureza homofóbica: texto do Projeto’

Subsidiariamente, não fosse esse o entendimento, ainda restaria a possibilidade de punir o garçom por injúria qualificada – também na perspectiva ‘de lege ferenda’, já que o PL 122 inclui, no parágrafo terceiro do artigo 140 a qualificadora por questões relativas à orientação sexual ou identidade de gênero.  Leia, também, no link indicado acima.

2 comentários:

JAIRO LIMA disse...

Muito esclarecedora a sua interpretação .Admiro seu domínio pela matéria ...Estou ansioso para ter aula com vc em Direito penal ,tive aula na disciplina de criminologia neste semestre e adorei ,aprendi muito .Um abraço ,Jairo Lima (aluno do 2ºsemestre/Ucpel)

Sérgio Abreu Arquiteto disse...

Prof.Ana Claudia,e como fica os nossos direitos? A lei deve servir aos dois lados,também vejo como direito nao querer ,homoxessuais se beijando em meu estabelecimento comercial,e como ficam as nossas crianças,que por exemplo sao impedidas de entrar na praça de alimentaçao do shop.Frei Caneca sem que se passe pelo constrangimento de ver dois homens se beijando?