Uma mulher grávida que precisa interromper a gestação porque sofre de doença cardíaca grave foi autorizada, por decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em sessão realizada nesta quinta-feira (19), a se submeter a um aborto terapêutico. Se a gravidez não for interrompida, tanto ela quanto o feto correm risco de vida.
Essa decisão foi prolatada no recurso de apelação nº 780438-2, interposto pelo Ministério Público para reformar a decisão do juiz substituto da Comarca de Terra Boa que julgou extinto o processo, sem análise do mérito, por ausência de interesse de agir. O referido magistrado entendeu ser desnecessária autorização judicial para realizar o aborto, já que, neste caso, há norma legal que o permite.
No recurso de apelação, interposto no último dia 12 (e que tramitou em regime de urgência no TJ), o promotor de Justiça da Comarca de Terra Boa ponderou que “nenhum médico irá realizar o procedimento abortivo sem estar devidamente amparado por uma autorização judicial; ainda que haja norma penal autorizadora nesse sentido, há necessidade premente de se expedir um alvará para tanto e evitar, ao menos, a morte da gestante”.
O voto do relator
Inicialmente, disse o relator do recurso, desembargador Campos Marques: “No que diz respeito ao aspecto legal, a decisão do magistrado singular é irrepreensível, pois, de fato, o médico não necessita de autorização para promover o aborto terapêutico, basta que haja um diagnóstico mostrando que “não há outro meio de salvar a vida da gestante” (art. 128, I, do Código Penal)”.
Todavia, observou o relator que o Código de Ética Médica, que antes fazia referências mais específicas sobre o aborto, foi reformulado no ano passado (2010), e acerca do aborto limitou-se a estabelecer no art. 15 que é vedado ao médico “descumprir legislação específica nos casos de transplante de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética”.
“Esta modificação, por certo, trouxe alguma dificuldade e até um certo temor por parte dos profissionais de medicina, procurando se resguardar, os quais, por uma questão de formação, não estão obrigados a conhecer os meandros da “legislação específica”, de que fala o dispositivo acima”, consignou o relator.
“Diante, então, dos osbstáculos enfrentados pela gestante, que não encontrou um médico que se disponha a promover o procedimento, sem uma prévia autorização, me parece que o Judiciário não pode ser furtar a examinar a questão, haja vista o disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal”, ponderou.
“No caso, não há dúvida que a sra. [...] está grávida e que, em razão de ser portadora de “cardiomiopatia dilatada grave, com etiologia idiopática”, enfrenta uma gestação de alto risco, tanto para o feto como para ela. É perfeitamente a hipótese prevista no artigo 128, inciso I, do Código Penal, pois, dizendo que as condições de saúde da gestante vêm piorando e que tal estado será “progressivo e letal”, fica claro que o aborto é a única hipótese de salvar a vida da sra. [...]”, asseverou o desembargador relator.
Finalizando, consignou o relator: “O meu voto, pois, é pelo provimento do presente apelo, para, com fundamento no princípio da indeclinabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF) e art. 128, I, do Código Penal, autorizar a interrupção da gravidez da sra. [...], a ser efetuada por médico, de preferência credenciado pelo SUS, ficando o Juízo de Direito da Comarca incumbido de expedir a respectiva autorização”.
A ordem foi transmitida ontem mesmo, dia 19, para o Juízo da Comarca de Terra Boa, que deverá expedir urgentemente o alvará autorizando a realização do aborto.
A sessão foi presidida pelo desembargador Telmo Cherem (sem voto), e dela participaram o desembargador Macedo Pacheco e o juiz substituto em 2º grau Márcio José Tokars, que acompanharam o voto do relator.
(Apelação Crime nº 780438-2)
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
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