O desembargador Carlos Vico Mañas já absolveu um réu porque a pena prevista em lei era tão alta que resultaria em injustiça.
Na reta final da elaboração do relatório da Subcomissão Especial de Crimes e Penas, especialistas apoiam mudanças já adiantadas pelo relator, deputado Alessandro Molon (PT-SP), como o incentivo às penas alternativas e alterações na gradação de penas, a fim de equilibrar a gravidade dos crimes com as sanções aplicadas.
Nesta sexta-feira (10), a subcomissão realizou seu último seminário temático para discutir modificações nas normas penais em vigor. Molon deve se reunir no final do mês com o grupo de juristas que o auxilia para fechar os últimos detalhes do texto, que vai propor uma reforma na legislação penal. O grupo é composto por representantes de advogados, magistrados, defensores públicos e da sociedade civil.
O texto elaborado por Molon e pelo grupo de especialistas precisa ser aprovado pela subcomissão, que é vinculada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), antes de ser convertido em projeto de lei.
Alternativas
O incentivo ao uso de penalidades alternativas é defendido pela professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Maíra Rocha Machado, que critica a “banalização das cestas básicas”. Ela reivindica que os juízes e procuradores tenham mais autonomia para aplicar uma medida alternativa à prisão que se ajuste melhor ao caso concreto em vez de apenas arbitrar cestas básicas. “É muito grave que as penas alternativas sejam aplicadas de forma automática, sem olhar as circunstâncias do caso concreto, em que pode ter havido o perdão da vítima ou uma reparação efetiva do dano”, analisa.
Por sua vez, o advogado Rafael Borges avalia que sistema vai “explodir” se não houver uma expansão das penas alternativas. “Hoje, temos tantas condutas tipificadas que, se for para encarcerar todos os criminosos, o sistema vai explodir. É preciso restringir a prisão às hipóteses em que ela seja sumariamente necessária”, defende.
Equilíbrio
Outro ponto que a subcomissão vai analisar no relatório é o equilíbrio entre os crimes previstos e as penas aplicadas. O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Carlos Vico Mañas admite que já optou por absolver um réu porque a pena prevista em lei era tão alta que resultaria em injustiça. É o caso, por exemplo, das sanções previstas para o crime de falsificação e adulteração de cosméticos ou produtos alimentícios.
Segundo Vico Mañas, ao impor uma pena elevada, o legislador imaginou punir a grande corporação que falsifica os produtos, mas a aplicação da lei encontra casos de pequeno potencial ofensivo. “É o pãozinho com mais bromato [substância usada para aumentar o volume da massa], um açúcar a mais no vinho, uma água na pinga, e a pena que a lei prevê é o dobro da aplicada nos casos de lesão corporal gravíssima, numa desproporção que salta aos olhos”, contesta. “Se a lei me desse outra pena, eu não absolveria, mas essa pena absurda eu não imponho”, acrescenta.
Molon já indicou que a pena sobre falsificação de cosméticos será alterada em seu parecer final.
Repercussão
O desembargador diz que o desequilíbrio na legislação penal é causado, muitas vezes, por leis inspiradas em casos de grande repercussão nacional e defende um enxugamento da norma penal. “Essa ‘inflação legislativa’ que procura criminalizar todo e qualquer ato ilícito independentemente da gravidade da ação e do bem jurídico tutelado contraria o princípio de intervenção mínima do Direito Penal”, opina.
Para frear o ímpeto legislador diante de casos de repercussão midiática, o advogado Rafael Borges propõe que toda a legislação penal seja tratada apenas pelo Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) e que a norma tenha um rito diferenciado de modificação. “É preciso criar um rito especial que não seja tão qualificado quanto os 3/5 exigidos para a emenda constitucional, nem tão facilitado quanto o da lei ordinária. Isso geraria leis mais pesquisadas”, argumenta.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
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