Dessa forma, ela passa a existir de fato, antes de existir
juridicamente. Sua existência no mundo jurídico vai acontecer com a lavratura,
pela autoridade policial, do auto de prisão em flagrante, nos termos dispostos
no art. 304 do Código de Processo Penal. Uma vez documentada, a prisão deve
passar pelo exame de legalidade através do juiz competente, pois, como se sabe,
nenhuma privação de liberdade pode ser subtraída da análise do Poder
Judiciário.
Para atender a essa sistemática, o caput do art. 306 estampa:
“A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou
à pessoa por ele indicada”, com a redação dada pela Lei nº 12.403/2011, que
reformulou todo o tema.
Primeiramente, resta clara a intenção do legislador de
ajustar as disposições da lei processual a respeito de prisão em flagrante ao
que estabelece a Constituição da República, reproduzindo quase fielmente o
contido no art. 5.º, LXII, da Carta Magna (o que já havia acontecido com a
anterior redação conferida ao dispositivo pela Lei nº 11.449/2007).
A contar do momento da prisão, tem a autoridade policial 24
horas para encaminhar o auto ao Juízo competente, com todas as oitivas que dele
devam fazer parte, segundo o § 1.º do artigo em estudo. Não é demais ressaltar
que o prazo de que dispõe o delegado de polícia para encaminhar o auto ao Juízo
é contado a partir do momento que a prisão é imposta e não a partir do momento
da conclusão de sua lavratura, como, muitas vezes, se pensa.
Uma pergunta, contudo, surge da análise da redação do art.
306: impôs a lei duas obrigações, quais sejam, a comunicação imediata ao Juiz
de Direito e ao Ministério Público e, posteriormente, a remessa do auto, no
prazo de 24 horas a contar da prisão? Em outras palavras: deve-se primeiro
comunicar a prisão e, depois da formalização do auto, encaminhá-lo ao Juízo
competente? Muito embora a primeira leitura do dispositivo aponte para essa
interpretação, havendo, inclusive, opiniões nesse sentido[1], parece-nos que
não foi essa a intenção do legislador.
Entendemos que a comunicação imediata deve ser feita à
pessoa da família do preso ou outra que ele indicar, incluindo seu advogado, se
assim for manifestado por ele. Isso para dar notícia de seu paradeiro e para
que se possa prestar-lhe a assistência que deve ter nesse instante,
amparando-se na legislação vigente.
A comunicação imediata ao Juízo e ao
Ministério Público, quando da prisão, serviria apenas para literalmente
“comunicá-la”, uma vez que o Magistrado ou o representante do parquet, nesse
momento, não contariam com nenhum elemento para verificar a legalidade da
medida, ou seja, seria atitude inócua.
Como dito anteriormente, o controle da legalidade da prisão
em flagrante é feito posteriormente pelo Juiz de Direito. Sem o auto de
flagrante em mãos, nada em termos práticos poderá ser feito, até mesmo porque o
Juiz de Direito não poderá (nem deverá) dirigir-se à Delegacia de Polícia para
acompanhar toda e qualquer lavratura de auto de prisão em flagrante de que
tenha sido comunicado, mormente nas grandes cidades, onde o número de
ocorrências atinge proporções assustadoras. Diga-se o mesmo em relação ao
Ministério Público.
Somos do entendimento, portanto, de que a remessa do auto ao
Juiz de Direito competente, no prazo de 24 horas, é suficiente para atender à
exigência da “comunicação imediata” imposta pela lei e anteriormente já
prevista na Constituição da República. Repita-se: somente com o auto
formalizado é possível o controle judicial.
Nesse mesmo prazo, conforme consta da parte final do mesmo §
1.º, deve ser encaminhada cópia do auto à Defensoria Pública, caso o preso não
tenha declinado o nome de seu advogado. Trata-se de louvável medida para
conferir assistência jurídica na fase inquisitorial ao preso que não tenha
advogado constituído e, principalmente, que não tenha condições de constituir
um. Qualquer ilegalidade ou inobservância de formalidade poderá, de plano, ser
argüida pelo defensor, sem prejuízo, é claro, do dever de ser rechaçada de
ofício pelo Magistrado.
Cabe, então, nova pergunta: se a autoridade policial não
encaminhar cópia do auto para a Defensoria Pública no prazo de 24 horas, poderá
ser relaxada a prisão em flagrante? Entendemos que sim, pois essa espécie de
custódia cautelar, por não contar com exame prévio de legalidade, está sujeita
à observância irrestrita de todas as formalidades que compõem a elaboração do
auto e a sua posterior remessa ao Juízo e também à Defensoria. Deixar de
comunicar o órgão defensório é deixar de cumprir formalidade essencial, tal
qual a ausência de entrega de nota de culpa ao preso, no prazo idêntico de 24
horas. Enseja, pois, o relaxamento da medida privativa da liberdade.
Não se pode deixar de comentar que o legislador, ao tornar
obrigatória a comunicação mencionada, ousou quebrar uma longa tradição de nosso
Direito, no que tange à participação de defensor na fase policial da persecução
penal. Poderia, contudo, ter ousado um pouco mais, a nosso ver, tornando
obrigatória a assistência de defensor quando do interrogatório policial,
notadamente no bojo do próprio auto de flagrante, a despeito das dificuldades
práticas que eventualmente poderiam existir. De qualquer forma, foi dado passo
importante para a efetivação da defesa do indiciado, em momento crucial: o
início das investigações.
Das modificações no Código de Processo Penal operadas pela
Lei nº 12.403/2011, sem dúvida uma das mais significativas foi a disciplina da
atuação do Juiz competente, quando recebe o auto em comento. Cabe transcrever o
dispositivo na íntegra:
Art. 310 [CPP]. Ao
receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando
presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em
flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I
a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente,
conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a
todos os atos processuais, sob pena de revogação.
Salta aos olhos logo na primeira leitura a necessidade de
fundamentação da decisão, seja qual for, colocando em liberdade ou mantendo a
prisão do indiciado. Tal imposição tem por finalidade provocar do Juiz uma análise
de mérito da prisão e não apenas verificar o aspecto formal do auto. É sabido
que por muito tempo, no diaadia da Justiça Criminal, a prisão em flagrante era
mantida pela simples verificação da legalidade do auto em si, muito embora a
Constituição da República já ordenasse o relaxamento imediato da prisão imposta
ilegalmente (art. 5º, LXV) e muito embora também, por força da própria
Constituição, a regra fosse a liberdade e não a sua privação (art. 5º, LVII e
LXVI).
Aliás, a regra de que a prisão é a exceção em nosso
ordenamento vem reforçada na nova redação do artigo 310, pois ela só será
mantida se, além de ser legal (obviamente), não for possível substitui-la pelo
instituto da liberdade provisória ou por alguma (s) das medidas cautelares
diversas da prisão, elencadas no art. 319 do Código (ou conjugando-se as duas
coisas). Assim, o Magistrado deve, em primeiro lugar, promover a libertação do
indiciado, mediante as condições impostas pela Lei, e, só em último caso, se
absolutamente necessário, manter a prisão.
No caso da necessária manutenção da prisão, cabe observar
que a prisão em flagrante não pode perdurar mais até a sentença definitiva; tem
ela, agora, duração pré-determinada. Isso porque ocorrerá a conversão da prisão
em flagrante em prisão preventiva, observados os requisitos constantes do art.
312, do Código de Processo Penal. Daí a razão de muitos, hoje, considerarem a
prisão em flagrante uma medida “pré-cautelar” e não cautelar propriamente dita,
pois ela apenas prepararia o decreto de uma medida cautelar, no caso a prisão
preventiva.
A nosso ver, no geral, as disposições envolvendo o
importantíssimo momento da comunicação da prisão em flagrante e a respectiva
atuação judicial são salutares e constituem mais um elemento na busca e na
criação de um processo penal garantidor dos direitos fundamentais da pessoa.
[1] V.g. CRUZ, Rogério Schietti M. A otimização, ainda
tímida, da assistência de advogado ao preso. Boletim IBCCrim, São Paulo, n.
172, p. 17, mar. 2007.
Fonte: Site JusBrasil
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