Li a notícia publicada por Zero Hora, Edição de hoje (14) intitulada “Polêmica no Tribunal – Mudança em Júri preocupa promotores”, cuja íntegra reproduzo para, depois, seguir manifestando-me sobre o tema.
“Promotores de todo o Brasil manifestaram, em carta redigida ontem, a preocupação com as mudanças no Código de Processo Penal. Eles acreditam que a proposta de mudar as regras do julgamento de assassinos, em discussão no Senado, significará o fim do júri popular. Desde quarta-feira, centenas de integrantes do Ministério Público debatem o assunto em encontro em Gramado. O principal ponto de discórdia se refere ao aumento no júri de sete para oito jurados. Com o conselho de sentença em número par, surgiria a possibilidade de empate, que beneficiaria o réu.
- É um absurdo. O promotor vai ter de convencer cinco e não mais quatro jurados. Já os advogados de defesa continuarão precisando convencer apenas quatro. Vão jogar pelo empate – reclama o promotor Eugênio Amorim, que atua na 1ª Vara do Júri de Porto Alegre.
Colega de Amorim na Capital, Lúcia Helena de Lima Callegari, teme que as novas regras incentivem a impunidade. Ela lembro que, em Porto Alegre, 75% dos inquéritos de homicídio são remetidos ao Judiciário sem autoria conhecida, como mostrou ZH em fevereiro. A estimativa é de que a nova lei seja votada no Senado até dezembro”.
Lendo as manifestações sobre as preocupações dos Promotores lembrei do diálogo que ontem se oportunizou em sala de aula, na disciplina de Direito Penal V, do curso de Direito da UCPel, sobre o Tribunal do Júri.
Não devemos esquecer sob pena de subverter totalmente o instituto do Tribunal do Júri que o mesmo é, por força constitucional, uma garantia ao acusado. Ou seja, o Tribunal do Júri é uma garantia humana fundamental, do acusado, que consiste na participação da sociedade nos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário. Dito de outro modo, é um instituto que permite a qualquer cidadão tomar parte na decisão, no julgamento de um outro cidadão.
Ora, não se trata, portanto, o Tribunal do Júri de um jogo. Ninguém joga no Júri para ganhar ou para perder, tampouco para empatar.
E neste aspecto a manifestação do Promotor Amorim parece-me totalmente equivocada, porque faz acreditar, ou leva a pensar, que estejam os Promotores envolvidos, por ocasião do Júri, em um jogo. E é honesta a manifestação do mesmo, porque não é incomum ouvir de outros colegas seus verbalizações do tipo: “esse júri vou ganhar de barbada”. Ou seja, eles pensam, realmente que estão jogando”.
E jogam contando com quem? Com os desavisados jurados. Que se contaminam com os discursos emotivos - às vezes impulsivos e descontrolados de Promotores - com muito mais facilidade do que o fazem em relação à falação da defesa. Porque não é possível desconsiderar, realmente parece-me induvidável apontar, que no Tribunal do Júri é muito mais fácil acusar do que defender. E não por capacidade técnica superior dos Promotores em relação a dos defensores. Mas porque enquanto os advogados precisam contar com a técnica, dando aula aos jurados sobre as garantias, sobre os direitos, sobre o que a lei assegura ao acusado, os promotores tem, a seu favor, as frases de efeito, as ensaiadas, que integram suas homilias e sensibilizam as decisões dos jurados. E talvez nem fosse preciso repetir aqui, mas vou citar algumas que já ouvi por aí:
- “tem rato na sua cela, pergunta o promotor aos gritos. Tem rato? O réu, entre desconfiado, temeroso e acuado responde: não, não tem não senhor. E o promotor então, virando-se para os jurados diz: viram, nem ratos querem a companhia desse sujeito!”
- Diz o promotor: “esse lobo, desumano, hoje aqui está assim, com cara de cordeiro. Imaginem senhores jurados, esse monstro poderia ter feito o que fez com um filho de vocês!”
- “Onde está o seu filho agora? E a sua mãe? É por culpa de sujeitos deste tipo que eles poderão não retornar para casa hoje”!
- Promotor aponta para o réu e diz: ‘agora ele está aqui, se fazendo de injustiçado, de pobrezinho, se escondendo atrás da barra da toga do advogado, mas na hora de praticar o crime ele era o valentão”.
Eu não desejava ter reproduzido aqui esse tipo de expressão. E tampouco desejo fazer generalizações, mas quem já assistiu, participou um atuou numa sessão de júri sabe bem ao que me refiro.
Ora, o julgamento pelo Tribunal do Júri, repito, é direito e garantia fundamental. Por isso, tem por função proteger os cidadãos contra arbítrios de qualquer ordem – inclusive dos emocionais – e não pode ser usado contra o interesse da cidadania.
Há, no momento contemporâneo uma nova tendência – legislativa, doutrinária e jurisprudencial – sobre o júri que deve ser respeitada, mantida e aperfeiçoada. Se as alterações legislativas representam a vontade popular devem ser as mesmas aceitas e bem recebidas.
A garantia contra condenações arbitrárias não pode ser transformada, diabolicamente, em exposição ao ímpeto de condenações despóticas, muitas vezes promovidas por quem está disposto a ‘jogar’.
Um comentário:
Durante a faculdade, em função dos estágios que fiz, fiquei quase dois anos assistindo julgamentos no Tribunal do Júri e, confesso que, da forma como está culturalmente organizado o Tribunal, não tem como não "torcer". A preparação durante os dias que antecedem o julgamento não se limita à causa, ela vai além, procura-se buscar o ponto fraco da outra parte, procura-se pensar: "o que eles podem alegar", pra tentar ir com a carta na manga. Mas, é certo que o Promotor tem um leque muito maior de "ases", pois, não raro, quando o advogado de defesa começa a desencadear uma série de colocações pertinentes e prende a atenção dos Jurados, o MP utiliza argumentações do tipo: "o advogado é pago para dizer isso para vocês, Jurados, mesmo que ele não acredite no que está dizendo, essa é a obrigação dele. Ele não tem outra alternativa, mas eu tenho, se eu estivesse convencido de que esse sujeito é inocente, eu poderia pedir para absolvê-lo, mas ele não é, portanto, condenem-o." Coisas desse tipo "pesam" para os jurados.
Postar um comentário