Um megaprojeto de inteligência e integração de forças de segurança na fronteira brasileira, que tem como objetivo combater o crime organizado internacional, só deve começar a funcionar nos primeiros meses de 2011, embora o cronograma do governo federal previsse que, no segundo semestre de 2010, o programa já estaria em fase mais avançada.
O projeto de Policiamento Especializado na Fronteira (Pefron) prevê batalhões próprios e uso de equipamentos de última geração, como binóculos com câmera, aviões anfíbios e helicópteros tripulados e não-tripulados. É prevista a atuação de policiais civis, militares e peritos criminais, que serão treinados pela Polícia Federal e Força Nacional de Segurança.
O maior controle de fronteiras é apontado por especialistas como principal caminho para combater a entrada de drogas, armas e munições, que abastecem organizações criminosas no país. Na maior operação de combate ao tráfico realizada no Rio nas últimas duas semanas, na Vila Cruzeiro e conjunto de favelas do Alemão, a Polícia Militar informou ter encontrado 42 toneladas de drogas e 222 armas de diferentes calibres, além de ampla quantidade de munição.
Conforme documento do Ministério da Justiça, pelo cronograma do Pefron, lançado em 2008, as unidades de inteligência deveriam ter começado a funcionar em maio, o que não ocorreu. O projeto prevê 11 unidades, instaladas em cada um dos 11 estados do país que têm fronteira seca - são quase 17 mil quilômetros. A previsão é de investimentos de R$ 90 milhões em equipamentos somente em 2011.
A primeira unidade do Pefron será no Estreito de Breves, na cidade de Breves (PA). De acordo com o governo do Pará, a base está pronta, mas, como será na beira do Rio, é preciso preparar o terreno antes da colocação dos contêineres para que a terra não ceda. A assessoria de imprensa informou que houve atraso nas licitações para compra de equipamentos, fabricados fora do Brasil. Disse ainda que há previsão de que, nos primeiros meses de 2011, os equipamentos vindos do governo federal comecem a chegar no estado.
Dois helicópteros para monitoramento foram comprados pelo estado e devem ser usados no Pefron.
O major Alexandre Aragon, subsecretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, afirmou ao G1 que o atraso para o início do Pefron não é motivo de preocupação. "O Pefron está no desenho ainda. Esperamos 510 anos para um programa efetivo de fronteiras para o Brasil. Segurança pública se faz com planejamento. Seria irresponsável lançar de forma imediata uma coisa que não fosse pactuada com os estados. Trazemos os estados federados para a questão das fronteiras. Já fizemos capacitação de servidores estaduais, mas ainda estamos desenhando um pacote para instrumentalização desse projeto, que está em fase de aquisições", disse sobre o Pefron.
Aragon informou que as licitações para compra de equipamentos para o Pefron já foram abertas e que em 2011, ainda sem data prevista, os materiais começarão a ser encaminhados para os estados.
"Estamos trabalhando agora com uma pré-operação Pefron. A operação tem data para começar e terminar, mas o Pefron é um programa de Estado, não é para ser esgotado. Como pré-operação Pefron temos a Operação Sentinela, realizada pela PF com apoio da Força Nacional, e a Operação Três Fronteiras, da PM de Amazonas e Força Nacional."
O subsecretário também destaca que a capacitação é uma etapa importante e que será constante dentro do Pefron. "O que acontecia antes: eu dava material e todo mundo ficava feliz. Isso não adianta, é preciso ensinar a usar, para que aquele material não se perca no tempo."
Enquanto o Pefron não começa a funcionar efetivamente, a Polícia Federal realiza a Operação Sentinela, nos 11 estados com fronteira. A ação, que começou em março deste ano, já foi responsável pela abertura de mais de 900 inquéritos policiais, 1,6 mil prisões em flagrante, além da apreensão de 55 toneladas de maconha, e quase 2 toneladas de cocaína. Foram apreendidas 270 armas.
Legislação unificada
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência Urbana na Câmara dos Deputados, comissão que deve apresentar seu relatório final ainda neste mês, antes do término da atual legislatura, diz que 80% das armas e das drogas que chegam ao Brasil vêm pelo Paraguai e entram por Mato Grosso do Sul e Paraná.
"Uruguai e Paraguai têm legislação muito brandas para venda de armas. Não tenho nenhuma dúvida que a principal medida para conter crime nas fronteiras é diplomática, uma unificação da legislação do Mercosul", destaca.
Pimenta diz que a CPI vai sugerir, em seu relatório final, a unificação da legislação, além de um controle integrado de armas no Brasil -- hoje Exército controla uma parte e Polícia Federal, outra. Além disso, a comissão também deve sugerir que o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que envolve ações sociais ligadas à segurança pública, vire um programa permanente.
Ele vê o Pefron com uma das soluções para combate ao tráfico internacional nas fronteiras. "Hoje não temos uma política de Estado para as fronteiras. Têm esforços individuais da Polícia Federal, eventualmente da polícia civil e militar de algum lugar, mas não tem isso como centralidade, como ocorreu no Rio, onde vimos uma operação com comando unificado."
O coronel da reserva da Polícia Militar José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, diz que a repressão ao crime organizado na fronteira é complexa porque trata-se de trecho muito extenso. "Demanda trabalho coordenado, com múltiplas agências", destaca. Ele diz ter dúvidas se o Pefron é a melhor solução para o combate à criminalidade nas fronteiras. "É necessário que o Exército, que tem mais facilidade logística, tenha papel preponderante. (...) Tem que ser todo integrado, não só com a PF, mas com as Forças Armadas."
O coronel concorda que é preciso pressão maior do governo brasileiro para assinatura de tratados internacionais. "Em alguns países, como Bolívia, Peru, o comércio de drogas causa impacto no PIB do país. O governo fecha um pouco os olhos. Mas tem que ter algum grau de pressão para entendimento."
O ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, já indicou que o Brasil discute um projeto integrado de combate ao tráfico.
Para procuradores da República de áreas de fronteira, falta recurso humano nas fronteiras.
Falta de pessoal
O procurador da República Luis Claudio Senna Consentino, que atua no Ministério Público Federal em Ponta Porã (MS), por sua vez, aponta a falta de recursos humanos como principal entrave à maior repressão na fronteira.
"A fronteira é muito grande e há carência de pessoal. É a principal dificuldade para ação mais efetiva e apreensões maiores na fronteira."
Também destaca importância de cooperações internacionais: "Com relação ao tráfico de droga se armas, a dificuldade é o Paraguai. A gente percebe que as autoridades paraguaias são benevolentes e até cúmplices em alguns momentos."
Para Consentino, a falta de estrutura também prejudica. "No Mato Grosso do Sul são muitas estradas vicinais, estradas de terra, clandestinas, que não são catalogadas, É difícil patrulhar. O cobertor é curto e falta gente. Eu vejo com bons olhos qualquer iniciativa de aprimoramento, mas é fundamental aumentar o efetivo."
Também procurador, Alexandre Collares, que atua em Foz do Iguaçu, fronteira com Paraguai e Argentina, tem a mesma opinião do colega: "Houve um incremento de policiamento local, reforço da Força Nacional e da Polícia Federal, e por conta disso aumentaram as prisões em flagrante e apreensões de mercadorias. Mas o efetivo ainda está bastante abaixo do que seria necessário. A repressão fica limitada pela falta de estrutura.”
"Anualmente é feita uma operação do Exército para repressão por quinze dias. Durante esse período, a criminalidade na fronteira cai drasticamente. Se as operações fossem mais extensas haveria um ganho. Se o novo projeto (Pefron) por acompanhado por aumento de pessoal, pode ter chance de sucesso", completou o procurador.
Aumentar efetivo não basta
O militar brasileiro Alessandro Visacro, autor de "Guerra Irregular", livro que trata de guerrilha e movimentos de resistência, diz que as políticas atuais são "insuficientes". "Não dá para termos ilusão, falsa expectativa, de que vamos conseguir isolar a fronteira. Os Estados Unidos, que têm recursos quase que infinitos e fronteira menor com México, não conseguem conter. Brasil tem dimensões continentais e tem como vizinhos três principais produtores de cocaína. O problema é muito mais complexo. Não precisamos negligenciar, mas não dá para ter falsas expectativas."
Para ele, a saída também é a integração entre as agências. "O que não se pode é criar mais um elo burocrático na nossa cadeia de agências. A ideia do Pefron é válida, a questão é como será a implementação. Não basta criar um órgão a mais, é preciso ter de fato a integração."
Visacro também diz que não basta aumentar o efetivo: "Estamos no século 21. Efetivo não é problema. Antes de se preocupar com aumento de efetivo de qualquer agência, precisamos aumentar a qualidade. Temos pouca gente, mas esse é o nosso segundo problema. O principal é equipar, trazer tecnologia".
(Fonte: Globo.com)
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