É livre a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, que não poderá sofrer qualquer restrição, observados os princípios e garantias constitucionais.
A informação, como um aspecto da liberdade de expressão, é a maneira que temos de estarmos, em sociedade, interligados, porque é exatamente por intermédio dela que se garante a aproximação, ou seja, a comunicação passou a ser um instrumento de encurtamento das distâncias.
Vivemos, hoje, em um mundo globalizado, e somos integrantes de uma rede social, da sociedade da informação.
Através da mídia, do jornalismo, dos meios de comunicação de massa nos mantemos informados sobre aquilo que acontece ao nosso redor, e também daquilo que sucede no mundo, através de uma seleção de assuntos e pautas que ela “mídia” considera mais relevantes para a sociedade. Há, por assim dizer, uma seletividade prévia, uma escolha anterior que reflete, obviamente, na opinião pública, ou seja, em todos nós, que somos os ‘consumidores’ do jornalismo.
Nestas condições, a influência da mídia sobre todos permite-nos referir que ela exerce uma espécie de controle social. Ou seja, o jornalismo é uma instância informal de controle, ou uma forma difusa de controle social.
Somente na segunda metade do século XX o poder de convencimento da mídia passou a ser objeto de discussão e interesse nas ciências, e algumas teorias surgiram para medir quais são os efeitos dos meios de comunicação na vida da pessoas em sociedade, e em que extensão eles se fazem presentes.
Os meios de comunicação tendem a direcionar a atenção das pessoas para alguns assuntos ou acontecimentos, mas não deveriam impor-lhes uma opinião. Deveriam provocar a reflexão, mas não como refletir.
Não obstante, nem sempre é isso o que ocorre. Os assuntos colocados na ordem do dia, ou na pauta, são geralmente aqueles que são de interesse coletivo, e são noticiados de maneira a ‘agradar’ o sendo comum.
Portanto, a mídia elege, seleciona e coloca na ordem do dia os assuntos que considera mais relevantes para a sociedade. E assim, a notícia reflete diretamente na formação da opinião pública, cuja mensagem produz, obviamente, efeitos diversos entre os cidadãos, considerando-se inúmeros fatores, tais como, condições sócio-econômicas, grau de instrução, nível cultural, dentre outros.
Mesmo assim, considerado um padrão de consciência coletiva (a do homo medius), as mensagens que são transmitidas pelas notícias veiculadas através dos meios de comunicação passam a unir o modo de ser e agir da população, submetida que está a essa sua influência.
Constitui-se assim, o jornalismo, um exercício diário e constante de controle social.
Por outro lado, há um tipo de controle social, formal, positivado, fruto de uma evolução histórica e dogmática, que é o Direito Penal.
Através dele o Estado exerce o seu direito de punir, já que evocou para si o monopólio da justiça, e o fará sempre que houver ataques, lesões, ofensas a bens jurídicos relevantes, para cuja proteção se evidencie necessária e imprescindível a intervenção do D. Penal.
Assim, tem-se os meios de comunicação de massa como instrumento de controle social informal e, o Direito Penal, por outro lado, como uma instância formal de controle.
Não raro, essas duas formas de controle, uma institucionalizada e outra não, se encontram e se chocam.
É comum que as pessoas tenham seu interesse despertado para os crimes, ou para qualquer conduta que, de algum modo, transgrida as regras de direito penal.
A imprensa, por isso mesmo, não se mantém distraída ante a esse interesse da sociedade, sendo comum que os jornais, impressos, revistas, blogs, televisão e rádio dediquem espaço considerável aos eventos criminosos, noticiando-os de maneira muitas vezes distorcida, sensacionalista, inverídica, instaurando ou potencializando a sensação de insegurança e medo.
Ou seja, as notícias de caráter sensacionalista propiciam o surgimento de uma realidade falsa, distorcida, que não traduz, realmente, os índices de criminalidade ou violência experimentados.
Quase sempre a imprensa pugna pela maximização do Direito Penal. É difícil que a imprensa adote uma posição mais parcimoniosa, menos emocional, geralmente apontando os acusados como monstros, e as vítimas como ‘pobres coitadadas’.
Há alguns programas, inclusive, que exploram toda sorte de misérias do cotidiano, usando linguagem espetacular, para inquietar e impressionar a quem os assiste. Geralmente abusam nas cenas, utilizam recursos visuais, trilhas sonoras, entrevistas enfim, uma série de expedientes tendentes a uma maior sensibilização dos expectadores, construindo, assim, uma falsa realidade. E a televisão é a que maior impacto no senso comum provoca.
E tudo faz porque estão imbuídos na busca da audiência, de público ou de leitores. Esse jornalismo descomprometido, irresponsável, antiético, que distorce a realidade dos fatos, apela para essas condutas porque sabe que, assim, o tema atrai a curiosidade e o interesse da população.
Tudo isso realizado, e a mídia fornecem a ideia à população de que estamos mergulhados na criminalidade; de que o momento presente é muito mais violento do que o passado, recente ou longínquo; e, o pior, a noção de que o Estado, como instância formal de controle, está paralisado.
Não é demais recordar que o crime, a criminalidade, são inerentes à sociedade. Portanto, qualquer discurso no sentido de erradicar a violência e o crime é desprovido de sentido.
Expressões do tipo: 'bandido bom é bandido morto'; ‘bandido tem que mofar na cadeia’; ‘a polícia prende e a justiça solta’; ‘o Brasil é o país da impunidade’; ‘é preciso adotar a pena de morte’; ‘prisão perpétua, trabalhos forçados para os vagabundo’; 'encarcerem-se os adolescentes, e as crianças bandidas também', verbalizadas pelos comunicadores, provocam toda a sorte de sentimentos na população, especialmente os relacionados à vingança, a fazer justiça com as próprias mãos e o desejo do aumento da repressão por parte do Estado. No imaginário popular, a adoção dessas ‘políticas’ é a solução para a diminuição da criminalidade.
No âmbito legislativo o discurso sensacionalista da mídia, somado a percepção popular do recrudescimento da violência (opinião pública) também fazem pressão por sobre os legisladores, que modificam o ordenamento jurídico ao sabor desses ‘movimentos midiáticos’. Ou seja, a atuação legislativa passa acontecer no plano simbólico, e não na realidade, nenhuma contribuição trazendo para a diminuição das práticas criminosas.
Exemplo desta situação foi o que se verificou por ocasião da edição da Lei dos Crimes Hediondos, em 1990, resultado do clamor popular despertado pelos meios de comunicação. Igualmente o que sucedeu, anos depois, em 1994, quando foi incluído no rol de crimes hediondos o delito de homicídio – resultado da pressão exercida pela mídia televisiva, por ocasião da morte da atriz Daniela Perez. E o que se experimentou de concreto com a edição dessa normativa?
Outras tantas providências de natureza legislativa seguiram o mesmo caminho. E o resultado enunciado pela mídia, quase sempre, não alcançado.
Por outro lado, também há efeitos da mídia no Inquérito Policial e no processo penal.
Na Teoria Criminológica do Labelling Approach (reação social, etiquetamento ou interacionismo simbólico) a sociedade escolhe as condutas que serão rotuladas como delitivas. Assim, aos olhos da sociedade passa a ser crime aquilo que ela enxerga deva ser. E, nesse sentido, a influência da mídia é fator decisivo, pois, a partir da realização do ato criminoso, haverá uma reação social que passará a rotular o sujeito como ‘bandido’, e ele se submeterá aos efeitos do etiquetamento: nesse momento ele passa a ser criminoso.
Durante a investigação criminal e no processo penal o sujeito sentirá os efeitos mais ou menos intensos dessa rotulação. A sanção criminal que deverá aparecer ao final do processo – como resultado de uma sentença condenatória – se faz presente desde os primeiros tempos da investigação. Investigado, é culpado; processado, é culpado.
No momento que antecede o próprio inquérito policial, ou durante o seu transcurso, os meios de comunicação cumprem papel significativo, pois é nesse instante que o fato criminoso transforma-se em notícia.
Uma vez noticiado, as distorções promovidas pela imprensa podem resultar em condenação ou absolvição antecipada.
Em nome da liberdade de imprensa, do direito de informar, muitos profissionais assumem o papel do próprio Estado. Investigam, interrogam, produzem provas, ouvem testemunhas, auscultam vítimas, tudo realiza sem critérios, e em desatenção ao Princípio da Presunção de Inocência, criando, com essa conduta, um juízo valorativo por sobre o comportamento e, assim, decidindo sobre culpados ou inocentes.
Em outras palavras, a imprensa noticia, investiga, processa e julga, de maneira peremptória, levando consigo o público impactado pelo ‘clamor’ provocado pelo delito. O paradigma criminológico do ‘etiquetamento’ ressurge: a mídia sensacionalista rotula.
Na fase processual os meios de comunicação podem, e até devem noticiar os trâmites processuais. A maioria dos atos processuais são públicos – uma forma de exercício de controle dos próprios atos judiciais – e, assim, a imprensa cumpre importante papel na divulgação dos acontecimentos judiciais. Só excepcionalmente a informação fica restrita, exatamente quando se tratem de atos processuais realizados em segredo de justiça, ou em outros que, a critério do juiz deva ser preservado o sigilo para garantia intrínseca dos atos, ou para assegurar direitos individuais ou coletivos.
Ao divulgar os acontecimentos do processo é possível que esses sejam submetidos à apreciação e interpretação do jornalista, repórter, editor, que manuseia e manipula a informação, dando-lhe um contorno diverso daquele que existe nos autos do processo.
Em busca dos chamados ‘furos’ de reportagem, a mídia passa a agir ao lado do Poder Judiciário, promovendo, ela mesma, o julgamento rápido, pronto, ligeiro, desejado pela coletividade, desrespeitando os princípios relativos ao processo legal.
Também por isso entrevistas concedidas por Promotores e Juizes que atuam em processos penais devem ser assistidas, ouvidas e processadas com muita reserva. Comentários dessas autoridades a respeito do processo em que estão atuando podem ser altamente prejudiciais à justiça, servindo a interesses escusos de jornalistas antiéticos.
O que se observa, nesse momento, é um choque entre direitos e princípios: se por um lado há o direito à liberdade de informação, também existe o devido processo legal, cujo exercício deve, antes de ser absoluto, realizar-se numa lógica de ponderação, bom senso, e equilibro.
O ideal é que estejam assegurados, igualitariamente, os direitos decorrentes do devido processo legal e da liberdade de informação. Para isso, todos os profissionais devem cumprir de maneira ética e proba o seu ofício.
Dos jornalistas, o que se espera, é a reflexão acerca dos valores que permeiam o que está sendo noticiado, pois como já se asseverou em algum momento, o sensacionalismo está para o jornalismo, assim como a arbitrariedade está para o direito.
Ambos devem, pois, ser evitados.
(*) Excerto de um trabalho mais amplo que será apresentado no Painel "A tênue relação da Imprensa com o Direito Penal", em evento no salão de atos da Faculdade de Direito da UFPel, dia 29 de setembro de 2011, às 19hs.
(*) Excerto de um trabalho mais amplo que será apresentado no Painel "A tênue relação da Imprensa com o Direito Penal", em evento no salão de atos da Faculdade de Direito da UFPel, dia 29 de setembro de 2011, às 19hs.
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