A Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará
(SUSIPE) tem tido uma demanda diferente nos últimos meses. Só nesta semana,
foram os profissionais dos estados da Paraíba e de Pernambuco; na semana
passada, os visitantes eram do Paraná. Todos querem conhecer de perto como
funciona o projeto que, além de ressocializar detentos, reforma prédios
públicos, instrui estudantes de escolas públicas e ainda envolve a iniciativa
privada. É o Conquistando a Liberdade, projeto de reinserção social, que tem
mudado a perspectiva de vida de muitos detentos no estado do Pará e que tem
chamado a atenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como iniciativa a ser
implantada em todo o país.
Na última quinta-feira do mês, cerca de 20 presos de
cada uma das unidades penitenciárias de nove municípios paraenses ocupam uma
escola da sua cidade e promovem um verdadeiro mutirão para a reforma do prédio
e dos aparelhos de educação. Pintura, conserto de lâmpadas e cadeiras,
jardinagem e até construção de muros são feitos pelos detentos. “Aproveitamos
tudo que eles sabem fazer.
Ficamos na escola das 8 às 16 horas e nesse período
conseguimos restaurar muita coisa”, explica o superintendente do Sistema
Penitenciário do Pará, André Luiz Cunha.Ele conta que no início foi difícil
convencer os diretores das escolas a receberem o projeto, mas que os resultados
obtidos já mudaram a visão dos educadores. “Houve resistência porque os
diretores temiam que colocássemos presos com enxadas e ferramentas sem algemas
numa escola cheia de crianças e jovens. Hoje, há filas de espera de escolas que
querem participar do projeto”, diz Cunha.
Todos os internos que participam do projeto passam
por uma seleção psicossocial e treinamento. Apesar de não serem algemados para
a realização das tarefas, ao saírem das unidades para a realização dos
serviços, os detentos são escoltados por agentes penitenciários e policiais
militares.
Atualmente, o Conquistando a Liberdade acontece nas
cidades de Abaetetuba, Capanema, Marabá, Marituba, Mocajuba, Paragominas,
Salinopólis, Santa Izabel e Tomé-Açú. Até o final de 2012, mais de mil internos
já haviam participado do projeto, com a reforma de 70 logradouros públicos,
entre escolas estaduais e municipais, postos de saúde, delegacias, praças e até
espaços religiosos. Em período de férias escolares, as reformas acontecem em
outros prédios públicos que necessitem de restauração.
A maior parte do material para as reformas é doado
pela iniciativa privada. “A sociedade tem um anseio muito grande de querer ver
o preso trabalhar. Então, quando a gente chega num comércio e pede três galões
de tinta ou qualquer outro material e explica a razão do pedido, o atendimento
é imediato”, diz André Cunha, que completa: “Todo mundo sai ganhando: os
presos, a comunidade e o estado, que tem seus custos minimizados com essa
ação”.
Além de garantir o aproveitamento da mão de obra
carcerária, o projeto proporciona a remição de pena por meio do tempo que os
presos dedicam ao trabalho nas obras. Dessa forma, o Conquistando a Liberdade
ainda auxilia no cumprimento correto da Lei de Execuções Penais.
Exemplo – Um dos grandes diferenciais do projeto
está em proporcionar aos presos a chance de se tornarem agentes de
transformação social por meio de suas próprias histórias de vida. Com uma
dinâmica de grupo chamada de “Papo di Rocha” (gíria paraense que significa
conversa direta, sem meandros), internos pré-selecionados contam para os
estudantes sobre os perigos das drogas e das armadilhas do crime. Tudo numa
perspectiva de traduzir em exemplos o quanto é prejudicial e destrutivo o
caminho do crime. A dinâmica tem como mediador um pedagogo ou psicólogo da
unidade prisional onde o interno está tutelado. “É um dos momentos mais
importantes do projeto porque dá ao preso uma ressignificação do seu papel social.
Naquele momento, ele pode ajudar com a dolorosa experiência que viveu”, explica
André Cunha.
Para o juiz Deomar Barroso, criador do projeto, o
“Papo di Rocha” dá ao preso uma conduta de cidadão. “No primeiro momento, o
preso se sente a escória da sociedade, ninguém quer saber dele. De repente, ele
começa a passar uma mensagem positiva, dizendo aos jovens ‘não façam o que eu
fiz, respeitem seus pais, valorizem a sua liberdade, vão estudar’. Todo mundo
sai ganhando”, defende o magistrado.
O começo – A primeira versão do Conquistando a
Liberdade aconteceu em 2003, quando o então juiz titular da 3ª Vara de
Execuções Penais de Belém, Deomar Barroso, começou a envolver os presos dos
processos da VEP na limpeza de praças públicas. Em 2008, ao ser transferido
para o município de Abaetetuba, nordeste do Pará, o magistrado contou com o
apoio do Diretor do Centro de Recuperação de Abaetetuba, Capitão Jorge Melo,
que juntos resgataram o projeto, em escolas do município. Três anos mais tarde,
o juiz conseguiu o apoio da SUSIPE e o projeto passou a se tornar uma ação de
estado, encampado pelo Governo do Pará, em parceria com o Tribunal de Justiça.
Novos passos – Em 2013, mais sete municípios
paraenses receberão as ações do Conquistando a Liberdade. A Superintendência do
Sistema Penitenciário do Pará realizou, em 14/03, um seminário com juízes,
policiais militares e diretores das unidades penitenciárias envolvidas para
formá-los dentro das perspectivas do projeto. Os novos municípios atendidos
serão Belém, Cametá, Castanhal, Bragança, Tucuruí, Altamira e Redenção,
localizados em regiões diversas do estado.
A iniciativa do Pará chamou a atenção do Conselho
Nacional de Justiça e o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ já
estuda um mecanismo para levar o exemplo do projeto Conquistando a Liberdade
para outros estados.
“O projeto merece atenção por ter um modelo de reinserção
social muito criativo. Além de melhorar a autoestima do preso, coloca o apenado
em contato com estudantes e ainda proporciona o conserto de unidades escolares
e outros prédios públicos. É uma iniciativa que precisa ser replicada em nível
nacional”, defendeu o coordenador do DMF, juiz Luciano André Losekann.
Fonte: Agência CNJ de Notícias
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