(*)Zero Hora deste Domingo tem matéria dos jornalistas Francisco amorim e letícia costa
A escassez de cadeias provisórias na Região Metropolitana e
no Interior transforma o Presídio Central em um depósito de seres humanos.
É o que constatou Zero Hora ao investigar o local de
residência de cada um dos 4.501 presos que habitam os pavilhões da maior prisão
do Estado.
Quase a metade dos criminosos (45,3%) deveria estar presa em
municípios da Grande Porto Alegre ou do Interior.
– O principal fator que leva a estes números é que não
existem presídios de regime fechado nestas localidades. Nos últimos 30 anos,
muitos que existiam foram fechados. Estamos fazendo agora o processo inverso,
buscando as cidades da Região Metropolitana para que se construam casas
prisionais nestes municípios – diz o titular da Superintendência dos Serviços
Penitenciários (Susepe), Gelson Treiesleben.
Pela Lei de Execução Penal, cada comarca – no Estado são 164
– deveria ter pelo menos uma cadeia pública, a fim de manter a proximidade do
preso com o seu meio social. Conforme a Susepe, porém, o Rio Grande do Sul tem
98 casas prisionais, entre estruturas para regime fechado e semiaberto. Para o
Central, são levados, em média, 37 novos presos por dia.
– Não tem (presídio) em várias comarcas importantes. Um
exemplo é Tramandaí, que não tem uma vaga no sistema prisional – analisa o juiz
Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre.
Além de contrariar a legislação, a distância dos presos
encarcerados da cidade onde moravam é apontada como um dos tantos pontos que
dificultam a ressocialização. O superintendente da Susepe e o promotor de
Justiça de Controle e Execução Criminal Gilmar Bortolotto concordam que a
convivência familiar contribui para a recuperação.
– O preso depende da família para ter assistência. A ideia
da Lei de Execução Penal faz parte de um projeto de recuperação, mas nunca
vingou – lamenta Bortolotto.
O sacrifício dos familiares para visitar os presos é
revertido, em alguns casos, na mudança de endereço dos parentes para um local
mais próximo à cadeia. Na maioria das vezes, contudo, a distância afasta o
preso do convívio familiar.
– Se for olhada a origem (do preso), o problema se agrava
muito mais, porque pode ser que a família esteja ainda mais longe, no interior
do Estado. Ela é um suporte que deve ser utilizado o tempo inteiro, porque são
poucos os valores que os presos mantêm. Temos que nos apegar neles para
trazê-lo de volta, quando possível – diz o promotor.
Professor do mestrado em Direitos Humanos do UniRitter, Dani
Rudnicki alerta para uma contradição.
– As pessoas querem que eles (criminosos) sejam presos, mas
querem que seja longe do seu município – pondera Rudnicki, que é membro do
núcleo de pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS).
Resistência dificulta implantação de cadeias
Para tentar manter os presos mais próximos de suas famílias,
a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) enfrenta um problema
que vai além da falta de casas prisionais: a resistência das moradores e de
administradores municipais.
O caso mais recente, recorda o superintendente da Susepe,
Gelson Treiesleben, é Campo Bom, no Vale do Sinos. Com 28 presos cumprindo pena
ou esperando condenação no Presídio Central, a cidade está em 13º lugar no
ranking dos que mais mandam apenados para a maior cadeia do Estado. Sem uma
estrutura própria para abrigá-los, o município rejeitou, com direito a uma
faixa estampando a frase “Campo Bom não quer presídio”, a intenção do governo
em abrigar uma estrutura de regime semiaberto.
– Algumas cidades estão mais sensíveis, outras nem tanto.
Canoas, Guaíba e Arroio dos Ratos estão sendo parceiras. Nesta gestão, tivemos
o exemplo de Campo Bom que não quis receber um presídio. A prefeitura alegou
que o assunto não havia sido conversado – conta Treiesleben.
Na época, o executivo ponderou que estava defendendo os
interesses da comunidade. Passados alguns meses, o prefeito de Campo Bom,
Faisal Karam, prefere não tocar mais no assunto.
Há quatro anos, uma situação parecida ocorreu no 7º
município com mais presos no Central, Alvorada, na Região Metropolitana. A
negativa ocorreu nos mesmos moldes de Campo Bom. O prefeito da época, João
Carlos Brum, reclamou da falta de diálogo do Estado com a administração local e
disse que a instalação afastaria investimentos. O projeto, que previa a
capacidade para 450 presos, foi deixado de lado.
Na opinião do promotor de Justiça de Controle e Execução
Criminal, Gilmar Bortolotto, a aversão vem do inconsciente da população. É como
se pensassem que os presos não merecem tal estrutura ou que possa aumentar a
criminalidade.
– As comunidades rejeitam e o pensamento político ratifica.
A comunidade em geral, quando lembra para quem será feito aquele espaço
público, não traz o pensamento de humanização – diz o promotor.
Ninguém vai roubar em volta de presídios”
Advogado, pesquisador e professor, Dani Rudnicki analisa as
causas e consequências da falta de prisões em regiões densamente povodas do
Estado.
Zero Hora – A distância do preso da família dificulta a
possibilidade de ressocialização?
Dani Rudnicki – Hoje quem mais dá assistência são as igrejas
evangélicas. A família dá um suporte para o preso, melhora a qualidade de vida
dele e muitas se sacrificam por isso. Muitas vezes, a mulher se prostitui,
continua traficando para ajudar o preso.
ZH – Qual o maior problema que o recebimento de presos de
outras cidades ocasiona no Central?
Rudnicki – De fato é a superlotação. O correto é que toda
cidade tenha presídio. A existência de diversos presídios na Região
Metropolitana seria fundamental, facilitaria o deslocamento das famílias,
acarretaria menos custos.
ZH – Muitos municípios não querem receber presídios. Por
quê?
Rudnicki – São questões políticas que acabam prevalecendo.
Todas as cidades têm pessoas que praticam crimes e elas têm que albergar estas
pessoas. A ideia de que a cidade irá perder investimentos é uma não é correta
porque, na verdade, a instalação de uma casa prisional pode atrair empresas.
Presídios são uma fonte de mão de obra barata, atraem indústrias. Também existe
a crença de que a região em volta de presídio é perigosa. E não é. Ninguém vai
roubar em volta de presídio, não mais do que se faz em outros lugares. Até
provavelmente menos, pois tem uma concentração de polícia no local.
Nenhum comentário:
Postar um comentário