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segunda-feira, abril 15

Encarceramento Feminino


Para quem está interessado no estudo acerca do encarceramento feminino, sugiro que façam a leitura do  ‘Levantamento Nacional DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS INFOPEN- AQUI
Mulheres, disponível

Imagem disponível na Web
Para instigar a continuidade dos estudos, sugiro a leitura do artigo de  Myrna Alves de Britto, publicado hoje no Canal Ciências Criminais, sobre o encarceramento feminino como possível instrumento patriarcal de reafirmação de papeis sociais, abaixo transcrito.

Encarceramento feminino: instrumento patriarcal de reafirmação de papéis sociais

Nas décadas 60 e 70, do século XX, surge o marco epistemológico, intitulado labeling approach, para o qual uma das instâncias a se analisar a criminalidade é a forma como os órgãos oficiais reagem ao comportamento delitivo. O crime passa a ser, portanto, “o resultado da construção de um discurso mediante processos de interação que etiquetam comportamentos e os elegem como desviantes (MENDES, 2017)”.

A criminalidade passa a ser encarada como resultado do etiquetamento. Se, para Baratta, o etiquetamento não aponta como e por que determinados grupos são criminalizados, o encontro entre a criminologia e o feminismo pode nos apontar um norte. Segundo Joan Scott (1990 apud MENDES, 2017), o gênero é o campo primário de articulação do poder, elemento constitutivo da ideologia homem/mulher, da difusão de suas representações, confere aos indivíduos identidades subjetivas mediante um ato de sujeição.

O patriarcado, nas palavras de Alda Facio (1999 apud MENDES, 2017), “é um sistema que justifica a dominação sobre a base de uma suposta inferioridade biológica das mulheres, que tem origem na família, cujo comando por milênios foi exercido pelo pai, e que se projeta em toda a ordem social. 

Esse poder é sustentado por um conjunto de instituições da sociedade política e civil que articulados para manter e reforçar o consenso expressado em uma ordem social, econômica, cultural, religiosa e política, que determina que as mulheres estejam sempre subordinadas aos homens, ainda que uma ou várias mulheres tenham algum poder, ou mesmo muito poder, ou que todas as mulheres exerçam certo tipo de poder”.

Apesar de não ser contribuição do feminismo, mas por ele atualizado, o conceito de patriarcado reflete esta ideologia onde a mulher, o feminino, é visto como inferior, subalterno, dependente, subordinado, contrapondo-se ao homem, masculino, forte, superior, independente. O Direito, mostrando-se essencialmente masculino, reverbera o machismo crescente na sociedade.

O Sistema Penal é um sistema legitimador do poder, um sistema seletivo, o que faz com que determinadas condutas sejam selecionadas para serem punidas, em detrimento de outras. O Sistema Penal assume, para as mulheres, seu caráter simbólico, procurando ocupar o papel de educador da sociedade, reforçando seus papéis.

O patriarcado se mantém e reproduz, em suas distintas manifestações históricas, através de múltiplas e variadas instituições cuja prática, relação ou organização, a par de outras instituições, operam como pilares estreitamente ligados entre si para a transmissão da desigualdade entre os sexos e a convalidação da discriminação entre as mulheres. Estas instituições têm em comum o fato de contribuírem para a manutenção do tema de gênero, e para a reprodução dos mecanismos de dominação masculina que oprimem a todas as mulheres (MENDES, 2017) .

Para a Criminologia Crítica, o cárcere, da forma como conhecemos hoje, surge na história como forma de controle social das aglomerações urbanas ocasionadas pelo excedente de mão-de-obra migrante das zonas rurais tidos como inadequados ao trabalho; sendo, portanto, uma instituição auxiliar às fábricas.

Desafia esta definição Soraia da Rosa Mendes (2017), para quem a definição de cárcere, em se tratando de mulheres, supera o paradigma da necessidade burguesa de isolamento da mão-de-obra ociosa e pobre; vai além, perpassando as pobres, mendigas, prostitutas, atingindo ainda àquelas que carecem de proteção masculina.

Encarceramento feminino

O trabalho objetiva analisar o aumento da população carcerária feminina entre os anos de 2000 e 2014 e, de maneira subsidiária, interseccional, verificar se a influência dos índices intrínsecos deste encarceramento pode afirmar a hipótese do uso do encarceramento como instrumento de dominação patriarcal.

Os dados obtidos através da divulgação do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, com recorte de gênero, voltados à criminalidade feminina, são os seguintes: 67% são negras, 57% solteiras, 89% entre 18 e 45 anos (idade fértil), 68 % presas por tráfico (crime socialmente atribuído aos homens). Apesar de representar 6,4% da população carcerária nacional, a taxa representa um aumento de 567% entre os anos de 2000 e 2014.

Soraia da Rosa Mendes (2017), ao confrontar o paradigma do encarceramento, alerta-nos que o objetivo do encarceramento feminino é a sua custódia. Custodiar as mulheres desprotegidas por um homem, ou mulheres exercitando papéis socialmente estabelecidos como masculinos e  substituindo, portanto, homens (BARATTA, 1999).

Para Soraia da Rosa Mendes (2017): “A ideologia é a de custodiar a mulher. O que interessava tanto ao homem, enquanto pai ou marido, como também interessava às instâncias eclesiásticas, políticas e econômicas que desejam seu afastamento da esfera pública. Eis o porquê da criação de uma política de “correção” da mulher ainda não experimentada, mesmo que milenar já fosse a submissão feminina entre gregos, romanos, hebreus e outros povos”.

Que papel mais masculino a criminalidade pode assumir, que o do traficante? Que imagem mais desafiadora ao papel da mulher, socialmente construído, que a mulher sem filhos? O salto no índice de encarceramento feminino justifica a análise detida dos seus dados intrínsecos de forma interseccional, pois, como afirma Baratta (1999): “o sistema da Justiça Criminal, portanto, a um só tempo, reflete a realidade social e concorre para sua reprodução”.

Alerta-nos, ainda, que as mulheres que ousam assumir papéis socialmente atribuídos aos homens, ou substituí-los, são mais severamente punidas.

Podemos concluir que as instituições de controle formal do sistema penal voltam sua punição e repressão às mulheres negras (por representarem, historicamente, arrimos de família e ausência de fragilidade – ousam ocupar o lugar dos homens), solteiras (não vivem uma família tradicional ou abandonaram), em idade fértil, porém sem filhos (infringem regras do dever-ser de seu papel social, do seu gênero, com autodeterminação sobre seu corpo), que de alguma forma se encontram envolvidas com o tráfico (atividade socialmente atribuída aos homens).

São essas mulheres, portanto, que ousaram afrontar a ideologia de seu gênero, que desafiaram o poder patriarcal.

São essas, as bruxas, que a sociedade contemporânea deve “queimar”.

REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. O paradigma do gênero: da questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmem Hein de ( Org.). Criminologia  e Feminismo. 1. ed. Porto Alegre: Sulina, 1999. FACIO, Alda.Feminismo, Género y Patriarcado.In: LORENA, Fries e FACIO, Alda (eds.). Género y Derecho. Santiago de Chile: LOM  Ediciones: La Morada, 1999.
MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
SCOTT, Joan W. A Mulher Trabalhadora. In: PERROT, Michelle. DUBY,Georges. (orgs.). História das Mulheres no Ocidente. Vol.4. O Século XIX. Porto: Edições Afrontamento, 1990.


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