Comentário meu: Em Maio levei meus alunos para uma visita à cadeia pública de Porto Alegre. Dessa experiência resultou algumas pesquisas de iniciação científica sob minha orientação, com alunos do segundo ano da Faculdade de Direito da UFPel. Visitamos, igualmente, o IPF - Instituto Psiquiátrico Forense - e estivemos no pátio onde hoje estão 'abrigados' os presos, em viaturas, retratados na excelente matéria jornalística produzida pelo CLIC RBS. Vivemos, realmente, o caos. Um colapso total, que nos envergonha, enxovalha nossa sociedade, desaponta, nos enche de desesperança, desacredita os órgãos de segurança. Leia e reflita. Isso tudo nos diz muito respeito!!!
Na terça-feira, 33 PMs em condições de trabalho insalubres
faziam custódia de suspeitos de crimes no pátio do IPF
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Suspeitos acorrentados entre si. Foto: Ronaldo Bernardi, Agência RBS |
Um muro alto sem reboco e um portão enferrujado escondem, na
Rua Salvador França, em Porto Alegre, um terreno malcuidado onde são mantidos
dezenas de presos algemados dentro de viaturas da Brigada Militar, por semanas
a fio, transformando a área numa cadeia gaúcha improvisada. O local abriga as
viaturas com presos que, até julho, ficavam no entorno do Palácio da Polícia,
na Avenida Ipiranga, aguardando vagas. No local, na terça-feira (24), 33 PMs
submetiam-se a condições de trabalho insalubres.
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Carros Prisões - Foto: Ronaldo Bernardi - Agência RBS |
Lado a lado, veículos pequenos, camburões, caminhonetes e
furgões abrigam presos que acordam e dormem no mesmo assento, porta-malas ou
assoalho. Como têm acesso controlado a chuveiro e privada, os detentos
compartilham dentro dos veículos garrafas de plástico para urinar.
— A gente usa uma garrafa comunitária para urinar. Quando
enche, o soldado escolta e a gente vira no mictório. Fazer o número dois é uma
vez por dia. Estou há 20 dias aqui — conta um preso de 31 anos que divide um
porta-malas com outro homem.
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Para ir ao banheiro, há fila Foto: Ronaldo Bernardi - Agência RBS |
Não há espaço para ambos deitarem. Para dormir, amontoam-se,
com os joelhos dobrados, repousando a cabeça de um sobre os pés do outro.
A poucos metros dali, uma corrente atravessa um camburão
onde 12 presos estão algemados, em meio a colchões, cobertores, roupas e
garrafas de urina. Quem chega por último na "cela" é algemado na
porta aberta do carona do veículo. Quem está ali há mais tempo,
"progride" para o fundo do camburão.
— Olha que horas são agora (são cerca de 10h).
Ninguém fez higiene aqui ainda. A última vez que saí dessa viatura foi às
18h30min de ontem. Não estou mais urinando nas garrafas, não vou me submeter a
sair daqui com doença. Todo mundo fez um crime e todo mundo tem de pagar, mas
isso aqui está desumano demais — reclama um preso que está há 31 dias ali.
Ao fundo, outros presos endossam o relato.
— Estou implorando para ir para a cadeia. O Presídio Central
é shopping center perto disso daqui — queixa-se outro preso.
Dependendo de como a viatura foi estacionada e de como foi
lacrada a algema, o preso terá uma experiência diferente. Uns conseguem ficar
de pé, porque estão anexados à porta de um carro. Outros não conseguem deitar,
porque estão em um assento para uma pessoa, dentro de uma van, e dormem
sentados.
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Presos urinam em garrafas Foto: Ronaldo Bernardi - Agência RBS |
— Não estamos mais na época dos escravos para estarmos
acorrentados. A gente já está preso — argumenta outro.
O estacionamento das viaturas fica no terreno que dá acesso
ao Centro de Triagem de Presos de Porto Alegre.
GaúchaZH acessou o
local para acompanhar visita da juíza Sonáli Zluhan, da 1ª Vara de Execuções
Criminais (VEC) de Porto Alegre. Na terça-feira (24), havia 18 viaturas paradas
no local com 95 presos algemados. O número flutua diariamente, conforme a
quantidade de detenções e a liberação de vagas em presídios.
Todo mundo fez um crime e todo mundo tem de pagar, mas
isso aqui está desumano demais.
PRESO
Antes da fiscalização no Centro de Triagem, a juíza
aproveita a passagem pelo pátio de viaturas para tentar colaborar na destinação
dos presos que acabarão no regime semiaberto. A magistrada também busca solução
imediata para os homens que apresentam problemas graves de saúde dentro das
viaturas.
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Varal de roupas improvisado no Pátio do IPF Foto: Ronaldo Bernardi - Agência RBS |
— Todo mundo aqui põe o órgão genital no mesmo lugar. Muitos
são soropositivo, outros têm hepatite, infecção. Colocaram um cara ali com
tuberculose. Pode proliferar. É diferente estar em um presídio e estar aqui
amarrado — diz, algemado a uma porta, um preso.
Policiais se queixam do local insalubre
No momento em que
GaúchaZH esteve no
local, 33 brigadianos de diversos batalhões faziam a guarda dos capturados.
Cada batalhão designa um grupo para custodiar seus presos. A Brigada também
mantém no local, permanentemente, alguns policiais com treinamento de elite na
corporação para garantir o controle do espaço e evitar possíveis fugas.
A estrutura de que dispõem esses servidores da segurança
pública se limita a algumas cadeiras plásticas, bancos e mesas velhas de
madeira. Eles fazem turnos, em geral, de 12 horas. Para trabalhar com os
presos, também são oferecidas luvas cirúrgicas aos policiais que têm, como
principais atividades, algemar e desalgemar os custodiados, levá-los ao
banheiro, entregar a comida e evitar a desordem.
— A gente poderia estar na rua, mas está aqui. Acabar com
isso é bom para todo mundo. E o problema é que acaba sempre a culpa em cima da
Brigada — relata um policial, em anonimato, a poucos metros dos presos.
O que é pior são as condições. É bem insalubre. E
também estamos aqui, às vezes, em quatro brigadianos de um batalhão para quase
20 presos.
POLICIAL MILITAR
Sem alternativa à tensão permanente e à insalubridade no
local, a rotina é de brigadianos conversando em pequenos grupos, em guarda,
tomando chimarrão e comendo em espaços improvisados. Alguns trazem marmita de
casa, outros chamam comida por telentrega. Às vezes saem para se alimentar em
restaurantes próximos.
— O que é pior são as condições. É bem insalubre. E também
estamos aqui, às vezes, em quatro brigadianos de um batalhão para quase 20
presos. Os presos ainda colaboram. A gente não "solta" muito eles,
mas também não "aperta" — diz outro policial.
O cheiro leve de fumaça se mistura ao ambiente. Há restos de
tocos de madeira ainda queimando pelo chão das fogueiras que os policiais fazem
para espantar o frio durante a noite. As viaturas estão estacionadas entre
colunas de concreto e sob uma imensa lage sem reboco, a qual é o esqueleto de
uma edificação não concluída. Sob esse teto permeável, trabalham os
brigadianos.
— Isso que hoje está seco. Tem de ver semana passada, que
tinha goteira. Corre água, fica tudo empoçado. Os brigadianos ficam aqui em
alerta total, de pé, conversando. E as viaturas que estavam boas, agora estão
assim — aponta o policial para um carro já parcialmente destruído.
Os mais experientes dizem que, para dar conta da situação, é
preciso se conscientizar de que o trabalho de custódia exige habilidades que
não são as de policial.
— Não é papel de polícia isso aqui. Estamos como cuidadores,
então tem de se adaptar. Temos de levá-los no banheiro, alimentá-los, então o
nosso psicológico tem de mudar. Olha aquele portão ali, é só abrir e vai
embora. Se acontece isso, o cara já vai responder procedimento. Isso aqui não é
trabalho da Brigada — alerta o servidor público que, como os demais, não tem
autorização para falar oficialmente com a
reportagem.
Há cerca de 50 metros dos pátios das viaturas está o Centro
de Triagem de presos, gerido pela Superintendência dos Serviços Penitenciários
(Susepe). Na terça-feira (24), havia 69 homens no local divididos em seis
celas. O mau cheiro persiste na estrutura improvisada, onde os custodiados
também aguardam vagas no
sistema
prisional. Parte deles, antes, passou pelas viaturas.
— A diferença (do Centro de Triagem) é que lá embaixo
(nas viaturas) a gente fica algemado 24 horas na mão da Brigada. É mais
cruel lá — diz um preso que está há mais de um mês no Centro de Triagem
aguardando vaga em uma prisão.
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Centro de triagem lotado - Presos aguardam vagas Foto: Ronaldo Bernardi - Agência RBS |
Ao fim da visita, a juíza Sonáli, acostumada a visitar os
ambientes prisionais do Estado, diz que não tem como fiscalizar o Centro de
Triagem e ignorar o que vê pelo caminho, nas viaturas. Ela classifica a
situação toda como um "absurdo" e destaca a ilegalidade desse sistema
e os danos causados a todos os envolvidos.
— É um absurdo o que acontece aqui. A gente fica até
angustiada. Foi um retrocesso ter presos em viaturas. A gente conversa com os
policiais, são obrigados a fazer um rodízio, e estão em situação precária,
vocês viram, sentados nas pedras, comendo como podem. Esse preso em viatura não
recupera de jeito nenhum. E está um clima tenso entre preso e brigadiano. É
complicado. E no Centro de Triagem não são atendidos os requisitos mínimos da
prisão — avalia a juíza.
Contrapontos:
GaúchaZH procurou
a Secretaria de Administração Penitenciária, que se manifestou por nota.
Confira o posicionamento na íntegra:
A Secretaria da Administração Penitenciária (SEAPEN)
informa que continua envidando todos os esforços para resolver de forma
definitiva a situação dos presos que são custodiados em viaturas e delegacias.
Como já é de conhecimento da maior parte da sociedade gaúcha, trata-se de
questão complexa, que não depende de vontade política, mas de uma série de
fatores que estão sendo objeto da dedicação total da secretaria, criada
exclusivamente para tratar da questão prisional. Para se ter uma ideia, até o
momento, já foram encaminhados ao sistema mais de 12 mil pessoas presas, desde
o início do ano, através do sistema Desep Vagas 24h. Mas a solução para o caso
específico passa pela implementação do Nugesp (Núcleo de Gestão Estratégica do
Sistema Prisional), cuja minuta se encontra em fase de análise dos diversos
entes do sistema de Justiça para sua implantação ainda em 2019. Também a
entrega do Presídio de Sapucaia, com suas 600 vagas vai contribuir para
amenizar o problema. Com isso, teremos possibilidade de absorver a demanda de
presos que hoje se encontram em DPs e viaturas. A ideia é que o novo núcleo
seja instalado exatamente na mesma área onde hoje estão estes presos, no
terreno junto ao IPF.
O comandante-geral da BM, coronel Mario Ikeda, falou com
GaúchaZH nesta tarde:
— A gente continua fazendo essa custódia. Mudou de local (da
Ipiranga). Para nós, é mais seguro e afastado da população e mais reservado
para o nosso efeito e mais seguro. E, por consequência, acredito que lá a gente
consegue garantir melhor a integridade física dos nossos custodiados, uma vez
que eles estavam expostos na via pública.
Sobre a situação dos PMs que atuam no local, o oficial
também se manifestou:
— A Brigada Militar gostaria que tivessem condições melhores
para nossos custodiados e também para nosso efetivo, mas, lamentavelmente, é o
que nós dispomos e buscamos da melhor forma possível dar tudo que está ao nosso
alcance e dar as condições adequadas. Sei do empenho do secretário e da Susepe
para buscar outras alternativas.