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quinta-feira, setembro 9

A pena e sua (des)função: Uma questão de consciência *

*Bruno de Oliveira Rodrigues – Acadêmico Direito/Ciências Sociais
*Jivago Pizarro Schulte Ulguim – Acadêmico de Direito

A pena privativa de liberdade é instituto de Direito Penal que limita o exercício do direito de ir e vir do CIDADÃO condenado pelo cometimento de um crime. Assim, somente a LIBERDADE deste poderia ser afetada pela pena, ao contrário do imaginário socialmente construído e da realidade cruel dos presídios.

Com efeito, esse pensamento equivocado da comunidade não tem suporte legal no ordenamento jurídico brasileiro, já que restariam intactos todos os demais direitos civis do preso, mas, a mais ampla parcela da população crê que estes transgressores da moralidade, consolidada e compartilhada, perderiam sua condição mais intrínseca, a humana, pois qualquer resquício de personalidade que lhe concederia direitos passariam pelo mais alto grau de reprovação social. Para além, o cidadão critica o sistema, já falido, por consumir os recursos dos “bons cidadãos”, os destinando a essa “corja” de malfeitores, ou ainda, os que pensam que a caótica realidade das prisões é espelho do caráter de seus hóspedes e, por isso, dentro dessa lógica, há justiça.

Ademais, nessa perspectiva, o apenado deveria ser tratado como um “animal”, já que seus, anteriores, direitos seriam exortados de seus corpos e, qualquer resquício de moralidade enxotado de sua alma. Dessa forma, resta concluir que os maus-tratos decorrentes da exposição a um ambiente depravado, pernicioso e insalubre, é a vingança mais pertinente a ser destinada a “eles”.

Se hoje houvesse um censo referente à possibilidade de melhoras nas condições das cadeias, acredita-se que ninguém concordaria em direcionar mais recursos para sanar tais problemas, já que o interesse e ego das classes médias/alta não permitiriam reconhecer os apenados como iguais, o argumento acaba por cair em um mesquinho e egocêntrico, “eu pago meus impostos”, “cumpro minhas obrigações”, ou ainda, “nós, os cidadãos de bem”.

Os presídios tornaram-se gigantes jaulas as quais são aprisionados todos os que não conseguiram viver de acordo com as “nossas” regras, uma vez transgredindo qualquer delas o cidadão torna-se um “deles”, um rivais e inimigos, assim, puni-los em todas as dimensões possíveis é a única forma de salvaguardar os nossos “puros” ideais.

Desta sorte, a pena é o castigo que visa vilipendiar tanto o corpo, quanto a alma do individuo, quaisquer outros ideais da função da pena são afastados, ou seja, todas as políticas do “re”(-socialização/inserção/educação) são inviáveis, pois nossos impostos “pagos em dia” jamais poderão ser remetidos a ajudar “aqueles”, os pervertidos e inimigos da sociedade.

Esse pensamento viciado não pode seguir difundido da forma como está. Uma necessária  rearticulação do sistema carcerário brasileiro deve acontecer e passa, imprescindivelmente, pela construção de uma consciência coletiva que reconheça o recluso como igual, como pessoa e, nessa condição, merecedor de uma nova oportunidade.

Somos TODOS criminosos em potência, ninguém está livre de no futuro estar envolvido em situações específicas tipificadas pelo Código Penal e, desta forma, cometer delitos, ou ainda, como já o fazemos, minúsculas transgressões diárias que sequer notadas, mas justificadas pelo nosso perfil, perguntar-se-ia: quem nunca ficou com a caneta de um amigo e acabou por apropriar-se da mesma, quem  acha dinheiro na rua e fica com ele para si, são exemplos de CRIMES, e vale reiterar, são crimes, cometidos pelos cidadãos ditos de “bem” que não lhe tornam diferente dos que lá estão aprisionados.

4 comentários:

The Doctor disse...

O argumento em defesa dos "presos", de que todos somos criminosos em potencial, é utopia.
Para os operadores do Direito são de fácil analise e busca pelas garantias. Mas para um cidadão, "infrator menos lesivo" - já que todos são - que sofre com a violência na própria pele é impossível aceitar essa equivalência.
Da mesma forma que o código contém várias classificações de crimes a sociedade tem os criminosos. Que resolva todos na medida de suas diferenças e sem comparações absurdas.

Anônimo disse...

Creio não ser argumentos para defender presos, pois nunca fora nosso intento, tampouco, discurso utópico. O CC é produto humano, construção da sociedade, assim, como o conceito de criminoso, ninguém é criminoso porque assim nasceu, menos ainda poder-se-ia dizer que é genético, senão perguntaríamos, qual seria o gene com defeito?
Todos somos criminosos sim em potencia, quando você sai da padaria consciente do troco a mais que esta levando, resultado de um equivoco alheio, esta sim incorrendo em ato ilicito, ou ainda, quando todos, e falo todos, porque são todos o fazem, mascaram o IR para pagar menos tributos estão atentando contra ordem pública, da mesma forma que fazem os políticos, vez que quando sonegam ao estado, sonegam a sociedade. A corrupção esta nos homens, é imanente a sua condição, este é o homem de hobbes e, em verdade, é o homem factível.
Talvez estejam se perguntando, incorreu este comentário em contradição quando fala que o crime é um instituto emergido de pacto, ao mesmo tempo que afirma que o homem é homem da imanência das paixões... Contudo, não é o que talvez pareceu ser, mas sim talvez seja o que não parecer ser.
O direito é muito além de OPERAÇÃO matemática como pretendo o colega acima, a dimensão direito como ciência também existe e nessa dimensão possível é pensar os desvios do homem como equivalentes, pois os desvios da alma são tão graves quanto os do corpo, vez que a gravidade deles é imputada como tu dizes, por ser 'mais' ou 'menos' lesivos, contudo, num código que trata, por vezes, os crimes contra o patrimônio de forma mais severa que os crimes contra a vida... tudo é possível.
ATT...
Bruno Rodrigues

Lucas Machado disse...

Inicialmente cabe destacar ao Senhor “The Doctor” que do auge de seu pedantismo e seu pensamento rasteiro, o direito de igualdade e termos jurídicos não é maleável ao sabor da retórica minimalista da sua proposta.. Ademais, promover uma ética na vingança ( e para sua reflexão indico obra dos autores Alexandre Morais da Rosa e Thiago Fabres) compõe a superação do modelo vingativo que degrada a pessoa humana e já secularmente comprovado ineficaz.. Promover uma vingança nos termos do Filme “Abril despedaçado” ou ainda nos moldes medievais que, não obstante a atribuição da culpa deve submeter o réu a penas irracionais como ordálios, torturas, apedrejamentos.. Comprovam o quão é tendencioso aos juristas caírem na tentação do “caminho mais fácil” e da respostas mais óbvia.. Mas na função de pensadores do sec. XXI cabe perguntar antes de incriminar: como criminalizar os desgraçados de meios e acesso aos bens materiais de sobrevivência? Como condenar pelos seus atos quem nunca conheceu direitos eficazes e meios dignos de sobrevivência? Como o Estado se propõe a cobrar condutas daqueles que foram abandonados pelo mesmo? Como a sociedade quer castigar os desafortunados se ignora seus suplícios? Pensar na criminalidade hoje e antes de tudo romper com a lógica milenar de punir degradantemente o ser humano, antes de qualquer coisa é pensar em superar os fatores que conduzem ao ato criminal e refletir sobre o que leva esta sociedade a criminalidade exacerbada que lotam os presídios.

Geraldo Velloso disse...

Felicitando os articulistas, não somente pela visão humanista em relação aos que cumprem suas penas nos presídios degradados, que o Estado brasileiro mal consegue manter, e cuja crítica, vale lembrar, se faz pertinente, cumprimento-os pelo destemida visão realista da nossa sociedade, que a todos desvenda, porquanto, aqui e acolá, somos, mais ou menos, infratores.
Na esteira de que nada se tem como perfeito, diante de nossas próprias imperfeições morais, intelectuais, etc., a função da pena imposta pelo Estado ao indivíduo que comete um crime, acaba por ter, como revés, e sem que se pretenda isso, uma desfunção, a qual se concretiza nas condições subumanas dispensadas aos presidiários, salvo raras exceções.
Por isso, talvez tenhamos que nos debruçar sobre este tema, para refletir e adotar ações políticas adequadas, de modo a melhorar o sistema carcerário, porque, como dito, ninguém está livre de eventual cometimento de um delito penal.
Se bem compreendi a intenção dos articulistas, congratulo-me com a iniciativa proposta como questão reflexiva.