Eis que recebo esse desafio, proposto pelo meu aluno René Johann, via twitter:
A notícia
Suspeito de assaltar ônibus é baleado na cabeça por passageiro na BA
Um homem foi baleado na cabeça na tarde desta sexta-feira (16) em Salvador, após tentar assaltar um ônibus. Segundo o motorista do veículo, o suspeito entrou no veículo na Avenida San Martin e pediu que ele desviasse o percurso para o bairro do Uruguai. “No momento em que eu ia desviar o carro para o Uruguai, veio um passageiro atingiu ele com um tiro por trás com um tiro na beça”, relatou o motorista.
O passageiro que atirou não foi identificado e o suspeito está internado no Hospital Geral do Estado. O delegado Nilton Tormes informou que o suspeito de assaltar o ônibus já tinha passagem pela polícia. “No ano de 2009 ele foi preso por roubo a coletivo, possivelmente um indivíduo contumaz, já estamos em 2011 e ele continua roubando”, afirmou o delegado.
Então, vamos lá:
Reconhecido como o instituto jurídico que representa uma forma abreviada de realização da justiça penal e da sua sumária execução, a legítima defesa é uma causa de exclusão da ilicitude, ou seja, quem age atendendo aos requisitos indispensáveis para o reconhecimento da legítima defesa, terá se comportado de acordo com o direito, portanto, licitamente.
A legítima defesa, assim, exige para sua configuração a presença dos seguintes requisitos objetivos: agressão injusta, atual ou iminente; direito próprio ou alheio; meios necessários usados moderadamente. Além destes, é determinante ao reconhecimento da defesa legítima, a presença de um elemento de natureza subjetiva, qual seja, o animus defendendi.
De maneira simplificada, pode-se dizer que existe agressão quando uma conduta ofende, ataca ou ameaça um bem juridicamente protegido. A agressão é a ofensa ou a ameaça considerada grave em face do interesse jurídico contra o qual ela é dirigida, e não se confunde com a mera provocação que, poder-se-ia dizer, é uma etapa anterior à própria agressão.
Também se exige uma qualidade especial a esta agressão. Ela deve ser injusta, ou seja, contrária ao direito. Ilícita, pois, podendo ser atual – aquela que está em curso, ou seja, a que está ocorrendo - ou iminente, significa dizer, a que está prestes a se iniciar.
Qualquer bem jurídico pode ser protegido pela defesa legítima, por isso mesmo o artigo 25 refere direito próprio ou alheio, eis que o sujeito que se defende poderá assim agir para repelir uma agressão ou ameaça de agressão a um direito seu, próprio, mas também poderá assim se comportar para a defesa de um interesse de terceiro, alheio, portanto.
Tudo isso presente, a legítima defesa surgirá como uma pronta reação, ou seja, como uma resposta imediata, um revide àquele ataque inicial.
Porém, a fim de impedir reações desproporcionais, a lei exige que haja proporcionalidade entre o revide e a agressão que o impulsiona. É o chamado uso moderado dos meios necessários, ou a observância do Princípio da Proporcionalidade na legítima defesa, exigindo daquele que se defende a demonstração de que o seu agir é, unicamente, direcionado à cessação da agressão, ou seja, impulsionado pelo animus defendendi.
O uso moderado dos meios, portanto, exige que o sujeito que se defende utilize os meios úteis (necessários), disponíveis e menos lesivos, aptos a fazer cessar a agressão, sem que se utilize, nesses casos, de um equilíbrio perfeito entre agressão e defesa.
Importa, numa situação concreta, observar a gravidade e a intensidade da agressão, atentar para a periculosidade do agressor, considerar as circunstâncias próprias da agressão, e os meios de defesa disponíveis no contexto da violência.
É de se reconhecer, também, nos casos do agir em legítima defesa, as condições emocionais de quem precisa/quer reagir, considerando que nesse caso não é razoável se exigir, de maneira absoluta, uma reação sensata, prudente e ponderada, criteriosa e detida, porque não é justo ‘esquecer’ a circunstância adversa experimentada pelo sujeito.
Feitas essas considerações, no caso noticiado pelo site G1, estando presente o animus defendendi, ainda que o tiro tenha sido disparado na cabeça do assaltante, e pelas costas, não se poderia, com base exclusiva nestes dados, afastar a possibilidade da defesa legítima, pois que como referimos, a situação concreta precisa ser avaliada de maneira global, considerando a gravidade/intensidade da agressão, a qualidade de quem o faz, a periculosidade do agente e os meios de defesa disponíveis, aliados às condições emocionais de quem se defende.
Por isso, ainda que trabalhosa a tese defensiva em situação processual de possível/provável legítima defesa – e em muitas situações é exatamente assim que ela se apresenta para a defesa– há chance de ser absolvido o cidadão, passageiro do ônibus, que buscou defender-se, a si, e a terceiros, da investida do assaltante dentro do ônibus em Salvador.
É a nossa opinião, com a maxima venia, ante as apreciações contrárias.
2 comentários:
Concordo.
Claro que os fatos narrados na notícia são muito superficiais, mas estou de acordo, acho possível a absolvição pela tese da legítima defesa.
Destacaria, apenas, (e com ^enfase) os antecedentes criminais da vítima.
Embora se saiba que o foco deva ser no fato e não nos envolvidos, em se tratando de júri, saber que a vítima era um "criminoso contumaz" talvez tranquilizasse o jurado a decidir absolver.
Abraços,
Renê Johann Jr.
Caríssima Professora, esse seria um caso que eu, como advogado, defenderia o sujeito de graça;provavelmente pagaria até mesmo as custas do processo.É evidente a legítima defesa de terceiro e da própria sociedade.
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