A ministra Maria do Rosário, 45 anos, tem uma meta para fazer funcionar um sistema criado em lei e badalado por especialistas há mais de 20 anos, mas que não se concretizou: o de recuperação de jovens infratores.
Em junho, a ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República quer lançar um plano que direcione a ação dos governos estaduais. A União vai dar recursos e fiscalizar a execução de um trabalho em que ações de educação, saúde e assistência social terão de ser inseparáveis. A partir disso, a gaúcha Maria do Rosário quer ver melhora nos índices de recuperação.
Abaixo trechos da entrevista a Zero Hora:
Zero Hora – A senhora disse que o sistema de recuperação não funciona no Brasil. O que falta para funcionar?
Ministra Maria do Rosário – O diagnóstico é de que não temos integração das políticas públicas no Brasil para atender os adolescentes em conflito com a lei. Eles estão depositados nas unidades sem a atenção devida.
ZH – O discurso de que a Fase recebe um adolescente para o qual o Estado já falhou antes é comum. Quando Estado deixará de culpar o Estado e começar a agir?
Maria do Rosário – Não cabe a transferência de responsabilidade. A reportagem de ZH indica que estamos perdendo vidas. Temos urgência.
ZH – Qual a medida urgente?
Maria do Rosário – Com a criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo teremos a integração das políticas públicas e metas para cobrar dos governos estaduais.
ZH – Um problema que tem sido destacado aqui é o excesso de medicação aplicada aos internos, um problema que tem mais de 20 anos e que a senhora conheceu quando era deputada estadual. Por que ainda ocorre?
Maria do Rosário – Sim, conheci. O uso de medicamentos para contenção química, prescritos como “se necessário”, o que na verdade é o uso de droga para contenção, pode ser considerado tortura.
ZH – E vai acabar?
Maria do Rosário – É uma das nossas metas. Temos que ter o sistema de saúde fiscalizando. Me admira haver médicos que utilizam ainda desse expediente. Me lembro disso da época como deputada, lembro de receitas previamente prescritas com o “se necessário”. A continuidade disso revela que falta fiscalização. Não acredito que o MP ou o Judiciário concordem com isso.
ZH – O Judiciário e o Ministério Público afirmam ter expedientes relacionados a isso.
Maria do Rosário – Mas então tem que mudar, porque quem pratica uma coisas dessas está praticando um crime. É muito grave.
ZH – O perfil do infrator mudou. Reduziu a participação em roubos e aumentou no tráfico. O sistema que trata da recuperação não devia se modernizar?
Maria do Rosário – Não produzimos nada melhor que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). E o que o estatuto propõe é a possibilidade de redesenhar projetos de vida. Acredito nisso. Mas tenho consciência de que não está sendo aplicado. Não basta ter recurso. Em oito anos, construímos mais de 60 unidades no Brasil.
ZH – Nenhuma no Estado. A última unidade construída foi em 2002.
Maria do Rosário – Várias no Rio Grande do Sul encontraram dificuldade de ser construída porque as comunidades não aceitam. Mas tivemos reformas. O Estado recebeu em oito anos R$ 13,3 milhões, sendo que R$ 8,8 milhões para obras (conforme a Fase, o custo para construção de uma unidade é em torno de R$ 14 milhões). E no Brasil investimos R$ 205 milhões.
ZH – Isso é muito ou pouco num contexto em que a senhora diz que não adianta o governo ser apenas repassador de dinheiro para obras?
Maria do Rosário – Exatamente, não basta investir em paredes. Nosso desafio primeiro é a cultura dessas instituições. O governo investe em construções e na formação. Mas a cultura das instituições tem de ser radicalmente modificada.
ZH – Como se faz isso?
Maria do Rosário – Abrindo janelas para a sociedade e levando a sociedade para dentro das instituições. Quero que as pessoas se importem com esse jovens. Sem fiscalização pública, as coisas não andam. Enquanto a instituição for fechada em si própria, não vamos mudar o perfil delas. Monitoramento constante do que ocorre com prestação de contas da recuperação dos jovens. Depois dessa matéria que vocês fizeram pode ser que muitos esqueçam, e daqui um ano vocês voltem a me perguntar. Esses jovens não podem ser só questão de governo. O Estado falhou, mas a sociedade também.
ZH – Como se reverte essa falha do Estado?
Maria do Rosário – Com medida preventiva. As Fases e Febens do Brasil ainda são um inferno e é muito bom que os jovens não cheguem lá dentro. Mas temos de mudar essas instituições. Para esse inferno ter fim, precisamos abrir as portas e janelas envolvendo família, sociedade e poder público.
ZH – Falando em mudar as instituições, uma crítica de juízes aqui no Estado é o excesso de indicações políticas exercendo cargos que deviam ser técnicos. Como resolver?
Maria do Rosário – Posso citar quatro pessoas que dirigiram a fundação que fizeram a seu tempo esforço grande e que não estavam lá para cumprir meta de governador, mas para cumprir a lei: Maria Josefina Becker, Ana Paula Motta Costa, Carmen de Oliveira e Joelza Mesquita (atual). Todas vieram de carreiras sólidas, doutoras ou pós-doutoras e com trabalhos acadêmicos e práticos importantes. Não vejo esse problema no Rio Grande do Sul. Acredito que é preciso ter mediação. Se defendo que a instituição seja mais aberta, defendo também que essa participação de pessoas que não são da instituição é melhor do que somente a lógica do corporativo.
ZH – A queixa do Judiciário é em relação a diretorias das unidades.
Maria do Rosário – Eu não conheço, mas, se existe esse problema, o MP talvez possa propor de se fazer termo de ajuste com exigências básicas para que a pessoa possa responder por essa função. Pode ser necessário que tenhamos regras mínimas para dirigentes de casas.
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