Uma triste realidade vem alarmando as autoridades gaúchas.
Somente de janeiro a abril deste ano, 86 mulheres foram mortas no Rio Grande do
Sul. Destas, 30 tiveram o próprio companheiro como algoz. Os casos dos últimos
quatro meses equivalem a 62% de todo o ano passado, quando foram 48 vítimas dos
maridos. Mas a morte não chega de surpresa. Em 91% dos casos de assassinatos
com violência doméstica computados nos últimos três anos, a polícia havia sido
informada do risco.
Esses crimes anunciados levaram o governo estadual a assinar
— quatro anos depois do lançamento, e após todos os demais Estados — o Pacto
Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. No cenário nacional, o
Rio Grande do Sul ocupa a 18ª posição em violência de gênero.
Entre as vítimas, 20% haviam pleiteado uma medida protetiva
que impedia a aproximação do agressor a uma distância calculada. O resguardo
falhou. A própria secretária da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM),
Marcia Santana, avalia que a medida protetiva por si só não garante o amparo:
— É uma retaguarda, mas precisamos de uma rede de
atendimento fortalecida para garantir a integridade física, moral e psicológica
da mulher. Infelizmente, essa rede não está implantada, mas lutamos para isso.
O sociólogo Julio Jacobo elaborou o Mapa da Violência 2012
do país e constatou que as medidas públicas do Estado são eficientes, mas
insuficientes:
— O Rio Grande do Sul tem um alto índice de desenvolvimento
humano e políticas públicas avançadas. A redução das mortes deveria acompanhar
esse patamar, mas não ocorre. É uma manifestação de barbárie. É um perigo
público, mas a própria tolerância das vítimas faz com que pareça um fenômeno
natural e isso se reflete também no comportamento do Estado.
Preocupado com o que tem chamado de femicídio, a Secretaria
da Segurança Pública trabalha no detalhamento dos óbitos dos últimos cinco
anos.
— Boa parte das mortes são previsíveis, com registro de
queixas por lesão corporal e ameaça. Nossa ideia é atuar preventivamente,
usando um corpo policial feminino. Já foi batizado de Patrulha Maria da Penha e
deve se iniciar ainda neste ano — revela o secretário de Segurança Pública,
Airton Michels.
CPI aponta falhas na rede gaúcha
O papel do poder público em estancar a violência também é
objeto de investigação desde fevereiro no Congresso.
— Temos uma legislação boa, mas as mulheres continuam
morrendo. No caso do Rio Grande do Sul, deu para sentir que, apesar do esforço
para criar mecanismos de atendimento às mulheres, os equipamentos são
deficientes — destaca a senadora Ana Rita (PT-ES), relatora de uma Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito sobre o tema.
Entre as falhas já apontadas pelos parlamentares no Rio
Grande do Sul, está a falta de varas especializadas em demandas femininas —
existe apenas uma, enquanto deveria haver 167, uma para comarca da Justiça.
Além disso, as casas-abrigo funcionam apenas até as 17h, impedindo atendimento
emergencial.
Um deslize custou a vida de Simone
A ida até a delegacia para solicitar uma medida protetiva é
o último grito por socorro da mulher ameaçada. Mas, uma vez de posse de
documento, quem fiscaliza o cumprimento?
No caso da professora Simone Serafim Guisalberti, morta aos
42 anos, em março de 2011, os filhos faziam o papel de vigias. Desde que pediu
a separação, no final de 2010, o marido Ibanez teria intensificado as
agressões. Até que, no dia 23 de dezembro de 2010, teria tentado matá-la. O
homem foi contido pelos filhos adolescentes, enquanto aguardavam a Brigada
Militar.
Aquela foi a primeira queixa documentada por Simone, que,
segundo os parentes, aguentava calada ofensas e agressões. A medida protetiva
impedia Ibanez de chegar a menos de 200 metros de Simone. Ela queria ter
buscado ajuda jurídica para encaminhar a separação, chegou a comentar com o
irmão, Pedro Serafim, 63 anos. Não deu tempo.
Nos 67 dias que se passaram até o assassinato, Simone viveu
aliviada por ter conseguido se afastar do marido, mas tensa pela obsessão de
Ibanez. A professora escondeu de amigos e colegas que sofria ameaças, pois não
queria prejudicar Ibanez. Guardou calada a medida protetiva.
Como eram meses de férias, por precaução, o caçula
acompanhava a mãe diariamente, na entrada e na saída do trabalho dela, em
Sapucaia do Sul. Na manhã do dia 1º de março de 2011, quando as aulas do filho
recomeçaram e ele teve de sair 30 minutos mais cedo do que a mãe, Ibanez se
aproveitou. Por volta das 8h, atacou Simone com 10 golpes de faca.
O caso é exceção à regra. Em média, as vias de fato ocorrem
205 dias depois do registro da última ocorrência.
— Pode ser que ela tenha se sentido protegida por aquele
pedaço de papel e não tenha se cuidado mais — disse Pedro Serafim.
Miriane Tagliari, chefe de gabinete da Defensoria e
dirigente do núcleo de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica
de Porto Alegre, avalia que essa é uma questão de segurança pública, e que a
medida protetiva deveria ter vigilância 24 horas.
— Quando é rompido o ciclo de violência, muitas vezes o
agressor volta para fazer uma agressão ainda maior. O ideal era ter segurança o
tempo todo, mas, infelizmente, é impossível.
Fonte: Jornal Zero Hora
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