Zero Hora revela em primeira mão o conteúdo de cartas
apreendidas após buscas em celas no Presídio Central de Porto Alegre que
mostram tentativa da maior facção prisional do país de se estabelecer no Rio
Grande do Sul. Documentos foram encontrados após rastreamento de telefonemas de
um paulista encarcerado na unidade e suspeito de extorsões fora da cadeia.
Justiça acredita que o PCC foi rechaçado dentro do próprio sistema, e preso que
estava com os documentos foi colocado
“Aquele que estiver em liberdade, bem estruturado, mas
esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia será condenado à
morte, sem perdão”.
A ameaça – explícita, cabal, definitiva – é o sétimo
mandamento do Estatuto do PCC (Primeiro Comando da Capital, principal facção
dos presídios paulistas), mas desta vez não foi elaborada em São Paulo.
Um manuscrito com as principais regras do Partido do Crime
(como os bandidos paulistas chamam a organização) foi encontrado no Presídio
Central de Porto Alegre. Zero Hora revela aqui, em primeira mão, o conteúdo da
papelada e a tentativa da facção de fincar raízes no Rio Grande do Sul.
Foi em abril deste ano que policiais civis e integrantes do
Ministério Público ouviram falar de “caderninhos” do PCC no sistema penitenciário
gaúcho. A novidade não agradou.
– Só faltava essa, com todos os problemas que temos com as
facções locais, uma organização profissional do banditismo se instalar por
aqui...– desabafa um promotor de Justiça.
Ouvir falar é uma coisa, comprovar é outra. Por um acaso, no
rastreamento de telefonemas de um paulista encarcerado no Presídio Central e
suspeito de extorsões fora da cadeia, os policiais captaram menções ao PCC,
além de telefonemas para São Paulo. Descobriram também que promotores paulistas
rastreavam o mesmo suspeito, por suas ligações com o Partido do Crime. As
autoridades deduziram que o aprofundamento da facção paulista nos presídios
gaúchos era questão de tempo e resolveram agir. Com autorização de juízes da
Vara de Execuções Criminais (VEC), foi feita há cerca de dois meses uma busca
em celas do Presídio Central e encontrado material do PCC.
Dois documentos apreendidos chamam a atenção. Um deles é o
já citado Estatuto do PCC ou 1533 (numeração que, em código, menciona a 15ª e a
terceira letra do alfabeto, duas vezes: PCC). São 17 mandamentos, que presos
ligados à facção copiam à mão e espalham nas celas dos Estados onde estão
encarcerados. Alguns são banais, como “Lealdade acima de tudo ao Partido” e o
conhecido “Paz, Justiça e Liberdade”. Além, é claro, do objetivo do PCC quando
foi fundado: o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro
do sistema.
Outros são ordens explícitas de ajuda:
– A contribuição daqueles que estão em liberdade, com os
irmãos dentro das prisões, através de advogados, dinheiro... ajuda aos
familiares e ação de resgate – diz o quarto mandamento.
Slogans revolucionários assustaram autoridades
Mas alguns trechos deixaram as autoridades gaúchas de cabelo
em pé. É o caso do 17º mandamento, um longo trecho com slogans ao estilo
revolucionário, em que está escrito textualmente:
– O importante é que ninguém nos deterá nessa luta, por que
a semente do Comando se espalhou por todos os sistemas penitenciários do Estado
e conseguimos nos estruturar também do lado de fora, com grandes sacrifícios e
muitas perdas irreparáveis. Nos consolidamos a nível estadual e, a médio e
longo prazo, nos consolidaremos a nível nacional. Em coligação com o Comando
Vermelho, iremos revolucionar o país dentro das prisões e nosso braço armado
será o terror dos poderosos, opressores e tiranos...
Um segundo documento apreendido no Presídio Central de Porto
Alegre mostra como o PCC tenta arrecadar dinheiro em nível nacional. Uma das
maneiras é rifas, usadas para custear despesas. Entre elas, pagamento de
advogados, de cestas básicas para famílias de presos, transporte para
familiares visitarem as cadeias e auxílio para doentes. Uma verdadeira empresa
criminal, que inclusive assume isso nos escritos.
No Comunicado Geral dos Estados, redigido em 27 de março
deste ano, um dos parágrafos não deixa margem a dúvidas:
– Nosso lema é “o crime fortalece o crime”. Quem de vocês
deparar com qualquer dificuldade pode ligar-nos, pois estamos aqui para
fortalecer a verdade.
Em outro trecho, há pistas de como alguém pode entrar para o
PCC.
– Pedimos para vocês levarem com total seriedade e dedicação
a expansão do comando nos Estados. Batizamos no fortalecimento e seguimos o
mesmo critério, de dois padrinhos, mas sendo sempre algum por indicação. Não
temos inimizades com facções de outros Estados, desde que nossos princípios
sejam respeitados.
Em um terceiro trecho, o alerta para quem vacilar nos
cumprimentos das determinações do PCC.
– Não admitimos atitudes isoladas, pois todos os integrantes
têm que seguir e respeitar disciplina e hierarquia. Aquele que desrespeitar
nossa disciplina e tirar alguma vida, com essa atitude isolada será cobrado à
altura. Porque vida se paga com vida, e sangue se paga com sangue.
Essa última mensagem faz parte de um pacote assinado por
Sintonia RS (sintonias são as representações do PCC nos Estados).
Que o PCC está implantado em outros Estados, nenhuma dúvida.
Já foram rastreados carregamentos de drogas administrados pela facção desde
Mato Grosso do Sul até o Rio de Janeiro. Em Santa Catarina, uma agente
penitenciária foi assassinada há cerca de duas semanas e as suspeitas recaem
sobre uma facção local ligada ao PCC.
Por via das dúvidas, o preso com o qual foram encontrados os
documentos está separado dos grandes líderes de facção no Rio Grande do Sul.
Foi colocado em cela partilhada com presos de outros Estados.
– Temos a certeza de que o PCC, apesar das tentativas, foi
rechaçado dentro do próprio sistema, por aqui. Existem facções demais no Rio
Grande do Sul e nenhuma delas se submeteu aos paulistas – diz um juiz.
Desde o começo deste ano até ontem, pelo menos 92 policiais
foram mortos em todo o Estado de São Paulo. Desses, 90 eram PMs. Os outros dois
eram policiais civis. O número já é bem superior ao registrado em todo 2011,
quando foram assassinados 56 PMs e oito policiais civis. Em 2010, foram 71 PMs
e dois policiais civis. Um dos últimos casos ocorreu no sábado, quando a
soldado Marta Umbelina da Silva morreu após ser baleada pelas costas na porta
de casa na Vila Brasilândia, zona norte da capital paulista.
Por trás da matança, um dos principais fatores é uma guerra
travada entre o PCC e a PM paulista – especialmente sua tropa de elite, a Rota
(Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). A Rota matou este ano, em apenas dois
episódios, 12 criminosos ligados ao PCC. Os assassinatos de policiais seriam o
troco.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, informou que 117
pessoas foram presas nos últimos dois meses sob suspeita de participação nos
ataques contra os policiais militares.
Nem todas as mortes de policiais podem ser atribuídas ao
PCC. Pelo contrário. Mais de 20 PMs foram assassinados durante assaltos,
conforme indicam as investigações. Em outros casos, os policiais trabalhavam em
bicos (horário de folga, como vigilantes particulares) quando foram mortos. Ele
acredita pouco provável que esses casos sejam vingança. Já os disparos
aleatórios contra patrulhas, sim.
Para conter o avanço da violência no Estado de São Paulo, o
governador Geraldo Alckmin (PSDB) e a presidente Dilma Rousseff (PT) começaram
as negociações para uma estratégia conjunta. Está marcada para quarta-feira uma
reunião entre o governo paulista e o Ministério da Justiça.
Os PMs são apenas a face mais visível dessa guerra. O número
de mortos em combate com agentes da lei é bem maior. Conforme levantamento da
Agência Brasil, foram mortas 28 pessoas em confrontos com policiais civis e 369
por policiais militares, totalizando 397 pessoas mortas em confrontos com
agentes da lei este ano. Isso representa 8,5% de aumento em relação ao ano
passado.
A contabilidade demonstra também que a maior parte das
mortes de civis ocorre em seguida à morte de algum policial – o que sugere que
possa ter ocorrido represália.
policiais militares foram mortos em todo o Estado de São
Paulo desde janeiro deste ano, número bem superior ao ano passado.
Não é de hoje que o PCC cobiça território gaúcho. No início
dos anos 2000, passou pelo Rio Grande do Sul o líder máximo da facção, Marcos
Camacho, o Marcola. Ele ficou preso em Ijuí, em uma tentativa das autoridades
paulistas de isolá-lo.
Em 2001 um grupo de 13 homens ligados ao PCC planejou o
assalto contra um avião que transportava dinheiro para o Banco do Brasil, no
Aeroporto Salgado Filho. O golpe foi abortado pela Polícia Federal, minutos
antes de ocorrer. A quadrilha estava fortemente armada. Os bandidos acabaram
colocados numa ala restrita da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas
(Pasc), onde tentaram semear sua ideologia. Acabaram sem parceria e, quando
liberados para regime semiaberto, foram todos embora do Rio Grande do Sul (a PF
mantém rastreamento deles).
A outra tentativa ocorreu quando, em setembro de 2006, 39
criminosos foram presos quando terminavam de cavar um túnel que serviria para
arrombar cofres do Banrisul e da Caixa Econômica Federal situados no Centro de
Porto Alegre. Eles eram ligados ao PCC e alguns tinham participado do maior ataque
a banco já registrado no país, o arrombamento do Banco Central em Fortaleza, em
agosto de 2005, que rendeu R$ 164 milhões aos ladrões.
Os “paulistas”, como eram chamados na cadeia, tentaram se
organizar na Pasc. Acabaram se entrosando com a facção Os Manos, liderada por
assaltantes. Trocaram favores, mas não há indicativo de que tenham formado uma
associação permanente, relata um promotor que acompanha as facções criminais
gaúchas.
Fonte: Site Jornal Zero Hora
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