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segunda-feira, novembro 5

Tentáculos do PCC







Zero Hora revela em primeira mão o conteúdo de cartas apreendidas após buscas em celas no Presídio Central de Porto Alegre que mostram tentativa da maior facção prisional do país de se estabelecer no Rio Grande do Sul. Documentos foram encontrados após rastreamento de telefonemas de um paulista encarcerado na unidade e suspeito de extorsões fora da cadeia. Justiça acredita que o PCC foi rechaçado dentro do próprio sistema, e preso que estava com os documentos foi colocado

“Aquele que estiver em liberdade, bem estruturado, mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia será condenado à morte, sem perdão”.

A ameaça – explícita, cabal, definitiva – é o sétimo mandamento do Estatuto do PCC (Primeiro Comando da Capital, principal facção dos presídios paulistas), mas desta vez não foi elaborada em São Paulo.

Um manuscrito com as principais regras do Partido do Crime (como os bandidos paulistas chamam a organização) foi encontrado no Presídio Central de Porto Alegre. Zero Hora revela aqui, em primeira mão, o conteúdo da papelada e a tentativa da facção de fincar raízes no Rio Grande do Sul.

Foi em abril deste ano que policiais civis e integrantes do Ministério Público ouviram falar de “caderninhos” do PCC no sistema penitenciário gaúcho. A novidade não agradou.

– Só faltava essa, com todos os problemas que temos com as facções locais, uma organização profissional do banditismo se instalar por aqui...– desabafa um promotor de Justiça.

Ouvir falar é uma coisa, comprovar é outra. Por um acaso, no rastreamento de telefonemas de um paulista encarcerado no Presídio Central e suspeito de extorsões fora da cadeia, os policiais captaram menções ao PCC, além de telefonemas para São Paulo. Descobriram também que promotores paulistas rastreavam o mesmo suspeito, por suas ligações com o Partido do Crime. As autoridades deduziram que o aprofundamento da facção paulista nos presídios gaúchos era questão de tempo e resolveram agir. Com autorização de juízes da Vara de Execuções Criminais (VEC), foi feita há cerca de dois meses uma busca em celas do Presídio Central e encontrado material do PCC.

Dois documentos apreendidos chamam a atenção. Um deles é o já citado Estatuto do PCC ou 1533 (numeração que, em código, menciona a 15ª e a terceira letra do alfabeto, duas vezes: PCC). São 17 mandamentos, que presos ligados à facção copiam à mão e espalham nas celas dos Estados onde estão encarcerados. Alguns são banais, como “Lealdade acima de tudo ao Partido” e o conhecido “Paz, Justiça e Liberdade”. Além, é claro, do objetivo do PCC quando foi fundado: o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do sistema.

Outros são ordens explícitas de ajuda:

– A contribuição daqueles que estão em liberdade, com os irmãos dentro das prisões, através de advogados, dinheiro... ajuda aos familiares e ação de resgate – diz o quarto mandamento.

Slogans revolucionários assustaram autoridades

Mas alguns trechos deixaram as autoridades gaúchas de cabelo em pé. É o caso do 17º mandamento, um longo trecho com slogans ao estilo revolucionário, em que está escrito textualmente:

– O importante é que ninguém nos deterá nessa luta, por que a semente do Comando se espalhou por todos os sistemas penitenciários do Estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora, com grandes sacrifícios e muitas perdas irreparáveis. Nos consolidamos a nível estadual e, a médio e longo prazo, nos consolidaremos a nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho, iremos revolucionar o país dentro das prisões e nosso braço armado será o terror dos poderosos, opressores e tiranos...
  

Um segundo documento apreendido no Presídio Central de Porto Alegre mostra como o PCC tenta arrecadar dinheiro em nível nacional. Uma das maneiras é rifas, usadas para custear despesas. Entre elas, pagamento de advogados, de cestas básicas para famílias de presos, transporte para familiares visitarem as cadeias e auxílio para doentes. Uma verdadeira empresa criminal, que inclusive assume isso nos escritos.

No Comunicado Geral dos Estados, redigido em 27 de março deste ano, um dos parágrafos não deixa margem a dúvidas:

– Nosso lema é “o crime fortalece o crime”. Quem de vocês deparar com qualquer dificuldade pode ligar-nos, pois estamos aqui para fortalecer a verdade.

Em outro trecho, há pistas de como alguém pode entrar para o PCC.

– Pedimos para vocês levarem com total seriedade e dedicação a expansão do comando nos Estados. Batizamos no fortalecimento e seguimos o mesmo critério, de dois padrinhos, mas sendo sempre algum por indicação. Não temos inimizades com facções de outros Estados, desde que nossos princípios sejam respeitados.

Em um terceiro trecho, o alerta para quem vacilar nos cumprimentos das determinações do PCC.

– Não admitimos atitudes isoladas, pois todos os integrantes têm que seguir e respeitar disciplina e hierarquia. Aquele que desrespeitar nossa disciplina e tirar alguma vida, com essa atitude isolada será cobrado à altura. Porque vida se paga com vida, e sangue se paga com sangue.

Essa última mensagem faz parte de um pacote assinado por Sintonia RS (sintonias são as representações do PCC nos Estados).

Que o PCC está implantado em outros Estados, nenhuma dúvida. Já foram rastreados carregamentos de drogas administrados pela facção desde Mato Grosso do Sul até o Rio de Janeiro. Em Santa Catarina, uma agente penitenciária foi assassinada há cerca de duas semanas e as suspeitas recaem sobre uma facção local ligada ao PCC.

Por via das dúvidas, o preso com o qual foram encontrados os documentos está separado dos grandes líderes de facção no Rio Grande do Sul. Foi colocado em cela partilhada com presos de outros Estados.

– Temos a certeza de que o PCC, apesar das tentativas, foi rechaçado dentro do próprio sistema, por aqui. Existem facções demais no Rio Grande do Sul e nenhuma delas se submeteu aos paulistas – diz um juiz.


Desde o começo deste ano até ontem, pelo menos 92 policiais foram mortos em todo o Estado de São Paulo. Desses, 90 eram PMs. Os outros dois eram policiais civis. O número já é bem superior ao registrado em todo 2011, quando foram assassinados 56 PMs e oito policiais civis. Em 2010, foram 71 PMs e dois policiais civis. Um dos últimos casos ocorreu no sábado, quando a soldado Marta Umbelina da Silva morreu após ser baleada pelas costas na porta de casa na Vila Brasilândia, zona norte da capital paulista.

Por trás da matança, um dos principais fatores é uma guerra travada entre o PCC e a PM paulista – especialmente sua tropa de elite, a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). A Rota matou este ano, em apenas dois episódios, 12 criminosos ligados ao PCC. Os assassinatos de policiais seriam o troco.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, informou que 117 pessoas foram presas nos últimos dois meses sob suspeita de participação nos ataques contra os policiais militares.

Nem todas as mortes de policiais podem ser atribuídas ao PCC. Pelo contrário. Mais de 20 PMs foram assassinados durante assaltos, conforme indicam as investigações. Em outros casos, os policiais trabalhavam em bicos (horário de folga, como vigilantes particulares) quando foram mortos. Ele acredita pouco provável que esses casos sejam vingança. Já os disparos aleatórios contra patrulhas, sim.

Para conter o avanço da violência no Estado de São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e a presidente Dilma Rousseff (PT) começaram as negociações para uma estratégia conjunta. Está marcada para quarta-feira uma reunião entre o governo paulista e o Ministério da Justiça.

Os PMs são apenas a face mais visível dessa guerra. O número de mortos em combate com agentes da lei é bem maior. Conforme levantamento da Agência Brasil, foram mortas 28 pessoas em confrontos com policiais civis e 369 por policiais militares, totalizando 397 pessoas mortas em confrontos com agentes da lei este ano. Isso representa 8,5% de aumento em relação ao ano passado.

A contabilidade demonstra também que a maior parte das mortes de civis ocorre em seguida à morte de algum policial – o que sugere que possa ter ocorrido represália.


policiais militares foram mortos em todo o Estado de São Paulo desde janeiro deste ano, número bem superior ao ano passado.



Não é de hoje que o PCC cobiça território gaúcho. No início dos anos 2000, passou pelo Rio Grande do Sul o líder máximo da facção, Marcos Camacho, o Marcola. Ele ficou preso em Ijuí, em uma tentativa das autoridades paulistas de isolá-lo.

Em 2001 um grupo de 13 homens ligados ao PCC planejou o assalto contra um avião que transportava dinheiro para o Banco do Brasil, no Aeroporto Salgado Filho. O golpe foi abortado pela Polícia Federal, minutos antes de ocorrer. A quadrilha estava fortemente armada. Os bandidos acabaram colocados numa ala restrita da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), onde tentaram semear sua ideologia. Acabaram sem parceria e, quando liberados para regime semiaberto, foram todos embora do Rio Grande do Sul (a PF mantém rastreamento deles).

A outra tentativa ocorreu quando, em setembro de 2006, 39 criminosos foram presos quando terminavam de cavar um túnel que serviria para arrombar cofres do Banrisul e da Caixa Econômica Federal situados no Centro de Porto Alegre. Eles eram ligados ao PCC e alguns tinham participado do maior ataque a banco já registrado no país, o arrombamento do Banco Central em Fortaleza, em agosto de 2005, que rendeu R$ 164 milhões aos ladrões.

Os “paulistas”, como eram chamados na cadeia, tentaram se organizar na Pasc. Acabaram se entrosando com a facção Os Manos, liderada por assaltantes. Trocaram favores, mas não há indicativo de que tenham formado uma associação permanente, relata um promotor que acompanha as facções criminais gaúchas.



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