Ex-funcionária disse que não falou o que consta em seu
depoimento.
MP deve investigar o caso para ver se houve irregularidades
ou crime.
A ex-funcionária da boate Kiss Márcia Helena Costa da Silva
surpreendeu quem estava na manhã desta terça-feira (23) no Fórum de Santa Maria
acompanhando o primeiro dia da quarta rodada de depoimentos do processo
criminal da tragédia. Ao ser ouvida, ela disse que não estava na casa noturna
no incêndio da madrugada do dia 27 de janeiro.
Entretanto, em depoimento dado anteriormente à polícia,
constava sua presença no local e horário da tragédia, que resultou na morte de
242 pessoas. "Não disse nada daquilo que estava no documento feito na
delegacia", garantiu.
Além de trabalhar na cozinha da boate, a ex-funcionária
trabalhava também na casa do sócio Elissandro Spohr, o Kiko. A defesa pediu que
uma notícia-crime fique registrada no processo para que o caso seja apurado e o
Ministério Público investigue, o que já foi confirmado pelo promotor Joel
Dutra, presente na audiência. A investigação verificará se houve
irregularidades na delegacia ou crime por parte da depoente.
Durante a tarde, Márcia foi até a delegacia do município
prestar esclarecimento sobre um possível crime ambiental envolvendo o destino
do lixo descartado na boate Kiss.
De acordo com o delegado Marcelo Arigony, a
vítima também foi questionada sobre a contradição dos depoimentos. “Ela disse
que ratifica tudo o que disse no depoimento da polícia e que teria ouvido de
outros os fatos que constam ali. Ela acrescentou ter ficado nervosa e disse que
foi mal interpretada pela escrivã”, explicou Arigony.
A Polícia Civil ainda não recebeu notificação da Justiça
para investigar a contradição, mas o delegado confirma que o caso será apurado
dentro da delegacia. “Pelo o que me parece, ela não trabalha mais na casa do
Kiko, mas vamos verificar se não houve nenhuma influência. Todas essas questões
estão sendo investigadas e entendemos que é um fato a ser esclarecido. No
entanto, de antemão, sabemos que não vão influenciar no cerne da questão”, diz
o delegado.
A previsão é de que até o final do dia outras quatro pessoas
sejam ouvidas. Antes de Márcia, o sobrevivente Ezequiel Lovato Corte Real fez
um depoimento emocionado. O jovem, que é personal trainer e era cliente da casa
noturna, contou que participou do salvamento e tirou pelo menos 30 pessoas do
local.
"Me senti impotente sem máscara, mas me mobilizei para
voltar e ajudar, porque passei por cima de duas meninas na hora de sair. A
fumaça era como se fosse uma barreira, todo mundo berrava e incentivava para
voltar para dentro. Porém, na hora que entrei, percebi o que havia acontecido.
Vi uma pessoa pendurada na grade, com aspecto de morta, uma morte sofrida,
então perdi as forças", contou.
O personal trainer contou que conhecia o sócio Elissandro
Spohr, o Kiko. Fora da boate, o proprietário pediu ao cliente que ao entrar
novamente, fosse até o caixa e quebrasse o vidro, a fim de ver se havia algum
funcionário lá dentro. Ele lembra de cinco bombeiros no resgate. Ao ver uma
máscara na viatura, a pediu emprestada, mas teve uma resposta negativa. "O
bombeiro disse que a máscara não funcionava e que não tinha autoridade para emprestar",
afirmou.
Ao todo, seis pessoas devem ser ouvidas no Salão do Tribunal
do Júri, no Fórum da cidade, nesta terça.
Novos depoimentos foram marcados
Inicialmente, a Justiça havia programado cinco datas para
ouvir os depoimentos das 60 pessoas indicadas pelo Ministério Público como
vítimas no processo criminal, mas outras três audiências tiveram de ser
programadas. Duas já foram realizadas nos dias 16 e 17 deste mês. A audiência
desta terça seria a última, mas outras dezenas de sobreviventes da tragédia devem
ser ouvidas nos próximos meses.
Isso porque a defesa de dois dos quatro réus acusados de
homicídio doloso pela tragédia também reivindicaram o direito de indicar nomes
de depoentes. Com isso, cerca de outros 60 podem ser ouvidos. O prazo para essa
solicitação encerra na sexta-feira (26).
Esses novos depoimentos devem ser marcados para agosto e
setembro, segundo o juiz Ulysses Louzada, responsável pelo processo criminal.
Após a conclusão dessa fase de depoimentos, serão intimadas as testemunhas no
processo. O juiz espera que isso ocorra ainda neste ano.
Após as audiências desta terça, o Ministério Público deve
decidir se vai ou não aceitar o pedido feito pelo advogado do vocalista da
banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, de ouvir o prefeito
de Santa Maria, Cezar Schirmer, e o deputado estadual Jorge Pozzobom.
O MP também vai analisar o pedido de esclarecimentos por
parte do delegado que comandou as investigações sobre a tragédia, Marcelo
Arigony, e do promotor de Justiça que investigou o isolamento acústico da
boate, que terminou na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC),
antes da tragédia.
Além disso, a Justiça também aguarda uma resposta do
Instituto-Geral de Perícias (IGP) para saber se o prédio onde funcionava a
boate Kiss – que permanece lacrado desde o dia do incêndio – apresenta
condições de segurança para receber uma nova reconstituição da tragédia, em
data ainda a ser definida.
São acusados por homicídio doloso, na modalidade dolo
eventual, os dois sócios da casa noturna, Elissandro Spohr e Mauro Hoffman, e
os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos
Santos e o produtor Luciano Augusto Bonilha Leão.
Até o momento, os músicos
assistiram a todas as audiências, enquanto os empresários justificaram as
ausências e não compareceram.
Fonte: Site G1 RS
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