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sábado, abril 26

Casos que desafiam a Justiça


Grandes ações criminais tramitam no Judiciário gaúcho e correm o risco de não resultar na punição esperada em razão da demora para ser cumprido todo o rito processual

Imagem ilustrativa, inserida pela edição do blog!
O crime organizado tem transformado processos judiciais em quebra-cabeças. Guiado por uma legislação septuagenária recheada de retalhos, o sistema punitivo brasileiro padece com a falta de recursos para julgar estruturas fora da lei cada vez maiores e melhor articuladas.

O exemplo mais notório é a Operação Patrimônio da Polícia Federal (PF) deflagrada em 4 de setembro de 2007. Até então, era o mais surpreendente golpe na indústria do roubo de carros na história do Rio Grande do Sul, ainda sem respostas na Justiça.

Naquele amanhecer de terça-feira, foram mobilizados 326 agentes com apoio de 60 policiais militares para tirar de circulação uma megaquadrilha com conexões em Santa Catarina, no Uruguai e no Paraguai. Em 12 cidades, foram capturadas 74 pessoas – entre as quais um policial civil, assaltantes, mecânicos, falsificadores de documentos, despachantes e vendedores de carros – e apreendidos 54 veículos (sete motos) clonados. Outros 234 clones já teriam sido vendidos.

O trabalho policial originou, ao que tudo indica, o maior processo criminal em andamento na Justiça estadual. São 24,4 mil páginas contendo relatórios de investigação, depoimentos, perícias, degravações de escutas, documentos de carros apreendidos e petições de advogados agrupados em 129 volumes (só deve ser superado pelo processo referente às 242 mortes no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, em 2013, que soma até agora 11,2 mil páginas).

A operação foi comemorada pela cúpula da segurança pública como um marco na repressão – pela primeira vez a PF combatia crimes desta natureza. Por não se tratar de delito de esfera federal, o caso foi remetido à Justiça estadual. Dos 74 presos, 71 viraram réus, acusados de 80 crimes – roubo, receptação, formação de quadrilha, falsificação de selo público, falsidade ideológica e adulteração de sinal identificador de veículo.

Assim como para a polícia, a Operação Patrimônio também se tornou emblemática para a Justiça. A complexidade dos crimes e a quantidade de réus, de defensores e de testemunhas amplificaram deficiências. Passados seis anos e meio, ainda não há punições. Do total de réus, 60 estão em liberdade, cinco jamais serão julgados porque já morreram e seis estão presos em razão de outros crimes.

Foi arrolada mais de uma centena de testemunhas, cerca da metade para ser ouvida no Interior e outros três Estados.

– As organizações criminosas são fenômenos recentes. O Código de Processo Penal (CPP) foi idealizado no século passado para enfrentar a criminalidade de varejo, não de atacado. Não temos instrumentos jurídicos adequados. A mesma lei é usada para combater ladrão de galinha e traficantes do status do Fernandinho Beira-Mar – lamenta o promotor João Pedro de Freitas Xavier, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público Estadual.

O CPP não estabelece prazos para sentenças – reformas são discutidas pelo Congresso há pelo menos cinco anos.

– É preciso reformar o CPP. É de 1941, e até agora só foram feitos remendos – afirma o juiz Luciano Losekann, da Vara de Execuções Criminais da Capital.

Risco de impunidade pela prescrição e pelo enfraquecimentos das provas

Na Constituição, foi inserida uma emenda datada de 2004 que “assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Mas, afinal, qual é o prazo razoável?

– Para casos complexos, existe entendimento de tribunais de que o aceitável é 180 dias. Só que dificilmente esse prazo é respeitado. Aí, se ingressa com um pedido de habeas corpus, e o réu ganha a liberdade provisória – observa o criminalista Nereu Lima.

O professor universitário e doutor em Direito Penal Aury Lopes Junior lamenta que o CPP não estabeleça prazos para conclusão de processos e alerta para o risco de prescrição.

– O tempo é inimigo da prova. Se demorar anos para ouvir uma testemunha, ela não terá mais credibilidade – observa.

Um dos crimes no processo da Operação Patrimônio, o de formação de quadrilha, é o primeiro a prescrever, em outubro de 2015.

Juizado exclusivo para grandes casos

Para acelerar o andamento de processos mais complexos, o TJ criou, em fevereiro, em regime de exceção, um juizado especial sob o comando de uma magistrada. Integram o pacote quatro grandes processos, entre eles o da Operação Patrimônio, cujo estágio atual é o interrogatório dos réus. Os acusados já tinham sido ouvidos, mas uma alteração no CPP, em 2008, acabou atrasando o andamento do processo. A nova regra determina que os interrogatórios dos réus sejam no final da instrução – antes era no começo. 

Para evitar um eventual pedido de anulação do processo, foi decidido por se interrogar novamente os réus. Não há prazo para sentença. Por causa da sua magnitude, as audiências são realizadas no auditório do Fórum Central de Porto Alegre. As pilhas de papéis são levadas ao auditório em carrinho de supermercado. Além do processo da Operação Patrimônio, outros três (abaixo) estão sob regime de exceção.

Operação Poeta

De fevereiro a setembro de 2008, a Polícia Federal monitorou mais de 1,5 mil telefonemas entre narcotraficantes em Porto Alegre, em Garruchos, na Fronteira Oeste, em Corumbá (MS) e em Foz do Iguaçu (PR), que negociavam cocaína e crack da Bolívia. O trabalho resultou na prisão de 43 pessoas e na apreensão de 200 quilos de entorpecentes, uma dezena de pistolas e dois fuzis. A ação identificou um consórcio na Vila Mario Quintana, em Porto Alegre (daí o nome Operação Poeta), de distribuição de drogas para várias regiões.

A denúncia do MP chegou ao Judiciário com 56 acusados em 2009. Cinco foram assassinados, restando 51, todos livres. Eles negaram envolvimento nos crimes e, em razão dos grampos, evitaram prestar depoimento gravado – inviabilizando a confrontação das vozes com os áudios coletados pela PF. O processo soma 50 volumes e outros 13 anexos, além de 131 ações no TJ, entre pedidos de hábeas, apelações e mandados de segurança para reaver bens por pessoas que figuram como donos de imóveis, carros e postos de combustíveis, mas que, na prática, teriam servido de laranjas. O caso está com o MP para as alegações finais. A partir de maio, será a vez de a defesa apresentar seus argumentos.

Ação nas cadeias

O processo envolve 12 réus, entre eles cinco agentes penitenciários acusados de permitir a saída ilegal de presos do Instituto Penal Padre Pio Buck, em Porto Alegre. Em troca de pagamento de até R$ 50 por preso, os agentes liberariam apenados para cometer crimes nas ruas durante o dia. À noite, o grupo voltava aos alojamentos.

O esquema foi identificado após três anos de investigações do Ministério Público Estadual das quais fazem parte centenas de horas de escutas telefônicas. Para “esquentar” a saída dos detentos, seriam forjados atestados médicos e de trabalho externo.

Os crimes teriam sido cometidos entre 2007 e 2008, e os 12 réus respondem em liberdade por acusações de 250 fatos criminosos referentes a falsidade ideológica, uso de documento falso, formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa. Em maio de 2012, a denúncia do MP foi encaminhada à Justiça, e o processo tramitou até fevereiro deste ano na 1ª Vara Criminal do Fórum Regional do Partenon. Em termos de quantidade de papéis, são 24 volumes. Pode ainda não ser considerado tão significativo uma vez que a instrução está em fase de coleta de depoimentos de testemunhas que somam 64, todas de acusação.

Operação Herança

O trabalho do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico resultou na prisão de 28 pessoas envolvidas com a distribuição de drogas a partir da zona sul de Porto Alegre e que contava até com um avião agrícola, apreendido no aeroclube de Eldorado do Sul.

O dono da aeronave seria um piloto, empresário morador do bairro Menino Deus, na Capital.

Escutas telefônicas durante dois meses revelaram que a quadrilha recebia ordens de dentro dos presídios e revendia a droga por meio de telentrega a domicílio para evitar a exposição de clientes.

O processo começou em agosto de 2012 e já soma 16 volumes, antes mesmo de iniciar os interrogatórios previsto para a primeira semana de maio.

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