Grandes ações criminais tramitam no Judiciário gaúcho e
correm o risco de não resultar na punição esperada em razão da demora para ser
cumprido todo o rito processual
Imagem ilustrativa, inserida pela edição do blog! |
O exemplo mais notório é a Operação Patrimônio da Polícia
Federal (PF) deflagrada em 4 de setembro de 2007. Até então, era o mais
surpreendente golpe na indústria do roubo de carros na história do Rio Grande
do Sul, ainda sem respostas na Justiça.
Naquele amanhecer de terça-feira, foram mobilizados 326
agentes com apoio de 60 policiais militares para tirar de circulação uma
megaquadrilha com conexões em Santa Catarina, no Uruguai e no Paraguai. Em 12
cidades, foram capturadas 74 pessoas – entre as quais um policial civil,
assaltantes, mecânicos, falsificadores de documentos, despachantes e vendedores
de carros – e apreendidos 54 veículos (sete motos) clonados. Outros 234 clones
já teriam sido vendidos.
O trabalho policial originou, ao que tudo indica, o maior
processo criminal em andamento na Justiça estadual. São 24,4 mil páginas
contendo relatórios de investigação, depoimentos, perícias, degravações de
escutas, documentos de carros apreendidos e petições de advogados agrupados em
129 volumes (só deve ser superado pelo processo referente às 242 mortes no
incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, em 2013, que soma até agora 11,2 mil
páginas).
A operação foi comemorada pela cúpula da segurança pública
como um marco na repressão – pela primeira vez a PF combatia crimes desta
natureza. Por não se tratar de delito de esfera federal, o caso foi remetido à
Justiça estadual. Dos 74 presos, 71 viraram réus, acusados de 80 crimes –
roubo, receptação, formação de quadrilha, falsificação de selo público,
falsidade ideológica e adulteração de sinal identificador de veículo.
Assim como para a polícia, a Operação Patrimônio também se
tornou emblemática para a Justiça. A complexidade dos crimes e a quantidade de
réus, de defensores e de testemunhas amplificaram deficiências. Passados seis
anos e meio, ainda não há punições. Do total de réus, 60 estão em liberdade,
cinco jamais serão julgados porque já morreram e seis estão presos em razão de
outros crimes.
Foi arrolada mais de uma centena de testemunhas, cerca da
metade para ser ouvida no Interior e outros três Estados.
– As organizações criminosas são fenômenos recentes. O
Código de Processo Penal (CPP) foi idealizado no século passado para enfrentar
a criminalidade de varejo, não de atacado. Não temos instrumentos jurídicos
adequados. A mesma lei é usada para combater ladrão de galinha e traficantes do
status do Fernandinho Beira-Mar – lamenta o promotor João Pedro de Freitas
Xavier, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do
Ministério Público Estadual.
O CPP não estabelece prazos para sentenças – reformas são
discutidas pelo Congresso há pelo menos cinco anos.
– É preciso reformar o CPP. É de 1941, e até agora só foram
feitos remendos – afirma o juiz Luciano Losekann, da Vara de Execuções
Criminais da Capital.
Risco de impunidade pela prescrição e pelo enfraquecimentos
das provas
Na Constituição, foi inserida uma emenda datada de 2004 que
“assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Mas, afinal, qual é o prazo razoável?
– Para casos complexos, existe entendimento de tribunais de
que o aceitável é 180 dias. Só que dificilmente esse prazo é respeitado. Aí, se
ingressa com um pedido de habeas corpus, e o réu ganha a liberdade provisória –
observa o criminalista Nereu Lima.
O professor universitário e doutor em Direito Penal Aury
Lopes Junior lamenta que o CPP não estabeleça prazos para conclusão de
processos e alerta para o risco de prescrição.
– O tempo é inimigo da prova. Se demorar anos para ouvir uma
testemunha, ela não terá mais credibilidade – observa.
Um dos crimes no processo da Operação Patrimônio, o de
formação de quadrilha, é o primeiro a prescrever, em outubro de 2015.
Juizado exclusivo para grandes casos
Para acelerar o andamento de processos mais complexos, o TJ
criou, em fevereiro, em regime de exceção, um juizado especial sob o comando de
uma magistrada. Integram o pacote quatro grandes processos, entre eles o da
Operação Patrimônio, cujo estágio atual é o interrogatório dos réus. Os
acusados já tinham sido ouvidos, mas uma alteração no CPP, em 2008, acabou
atrasando o andamento do processo. A nova regra determina que os
interrogatórios dos réus sejam no final da instrução – antes era no começo.
Para evitar um eventual pedido de anulação do processo, foi decidido por se
interrogar novamente os réus. Não há prazo para sentença. Por causa da sua
magnitude, as audiências são realizadas no auditório do Fórum Central de Porto
Alegre. As pilhas de papéis são levadas ao auditório em carrinho de
supermercado. Além do processo da Operação Patrimônio, outros três (abaixo)
estão sob regime de exceção.
Operação Poeta
De fevereiro a setembro de 2008, a Polícia Federal monitorou
mais de 1,5 mil telefonemas entre narcotraficantes em Porto Alegre, em
Garruchos, na Fronteira Oeste, em Corumbá (MS) e em Foz do Iguaçu (PR), que
negociavam cocaína e crack da Bolívia. O trabalho resultou na prisão de 43
pessoas e na apreensão de 200 quilos de entorpecentes, uma dezena de pistolas e
dois fuzis. A ação identificou um consórcio na Vila Mario Quintana, em Porto
Alegre (daí o nome Operação Poeta), de distribuição de drogas para várias
regiões.
A denúncia do MP chegou ao Judiciário com 56 acusados em
2009. Cinco foram assassinados, restando 51, todos livres. Eles negaram
envolvimento nos crimes e, em razão dos grampos, evitaram prestar depoimento
gravado – inviabilizando a confrontação das vozes com os áudios coletados pela
PF. O processo soma 50 volumes e outros 13 anexos, além de 131 ações no TJ,
entre pedidos de hábeas, apelações e mandados de segurança para reaver bens por
pessoas que figuram como donos de imóveis, carros e postos de combustíveis, mas
que, na prática, teriam servido de laranjas. O caso está com o MP para as
alegações finais. A partir de maio, será a vez de a defesa apresentar seus
argumentos.
Ação nas cadeias
O processo envolve 12 réus, entre eles cinco agentes
penitenciários acusados de permitir a saída ilegal de presos do Instituto Penal
Padre Pio Buck, em Porto Alegre. Em troca de pagamento de até R$ 50 por preso,
os agentes liberariam apenados para cometer crimes nas ruas durante o dia. À
noite, o grupo voltava aos alojamentos.
O esquema foi identificado após três anos de investigações
do Ministério Público Estadual das quais fazem parte centenas de horas de
escutas telefônicas. Para “esquentar” a saída dos detentos, seriam forjados
atestados médicos e de trabalho externo.
Os crimes teriam sido cometidos entre 2007 e 2008, e os 12
réus respondem em liberdade por acusações de 250 fatos criminosos referentes a
falsidade ideológica, uso de documento falso, formação de quadrilha, corrupção
passiva e ativa. Em maio de 2012, a denúncia do MP foi encaminhada à Justiça, e
o processo tramitou até fevereiro deste ano na 1ª Vara Criminal do Fórum
Regional do Partenon. Em termos de quantidade de papéis, são 24 volumes. Pode
ainda não ser considerado tão significativo uma vez que a instrução está em
fase de coleta de depoimentos de testemunhas que somam 64, todas de acusação.
Operação Herança
O trabalho do Departamento Estadual de Investigações do
Narcotráfico resultou na prisão de 28 pessoas envolvidas com a distribuição de
drogas a partir da zona sul de Porto Alegre e que contava até com um avião agrícola,
apreendido no aeroclube de Eldorado do Sul.
O dono da aeronave seria um piloto, empresário morador do
bairro Menino Deus, na Capital.
Escutas telefônicas durante dois meses revelaram que a
quadrilha recebia ordens de dentro dos presídios e revendia a droga por meio de
telentrega a domicílio para evitar a exposição de clientes.
O processo começou em agosto de 2012 e já soma 16 volumes,
antes mesmo de iniciar os interrogatórios previsto para a primeira semana de
maio.
Fonte: Site Zero Hora
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