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sábado, setembro 26

Desclassificação Própria e Desclassificação Imprópria: a propósito do Júri Pedagógico !


Em face da desclassificação própria que se verificou no julgamento de ontem, por ocasião do Júri Pedagógico promovido pela Juíza Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Pelotas e pelo Promotor de Justiça em substituição na Vara do Júri, aproveito a oportunidade para diferenciar a chamada desclassificação própria da dita desclassificação imprópria.

Sobre o caso: tratava-se de crime de tentativa de homicídio simples (artigo 121, combinado com 14, II, ambos do Código Penal Brasileiro). O acusado, disparando tiros em via pública, alvejara a vítima que passava no local dos disparos naquele momento. A vítima, ferida com um disparo de arma calibre 22, foi socorrida e, depois de hospitalizada e medicada, resultara viva, sem qualquer seqüela física.

O acusado foi denunciado pela tentativa de homicídio, tendo sido, também por ela, pronunciado. Levado à Júri, os jurados, por maioria, entenderam pela desclassificação do crime, já que responderam ao quesito acerca do “animus necandi” de forma negativa, atendendo, assim, inclusive, a proposta do agente ministerial que, durante a acusação, sustentou haver, de fato, crime de lesão corporal grave, já que inexistentes, nos autos, prova do dolo de matar.

Pois bem, a própria acusação sustentou, em plenário, a tese acerca da desclassificação do delito constante na decisão de pronúncia para outro crime de competência do juiz singular. Uma vez que o acusado estava pronunciado pelo crime de homicídio tentado, foi formulado quesito ao Conselho de Sentença para que este reconhecesse, no caso concreto, a tentativa do crime. A resposta negativa ao quesito afastaria o homicídio tentado e, por isso mesmo, afastaria a competência do Tribunal do Júri para continuar julgando o fato. Assim, diante da indagação singela : “...assim agindo, o réu tentou matar a vítima...?” os jurados, por maioria, votaram negativamente, o que determinou fosse operada a chamada desclassificação própria, passando o julgamento ao juiz presidente do Tribunal do Júri.

Respondido de forma negativa o quesito caracterizador da forma tentada do crime, opera-se a chamada desclassificação própria, que importa, repita-se, no afastamento da competência do Júri, já que o delito que remanesce – que no caso concreto fora uma lesão corporal grave - será originariamente da competência do juiz singular. Essa foi, exatamente, a situação verificada no Júri Pedagógico.

Há, também, outra forma de desclassificação própria, que ocorre quando a defesa sustenta em plenário, ou se infere do interrogatório do acusado, teses que importem na desclassificação do crime indicado na decisão de pronúncia para outro crime de competência do juiz singular, o que obrigará, também, ao juiz, quesitar sobre a tese, após os quesitos de materialidade e autoria. Por exemplo, se a tese é de negativa de dolo, em homicídio consumado, a quesitação deverá aparecer logo após ao quesito da autoria e, uma vez respondida negativamente, operará a desclassificação própria, indicando ter havido crime diverso do doloso contra a vida – homicídio culposo ou lesão corporal seguida de morte - e, portanto, fora da competência do tribunal do júri.

Em face de qualquer das situações , ou seja, desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, caberá ao Presidente do Tribunal do Júri proferir a sentença em seguida. Ou seja, na desclassificação própria o Conselho de Sentença, ao reconhece-la, afasta a sua competência para julgar o crime, devolvendo a causa ao juiz togado que, então, proferirá a decisão, salvo se o crime remanescente for de menor potencial ofensivo, hipótese que permite seja proposta a transação penal, porém não sem que antes haja o trânsito em julgado da decisão dos Jurados.

Pois bem, enquanto a desclassificação própria é, simplesmente, o reconhecimento da existência de uma infração de competência do juiz singular, no lugar da anteriormente existente, de competência do júri, o que determina seja o julgamento atribuído ao Juiz Presidente, na desclassificação imprópria há reconhecimento da existência de outro crime que não necessariamente um doloso contra a vida – de competência do júri – porém quando já há condenação do acusado por este delito, cabendo, agora, ao magistrado presidente, não mais decidir o mérito – que já está decidido – mas simplesmente fixar a pena nos limites da nova infração reconhecida pelo Conselho de Sentença. É, por assim dizer, uma desclassificação com uma existente condenação e, por isso mesmo, é chamada de imprópria, por ser impropriamente uma desclassificação.

Na hipótese de desclassificação imprópria, a tese sustentada pela defesa, que pode levar a essa desclassificação, é quesitada após o quesito sobre “se o acusado deve ser condenado ou absolvido” e, por isso mesmo, no momento em que o réu já está condenado pelo Conselho de Sentença. Como situações exemplificativas de desclassificação imprópria, podemos referir a da participação dolosamente distinta; a do excesso em causa de exclusão da ilicitude; a da pronúncia por crime consumado, mas a defesa argüir tentativa, porque o resultado morte decorreu de causa diversa; a da pronúncia por homicídio, quando a defesa argúi existência de infanticídio etc.

A característica fundamental da desclassificação imprópria é que como ela é verificada após uma decisão de mérito do Conselho de Sentença, ou seja, dos jurados, mesmo operada a desclassificação, o julgamento do crime que remanesce permanece no âmbito da competência do júri, não sendo atribuição do Juiz Presidente.

Um comentário:

BeatrizF disse...

Prezada Professora,

Parabéns pelo blog - é uma ferramenta extremamente útil para todos os estudantes e operadores do Direito em geral!
Trabalho no TJMG e recentemente li um acórdão que me deixou perplexa pelo seguinte: tratava-se de uma tentativa de homicídio qualificado, tendo a defesa sustentado, conforme a ata de julgamento, as teses de desclassificação para lesões corporais e, caso ultrapassada, decote da qualificadora. Ambas foram rejeitadas e a defesa apelou para que fosse reduzida a pena imposta. O relator, em preliminar de ofício, anulou o julgamento sob o fundamento de que o juiz incorreu em cerceamento de defesa por não ter elaborado quesito específico para a tese de desclassificação para lesões corporais. Eis a minha dúvida: pensei que não existia um quesito específico para essa tese, bastando responder negativamente ao quesito relativo à tentativa... Enfim, o acórdão me confundiu totalmente e fico pensando em como deve ser a redação do tal quesito pelo juiz, em que lugar ele entraria, qual sua influência sobre o quesito tradicional da tentativa ou da resposta deste em relação àquele, bem... fiquei muito confusa. E se não fosse pedir demais, gostaria que a senhora desse exemplos de quesitos da desclassificação imprópria. Agradeço desde já pela atenção e renovo os parabéns pelo blog!
Maria F. Costa