Carolina Cunha Colaboradora do Blog |
Há momentos nos quais tenho dúvidas quanto a quem creditar a “sensação de impunidade” que aflige a sociedade brasileira, mais especialmente quando ouço noticias como essa do indiciamento do goleiro Bruno. Explico por que.
Não raro os Delegados de Polícia ampliam a interpretação dos dispositivos legais e indiciam os suspeitos por crimes pelos quais eles muito dificilmente serão condenados ou, até mesmo, denunciados. Isso porque, muito embora a conduta praticada pelo sujeito tenha aparência de conduta tipicamente delituosa ela é esvaziada por falta de elementos probatórios indispensáveis ou, também, em razão da incidência de outras regras e princípios de Direito Penal que concorrem para o afastamento da tipicidade.
Assim, no momento em que ocorre o indiciamento, e a imprensa anuncia uma lista de condutas imputadas pelo Delegado ao acusado, a população fica à espera de condenação por todos esses delitos. Há até aqueles que, mais “sedentos por justiça”, passam a projetar a soma das penas e a fazer cálculos para posterior progressão de regime.
Porém, o que a imprensa não diz – e talvez não digam por que são jornalistas e não juristas – é que o ato do indiciamento pode ter muito pouco a ver com a ação penal. O ato do Delegado não vincula o Promotor e, muito menos ainda, influencia no julgamento final pelo magistrado.
Justo por isso é de se supor que dificilmente Bruno será condenado - talvez não seja sequer processado - por todas as condutas imputadas a ele pela autoridade policial, quais sejam: homicídio, sequestro e cárcere privado, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e corrupção de menores.
Por primeiro, para a configuração do crime de Quadrilha ou Bando (artigo 288 do Código Penal) é indispensável o caráter de estabilidade da associação, senão, é mero concurso de agentes, previsto no artigo 29, do Código Penal. Isso quer dizer: não basta que três ou mais pessoas se associem para fins de cometer crimes; é necessário que essa associação tenha caráter organizado e que as condutas sejam reiteradas. A permanência é circunstância elementar do crime de quadrilha.
Assim, o “Caso Eliza”, por si só, não é suficiente para configurar essa permanência. Dizendo de outro modo, para que haja crime de quadrilha, seria preciso que essas mesmas pessoas se reunissem, seguidamente, para cometer outros crimes.
Quanto ao crime de Seqüestro ou cárcere privado (artigo 148, do Código Penal), desde pronto é imperioso esclarecer: trata-se de apenas uma conduta e não duas, como fica parecendo através das noticias. Depois, há que se atentar para o princípio da consunção, segundo o qual quando uma infração penal serve de meio necessário (diga-se, fases preparatórias ou de execução) para a prática de outra, mais grave que aquela, a primeira resta absorvida. Ou seja, acaso Eliza Samúdio tenha sido seqüestrada e mantida em cárcere privado para ser assassinada, esse crime deverá ser absorvido pelo homicídio, se de fato existiu.
Restariam, portanto, três crimes a serem apurados: ocultação de cadáver, homicídio e corrupção de menores. Mesmo assim, ainda que venha a ser Bruno condenado por todos esses comportamentos – o que imprescinde de provas – para a população leiga sempre restará aquele “sabor” de impunidade, em razão da quantidade de crimes ‘anunciados’ que, fosse pertinente, os faria esperar por uma pena bem maior.
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