Pesquisar este blog

segunda-feira, dezembro 20

Caso Araguaia: Brasil condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

 



Manifestação do Grupo Tortura Nunca Mais

Em sentença histórica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) responsabilizou internacionalmente o Brasil pelo desaparecimento de cerca de 70 pessoas, entre os anos de 1972 e 1974, na região conhecida como Araguaia.

No caso, a chamada Guerrilha do Araguaia, composta por militantes do partido PCdoB, tinha por objetivo realizar uma revolução socialista partindo do campo e foi duramente reprimida pelo Exército brasileiro, sob o governo da ditadura civil-militar. Na época, as ações militares de repressão foram escondidas do resto do país por uma cortina de censura, que impedia que a divulgação de qualquer informação sobre a guerra que ocorria no sudeste do estado do Pará.

A condenação representa um fato inédito. Trata-se da primeira sentença contra o Brasil por crimes cometidos durante a ditadura militar, estabelecendo que nenhum crime contra direitos humanos pode fica impune com base na Lei de Anistia (lei nº 6.683/1979). O fato permite discutir o legado de um período extremamente autoritário e, assim, contribuir para o fortalecimento da cultura do “Nunca Mais” no país.

O processo na OEA reconheceu tanto a responsabilidade do governo brasileiro da época pelo desaparecimento forçado das vítimas quanto a situação de impunidade (que perdura há mais de 30 anos) e a falta de transparência em relação a esses crimes. Como signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Brasil tem de acatar decisões da Corte.

Entre as medidas de reparação, a CIDH determinou que fossem investigadas, processadas e sancionadas as pessoas (no caso, agentes estatais) responsáveis pelos desaparecimentos, decidindo que a Lei de Anistia não pode ser utilizada como escudo para proteger ex-agentes da ditadura.

A CIDH afirmou que o país violou o direito à justiça ao deixar de investigar os crimes, ferindo uma obrigação internacional a que está submetido: “As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação de crimes como os do presente caso (Araguaia)”. Assim, a Corte estabeleceu que a interpretação e aplicação da Lei de Anistia estão em desacordo com o direito internacional.

Essa sentença contraria posicionamento do Supremo, recentemente reafirmado - em abril de 2010, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, por 7 votos a 2, declarar a constitucionalidade da Lei de Anistia ao decidir uma ação ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Os ministros saíram em defesa da decisão proferida em abril: para o ministro Cezar Peluso, a sentença da corte baseada em San José, na Costa Rica, não muda a decisão tomada pelo tribunal que preside. "Ela não revoga, não anula a decisão do Supremo”.  Já o ministro Marco Aurélio afirma que o direito interno, pautado pela Constituição Federal, deve sobrepor o direito internacional e que a decisão da Corte ligada à OEA tem eficácia apenas política e que “não tem concretude como título judicial”.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, concorda com a posição do STF, alegando que não se constrói política no presente olhando para o passado. No entanto, o que se busca com essa nova decisão é justamente não esquecer as atrocidades ocorridas (em um passado que não é tão distante) para que estas não voltem a acontecer.

Há, é claro, opiniões divergentes das defendidas pelos ministros do Supremo, como é o caso de André de Carvalho Ramos, professor de direito internacional e direitos humanos da USP. Segundo ele, "As decisões do Supremo se referem às leis nacionais, mas estamos diante de um fundamento novo: as obrigações internacionais do Estado brasileiro”.

Mesmo com a desaprovação de alguns, o governo brasileiro cumprirá “sem hesitação” a sentença da CIDH. É o que informou, em 15 de dezembro, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Ele disse que a medida não comporta recurso e não será contestada politicamente pelo governo.
"Não pode nenhuma autoridade brasileira sair a público para fazer qualquer desacato ou desqualificar a decisão de uma instância da OEA, a que o Brasil aderiu voluntariamente", afirmou Vannuchi.

"Passa a haver uma jurisprudência internacional nova em relação ao Brasil, que tem de ser acatada", observou. "A menos que o País queira abandonar sua trajetória de fortalecimento dos direitos humanos e começar a fazer como outras nações, como a Venezuela de Chaves, que tem tensionado as relações com a comissão de direitos humanos da OEA", comparou.

No que tange à ausência de informação oficial, a Corte avançou substancialmente em mecanismos de proteção ao direito de acesso à informação, incluindo o princípio da máxima divulgação de a necessidade de justificar qualquer negativa ao acesso a arquivos em poder do Estado que contenham informações sobre esses fatos.

Além disso, a CIDH determinou que o Brasil também é responsável “pela violação do direito à integridade pessoal de determinados familiares das vítimas, entre outras razões, pelo sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos”. E estabeleceu o pagamento de indenizações a 113 parentes de vítimas. Pais e filhos terão direito a US$ 45 mil, e irmãos, a US$ 15 mil. A corte não informou quantas pessoas estão classificadas em cada caso.

Organizações como o Centro pela Justiça de Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM – RJ) e a Comissão de Familiares Mortos e Desaparecidos de São Paulo têm atuado, desde 1985, em defesa de vítimas e seus familiares na causa internacional aberta ante o sistema interamericano de direitos humanos e celebraram o recente entendimento da Corte.

A sentença da CIDH é paradigmática na medida em que permitirá a reconstrução da memória histórica para as gerações futuras, o conhecimento da verdade e, principalmente, a construção de novos parâmetros e práticas democráticas.
Fonte: IBCCrim

Nenhum comentário: