Wikileaks
A era digital trouxe novos desafios para estabelecer os limites da liberdade de expressão, como bem retratamos nas recentes manifestações de preconceito contra nordestinos propagandeadas pela internet. A discussão sobre o controle das informações lançadas na internet se renova com o caso do Wikileaks.
Wikileaks é um site internacional, lançado em dezembro de 2006, que vem divulgando documentos confidenciais de relevância política. Já passou pelo site mais de um milhão de documentos, como o manual da prisão de Guantánamo até a lista de filiados do Partido Nacional britânico, de extrema-direita.
O site teve grande destaque em abril de 2010 quando publicou o vídeo Collateral Murder. Este vídeo mostra cenas de um helicópitero americano disparando contra um grupo de iraquianos em Bagdá, matando dois funcionários da agência de notícias Reuters.
Leak significavazar, tornar pública uma informação reservada. Este é o objetivo principal dos formuladores do Wikileaks: revelar documentos sigilosos/secretos de interesse público, que envolvem análises políticas determinates para as nações. Nesse sentido, a política do WikiLeaks é não saber de onde vêm os documentos que recebe, por considerar esta a melhor maneira de proteger suas fontes.
Em 28 de novembro, WikiLeaks divulgou que possui mais de 250 mil documentos secretos que revelam os bastidores da diplomacia dos EUA, entre despachos e outros registros. Os documentos estão sendo disponibilizados aos poucos pelo site.
Após este vazamento ter deixado o império americano enfurecido, o criador do Wikileaks, Julian Assange, passou a integrar a lista de procurados da Interpol (braço investigatório do Tribunal Penal Internacional) e foi preso dia 07.12 em Londres.
Assange foi acusado na Suécia por ter cometido crimes sexuais contra duas mulheres (Anna Ardin e Sofia Wilen). Apesar da acusação não estar vinculada com as divulgações do site Wikileaks, as forças políticas desgostosas com o vazamento das informações agiram para pressionar a prisão de Assange. Há quem diga que Assange é o primeiro preso político global.
Para os EUA a publicação de dados secretos coloca em risco a vida dos cidadãos americanos. Nesse sentido, após o vazamento, o governo norte-americano pressionou o maior servidor do país, a Amazon Web Services, para interromper o acesso ao WikiLeaks e evitar outra divulgação de informações comprometedoras. A França também enviou um comunicado aos servidores do país, declarando que as empresas francesas não podem hospedar páginas da web consideradas criminosas em outros países.
Além disso, o banco suíço PostFinance fechou a conta aberta pela organização para recebimento de doações, e as empresas de cartão de crédito Mastercard, Visa e PayPal anunciaram que bloqueariam os pagamentos feitos ao site. Sobre tais bloqueios, Assange se manifestou indignado: "Agora sabemos que Visa, Mastercard e PayPal são instrumentos da política externa dos Estados Unidos. É algo que ignorávamos".
Estas ações visam enfraquecer a presença do Wikileaks. No discurso destes governos e empresas, a divulgação dos dados pelo site é uma ação criminosa. É criminosa, por quê? Está é uma questão que estão tentando resolver, já que os documentos divulgados não foram adquiridos de forma ilegal. Em outras palavras, as ações do Wikileaks não são propriamente criminosas, por isso, o governo americano está desorientado.
A jornalista Natália Viana, representante no Brasil da organização Wikileaks, relata que “O Departamento de Estado norte-americano declarou que está procurando um dispositivo legal que permita condenar Julian Assange. Isso é um absurdo”.
A tentativa do governo dos EUA em enquadrar o Wikileaks no crime de espionagem, para Viana, é falha, porque as informações são recebidas de outras fontes. “Boa parte dos documentos divulgados no site poderiam ser obtidos pelos estadunidenses por meio de processos legais”, disse a jornalista.
O procurador geral dos EUA, Eric Holder, que aceitou não levar à Justiça um núcleo que planejou ilegalmente bombardeios a populações de milhões, lidera o grupo que está investigando a possibilidade de acusar criminalmente Assange por crime de espionagem, nos termos do Decreto de Espionagem de 1917, feito em época de guerra global declarada.
No entanto, assumir tal posicionamento contradiz com os aclamados princípios da imprensa livre nos EUA. Primeiramente, de acordo com estudos do Serviço de Pesquisa do Congresso (CRS, na sigla em inglês), há poucos precedentes no uso de tal código por ele ser legalmente problemático. “Não estamos cientes de nenhum caso em que um editor de informações obtém documentos de um empregado do Governo e acaba sendo culpado por publicá-los”, diz o estudo.
Assim, acusar Assange por crime de espionagem esbarra na Primeira Emenda da Constituição Americana, que dispõe sobre a liberdade de expressão – princípio defendido pela advogada de Assange - e uma grande repercussão negativa, entendendo tal acusação como “censura estatal”.
Outro obstáculo envolve aspectos de territorialidade, Assange não é um cidadão americano e todas as suas ações foram promovidas a partir de países estrangeiros. Deste modo, persegui-lo implica tencionar as relações políticas internacionais, questionando a jurisdição dos países.
Além disso, os casos que envolveram o Decreto da Espionagem foram levantados contra cidadãos americanos que tiveram acesso aos documentos antes de enviá-los a agentes estrangeiros.
Atuando dentro do limites legais dos Estados de Direito, as ações do Wikileaks testam o limite da liberdade de expressão da democracia moderna com a publicação de segredos que levam a questionar a legitimidade das ações dos poderosos..
No dia 14.12.2010, Julian Assange obteve liberdade condicionada, com uma caução de 240 mil libras (282.255 euros). Retornará ao tribunal no dia 11 de Janeiro, em Londres. Durante este período, ficará sob vigilância, com saídas controladas e sendo obrigado a utilizar pulseira eletrônica. Além disso, terá acesso restrito a internet.
A perseguição de Assange é um fato político que obriga aos dirigentes políticos e a sociedade como um todo refletir sobre os limites da liberdade de expressão numa era informatizada.
É verdade que as agências de controle nunca tiveram tantos mecanismos e equipamentos de vigilância, mas também é verdade que existe um movimento de mão dupla: as agências de controle também podem ser vigiadas. O Wikileaks vem fortalecendo este movimento de democratização das decisões políticas que interessam o povo e dos mecanismos desta era digital.
Nesse sentido, Natalia Viana, alerta que no atual momento no Brasil, em que se discute um novo marco regulatório para a mídia, é de extrema importância observar as ações do Wikileaks.
"O Wikileaks é um representante de uma nova mídia espontânea, que trabalha voluntariamente – que sou eu – e se pode ver os diferentes ângulos e as diferentes maneiras de a notícia se propagar. O elemento novo trazido é que a acessibilidade à informação muda de perspectiva. Apesar de os jornais terem acesso aos documentos, todos eles vão para a web, estão na web. Estamos com problemas técnicos e estamos conseguindo fazer o upload um pouco mais tarde, mas qualquer pessoa, qualquer pesquisador, qualquer jornalista pode fazer sua própria leitura. Isso é extremamente democratizante, algo que só uma organização como o Wikileaks traz. Não é só o vazamento, não só os segredos das embaixadas, não só que o Julian foi preso. É uma nova fronteira de democratização da comunicação usando a internet como meio", pontua.
Os documentos divulgados pelo Wikileaks confirmam muitas das impressões e analises políticas já realizadas, mas é por confirmar e escancarar a vigilância dos EUA dispersa pelo mundo, que suas ações chamam tanto a atenção. O Wikileaks não deixa dúvidas que existem interessantes conflitantes na política e que o povo deve saber destes interesses para se posicionar.
Fonte: Site IBCCRim
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