As denúncias de racismo envolvendo um estudante baiano que estuda na Universidade Federal do Pampa (Unipampa) se tornaram o principal assunto das ruas de Jaguarão. Nos bares, rodas de conversas e até mesmo em enquetes de emissoras de rádio, a polêmica é a mesma: os quatro PMs indiciados por agressões a Helder Santos Souza, 25 anos, cometeram ato de racismo ao abordar um grupo integrado pelo universitário. O estudante reclama que depois que fez a queixa começou a receber cartas anônimas de supostos PMs, ameaçando-o de morte.
A denúncia de Souza abalou os jaguarenses, ciosos de sua fama hospitaleira. Mesmo quem tem tradição de militância nos movimentos sociais, como a vereadora Thiara Gimenez Oliveira (PT), colega de Souza no curso de História, questiona os reais riscos enfrentados pelo estudante.
– Abordagens truculentas ocorrem em todo Brasil. Não é algo específico da fronteira. Ele está vendendo uma imagem de Jaguarão que não corresponde com a verdade – opina Thiara.
Incomodada com a dimensão que o caso tomou a promotora de Justiça Cláudia Rodrigues Pegoraro reproduz o que ouve na comunidade.
– As pessoas dizem que ele quer transferência de volta à cidade dele, na Bahia – comenta Claudia.
Amigo de infância de Helder, Raniel Dourado, 22 anos, que morava com o jovem e outros dois estudantes, questiona essa versão.
– Ele não queria voltar para a Bahia.
Souza faltou à primeira audiência do processo número 055/21100003313, que tramita na Justiça Especial Criminal da comarca de Jaguarão. Para a promotora, a falta indica desinteresse.
– Se ele estivesse tão interessado neste processo, não deixaria de comparecer à audiência – diz.
Natural de Feira de Santana (BA), Souza chegou a Jaguarão em março do ano passado. Ele e Raniel Dourado, seu amigo de infância, desembarcaram no município de 27,9 mil habitantes após percorrerem os 3,3 mil quilômetros da Bahia até a histórica Ponte Mauá.
– Como ele não era daqui, a comunidade ajudava com roupas e comida – conta o vereador Oberte da Silva Paiva (PT), morador do bairro Germano, o mesmo que Souza escolheu.
Idealista e articulado, conseguiu estágio na administração petista do prefeito Claudio Martins – negro e de origem humilde como ele. Na Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos, realizava projetos sociais com jovens de periferia e com presidiários.
– Ele discutia a questão do racismo, da valorização humana e das desigualdades sociais – detalha o secretário Marcelo Victória.
A relação do jovem a comunidade começou a se alterar na madrugada do dia 6 de fevereiro. Ao término do baile municipal, ao ver quatro jovens sendo abordados de forma supostamente truculenta pela Brigada Militar – dois conhecidos dos policiais por envolvimentos com pequenos delitos –, Souza discutiu com soldados. Dos policiais, segundo ele, recebeu um tratamento racista:
– Olha para parede, negrão.
Abordagem errada, na hora errada, à pessoa errada
Quem conhece Souza sabe que jamais se calaria diante da ofensa. Quem conhece um dos quatro policiais envolvidos na abordagem, que tem no currículo duas ocorrências por abuso de autoridade, sabe que não aceitaria resmungos. Souza recebeu golpes de cassetete na região lombar e no braço esquerdo. Estava armada a confusão. No dia seguinte, ele foi a uma rádio e tornou público o episódio.
Souza desconhecia, no entanto, o fato de a BM estar envolvida numa disputa interna. Desde setembro, cerca de 30 missivas anônimas denunciando supostas irregularidades ocorridas sob o comando do major José Antônio Ferreira chegaram ao conhecimento da comando regional, em Pelotas. Elas motivaram a abertura de cinco procedimentos investigatórios. O aparecimento dos bilhetes coincide com a punição aplicada por Ferreira a dois soldados que atuavam no ramo do entretenimento com suas funções na corporação.
Quando as denúncias de Souza tornaram-se públicas, duas cartas, também apócrifas, foram remetidas a ele. Uma delas, em linguagem agressiva e português sofrível, o ameaçava e exigia a sua saída da cidade.
Temendo pela sua segurança, Souza consultou familiares na Bahia, ouviu militantes do movimento negro, recorreu a imprensa nacional e decidiu deixar Jaguarão.
Para um jovem policial ouvido por Zero Hora, o episódio pode ser resumido da seguinte forma:
– Foi uma abordagem errada, à pessoa errada, no momento errado. Mas duvido que exista perseguição.
Até agora, quatro PMs foram indiciados por lesões corporais, abuso de autoridade e injúria. O autor das cartas, contudo, permanece oculto.
Fonte: Jornal Zero Hora
2 comentários:
Se me chamarem de alemoa batata tbm posso ir nas rádios denunciar racismo?
ao anônimo das 12:39... Chamar alguém de alemoa batata não configura crme de rascismo, mas poderá configurar injúria qualificada.
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