A partir deste mês de outubro, será implantada na região conhecida como Cracolândia, no centro da capital paulista, uma nova estratégia de combate ao consumo de crack por meninos de rua. Trata-se de um projeto da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo), em parceria com as Secretarias da Saúde e Assistência Social da Prefeitura, para definir a necessidade (ou não) de internação de crianças e adolescentes dependentes químicos. A ação conta, ainda, com o apoio da Seccional paulista da OAB, do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública de São Paulo.
O projeto surgiu a partir de tratativas entre a Prefeitura de São Paulo e o Tribunal paulista, após a edição de um parecer da Procuradoria Geral do Município (PGM), que colocou nas mãos do prefeito a decisão de autorizar o “recolhimento” de menores em situação de vulnerabilidade em razão do uso de drogas, mediante internação compulsória. No entanto, essa internação deve prescindir de decisão judicial, motivo pelo qual o projeto prevê a instalação de um posto móvel nos arredores do bairro da Luz, onde ficará um juiz do Tribunal paulista.
Partindo do pressuposto de que toxicômanos são considerados civilmente incapazes pela legislação vigente, podendo, assim, ser levados à avaliação de um psiquiatra mesmo contra a vontade, e de que menores viciados não têm capacidade para decidir o que devem fazer, o parecer considera legal a internação compulsória. O atual ordenamento jurídico estabelece que a internação compulsória só é admitida por meio de determinação judicial, fundada em laudos médicos que comprovem a necessidade de tratamento em virtude da gravidade da doença e do risco que ela representa ao paciente, à família e ao convívio social.
Em entrevista à rádio CBN, o presidente da referida Coordenadoria, desembargador Antonio Carlos Malheiros, explicou as diretrizes do trabalho, afirmando ser esta uma idéia inovadora, na medida em que permite a aproximação entre o Judiciário e a parcela da população dependente de crack. O TJSP destacou 15 juízes para atuarem no projeto, realizando audiências com crianças e adolescentes que vivem no local, para analisar a questão de risco em que estes se encontram. Segundo Malheiros, a idéia é de que os magistrados “caminhem pelo local e tenham contato com essas pessoas”, de modo que possam tomar a decisão cabível “com a segurança de quem viu de perto o problema”.
Diferentemente do que tem ocorrido nas regiões dominadas pelo crack no estado fluminense, onde internações compulsórias tem sido aprovadas pelo Judiciário carioca de maneira indiscriminada, pautando discussões entre juristas, médicos e defensores de direitos humanos, o Judiciário paulista pretende atuar de forma conjunta, avaliando caso a caso, sem uma abordagem compulsória.
Nesse sentido, também em entrevista à rádio CBN, o defensor público, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania, Carlos Weis destacou que a abordagem não será feita por juízes, promotores ou defensores públicos, devido ao seu caráter intimidatório frente a toda situação irregular em que as crianças se encontram, em que pese o uso de drogas não ser mais considerado crime no Brasil, a partir da Lei 11.343/2006. Desta forma, acredita que a aproximação deve ser feita por uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogos, sociólogos, educadores e assistentes sociais que devem integrar o projeto.
Ademais, Weis afirmou que o papel do Judiciário no projeto será o de verificar a existência de abusos e, possivelmente, de uma política higienista. As críticas voltadas a essa possível medida dizem respeito à sua faceta despótica, ferindo a liberdade de auto-determinação desses jovens. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vige no Brasil a Doutrina da Proteção Integral o que significa grandes avanços sobre o antigo modelo vigente: crianças e adolescentes são elevados a sujeitos de direitos, dentre os quais o de participação em todos os assuntos que lhes digam respeito, inclusive os processos judiciais, e o desafio ao qual somos chamados é de garantia de seus direitos individuais, socioeconômicos e culturais.
Os que se colocam a favor desse tipo de internação justificam seu posicionamento através de um argumento salvacionista, alegando o dever maior do Estado de proteger o bem jurídico vida. A promotora Ana Cristina Huth Macedo, que participou do “acolhimento compulsório” no Rio de Janeiro, acredita que tirar os dependentes de crack das ruas, mesmo contra sua vontade, é a única maneira de salvar a vida deles.
Especialistas garantem que na maior parte dos casos não é a droga que empurra os usuários para as ruas. Mas o contrário: é a condição degradante de viver em situação de rua, vulnerável, que faz muitos cidadãos se tornarem dependentes. Assim, entende-se não ser apenas a internação a única saída para o problema, mas uma série de medidas conjuntas, visando sanar as deficiências econômico-sociais da realidade em que esses dependentes químicos estão inseridos.
A internação pode tirar os dependentes químicos da situação de risco, independentemente da faixa etária. No entanto, somente um projeto bem estruturado, considerando um plano de ação posterior ao tratamento, pois, o que se percebe é que muitas dessas crianças vivem na rua, logo, não faz sentido mandá-lo de “volta para casa”.
Escute ou leia a entrevista do desembargador Malheiros no Site do IBCCRIM.
Fonte: Site do IBCCrim
Nenhum comentário:
Postar um comentário