Policial desconfiou da procedência dos tênis usados por um dos jovens e os algemou
Dois estudantes africanos acusam uma policial militar do 9º BPM de racismo, em abordagem realizada no dia 17 de janeiro em Porto Alegre. Conforme o relato das vítimas, eles dirigiam-se à Polícia Federal de ônibus, para atualizar o visto de permanência no Brasil, quando o veículo foi cercado por quatro viaturas da Brigada Militar (BM). A ação ocorreu depois que uma policial, que estava dentro do coletivo, desconfiou da dupla. O motivo teria sido o tênis usado por um dos estudantes. Ambos foram algemados e encaminhados a um posto da BM na avenida Oswaldo Aranha. Um dos africanos conta que chegou a ser imobilizado por um policial com uma gravata.
A denúncia foi apresentada à imprensa nesta quinta-feira pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH). "É uma manifestação expressa de racismo. Mas mais do que isso, é uma demonstração cabal do despreparo das nossas polícias, que agem sempre assim com qualquer negro, seja brasileiro ou estrangeiro", disse o presidente do movimento, Jair Krischke.
Uma ocorrência por constrangimento ilegal e racismo foi registrada na Polícia Civil. O fato também foi protocolado na Corregedoria da Brigada Militar. Além disso, Krischke solicitou audiência com o secretário estadual de Segurança Pública, Airton Michels. "O secretário certamente tomará essas providências: não só a punição dos autores deste crime, mas também no sentido de preparar melhor a nossa polícia, para que não se repita", disse Krischke. O MJDH também requereu à Carris as imagens do circuito interno do ônibus em que ocorreu a abordagem.
De acordo com a Brigada Militar, o 9º BPM instaurou um inquérito policial militar para investigar o caso. O prazo é de 40 dias, prorrogável por mais 20. "A formação da prova é que vai determinar se a conduta foi inadequada", disse o corregedor da BM, coronel Gilberto Fritz. Os policiais envolvidos começaram a ser ouvidos nesta quinta-feira.
O comandante do Policiamento da Capital, coronel Atamar Cabreira, alegou não ter condições de fazer uma análise do caso antes da conclusão do inquérito. "O IPM é um instrumento adequado para apurar e, a partir daí, promover a ação penal através do Ministério Público", informou. Segundo ele, o policial pode tomar a iniciativa de aborar alguém sempre que tiver desconfiança de ato ilícito. "Se ela (a policial acusada) adotou a iniciativa de fazer a aboragem, é porque deve ter tido algum motivo. Esse motivo vai ser apurado no inquérito."
Estudantes lamentam: "Não esperávamos racismo"
Os denunciantes são os estudantes Sagesse Ilunga Kalala, 22 anos, da República Democrática do Congo, e Tibulle Aymar Sedjro, 23 anos, do Benin. Quando chegaram ao Brasil, no início do ano passado, eles esperavam encontrar um país democrático e cheio de oportunidades. "Não pensávamos em racismo, porque no meu país isso não existe", conta Sagesse, que em março começa a cursar pós-graduação em Biologia na Furg, em Rio Grande.
Ele afirma que esta foi a primeira vez que sofreu uma abordagem policial, embora o constrangimento seja relatado com frequência por muitos estudantes africanos. "Outros amigos que chegaram ano passado também contam isso para nós. Às vezes as pessoas ficam te olhando com uma cara feia. Sem que tu tenhas feito nada, a pessoa está desconfiada de ti", relata Sagesse. O colega Tibulle, que disse ter sido imobilizado, veio ao Brasil para cursar pós-graduação em Oceonologia, também na Furg. Eles, que falam francês, estudam português como etapa prévia ao ingresso na universidade.
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