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sábado, fevereiro 11

Sobre a inaplicabilidade da Lei 9099/95 aos crimes de violência doméstica

Rafael Vitola Brodbeck(*)
Para o Blog

Mais uma do Estado totalitário brasileiro. O STF, ontem, no julgamento da ADIn nº 4424 e da ADC nº 19, votou pela inaplicalidade da Lei nº 9.099 de 1995 aos crimes de violência doméstica, afastando-se, pois, a necessidade de representação da vítima para a investigação e subsequente processo criminal nos delitos de lesão corporal leve em âmbito de Lei Maria da Penha. Até ontem, condicionava-se, na delegacia e no fórum, o processamento à representação da vítima, o que não mais ocorrerá.

Ou seja, o Estado, CONTRA A VONTADE DA VÍTIMA, prenderá, processará e condenará o agressor... Pior ainda: sabendo disso, as vítimas, que só queriam dar um "susto" nos agressores, o que, a despeito de não ser nossa função, por vezes pode ser eficaz, nem isso quererão dar agora, pois, sabendo que, inexoravelmente, seus maridos irão em cana, preferirão apanhar quietas. E as surras continuarão sem denúncia... Antes uma Maria da Penha só no susto, com reconciliação entre vítima e agressor e fim das surras, do que certeza de punição contra a vontade da vítima e por consequência a falta de BO.

E tem mais. Todos os crimes e contravenções penais, em âmbito de Maria da Penha, passam a ser investigados por inquérito policial, afastando-se os termos circunstanciados. Ou seja, a Lei 9.099, não incidindo sobre a Lei Maria da Penha, BUROCRATIZA os serviços policiais.

Que uma lesão corporal fosse apurada por IP, quando é Maria da Penha, se entende (se não é Maria da Penha, é por TC), porque é um crime mais grave, precisa de mais elementos. Sempre foi assim, desde a entrada em vigor da lei. Mas as vias de fato e as ameaças que, mesmo com a Maria da Penha, eram processadas por TC por conta da Lei 9.099, passarão a ser por IP.

Ou seja, mais papel, mais oitivas, mais burocracia... Ora, a Maria da Penha não era para dar CELERIDADE à apuração de crimes contra a mulher? Afastando-se a 9.099 até mesmo em ameaças e vias de fato, obrigando os delegados a investigar por IP e não por TC, o resultado é tudo menos celeridade.

A Lei 9.099 cria os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, como estabelecer que os crimes de menor potencial ofensivo (com pena máxima de até dois anos, segundo outra lei) e as contravenções penais (é uma espécie de "crime-anão") sejam investigados por termo circunstanciado e não por inquérito policial (o TC é mais célere, menos burocrático, do que o IP) e tornar a lesão corporal leve um crime de ação penal pública condicionada à representação.

Ponto.

Aí veio a Lei Maria da Penha e disse que a lesão corporal leve, se praticada em sede de violência doméstica, seria apurada por IP, mas nada disse quanto à representação, o que levava à interpretação, por delegados, promotores, juízes e advogados, em sua grande maioria, de que continuava ação penal pública condicionada.

Ocorre que ontem o STF, em julgamento de uma ADIn e uma ADC, declarou que a interpretação da Lei Maria da Penha deve afastar a Lei 9.099, e, com isso: a) a lesão corporal leve, que a 9.099 diz que deve ser condicionada à representação para seu processamento - o que levava a interpretar que mesmo em sede de Maria da Penha isso seria feito -, deixa de, somente em violência doméstica, ser condicionada, passando a nada valer a manifestação da vítima; b) os demais crimes de violência doméstica, ainda que de menor potencial ofensivo, e as contravenções, afastando-se a 9.099, passam a ser apurados por IP e não por TC.

Consequências quanto ao ponto "a": o Estado se mete na relação conjugal contra a vontade da vítima, e isso inibirá as vítimas de qualquer providência, pois elas não querem, na maioria das vezes, que o agressor seja preso (até ontem, como elas é que decidiam se ele iria preso ou não, a coisa se tornava um "susto", mas agora eles sempre serão indiciados, condenados e presos, o que, na ciência das vítimas, será motivo para NÃO fazer BO).

Consequências quanto ao ponto "b": burocratização dos serviços policiais e judiciais, afastando-se a característica de celeridade, necessária para a Maria da Penha. Uma simples ameaça verbal, em vez de simplesmente ouvirmos as partes e mandarmos com rapidez para o fórum, se transformará em uma papelada, com boletins de antecedentes, relatório final de indiciamento, oitivas de testemunhas, diversos termos de juntada etc.

(*) Delegado da Polícia Civil da Comarca de Santa Vitória do Palmar

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