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sábado, outubro 27

Mensalão: condenados, e agora? (*)

Carolina Cunha
Por  Ana Cláudia Lucas e Carolina Cunha
Para o Blog

(*) Parte I - Os Recursos

O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou 25 réus pelos crimes de peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais e formação de quadrilha, reconhecendo a ocorrência do esquema de “compra e venda” de votos de parlamentares, o chamado Mensalão.

Ana Cláudia Lucas
Em razão de alguns dos réus serem membros do congresso nacional e, portanto, detentores de foro por prerrogativa de função (artigo 102, inciso I, letra b, da Constituição Federal) o julgamento se deu originariamente no STF, órgão máximo na organização judiciária brasileira.

Exatamente por isso, surgem perguntas que envolvem a possibilidade, ou não, de haver recurso da decisão do STF.

Realmente essa possibilidade existe, tanto para interposição de embargos de declaração – para suprir omissões, contradições  ou obscuridades – quanto para ingresso com Recurso perante à Corte Interamericana de Direitos Humanos

O primeiro recurso, porque previsto na legislação processual e, o segundo, porque o Brasil  é signatário do Pacto de San Jose da Costa Rica, tendo apoiado e reconhecido a necessidade da criação do Tribunal Internacional de Direitos Humanos e, por isso há condições de que os acusados recorram à Corte Interamericana de Direitos Humanos – órgão autônomo do sistema da Organização dos Estados Americanos (OEA), instituído pela Convenção Americana dos Direitos do Homem.

Assim, em caso de entenderem os réus ter havido violações no julgamento da Ação Penal 470, poderão recorrer ao tribunal internacional, como uma última alternativa para verem-se absolvidos ou justamente condenados. Uma forma de tentar fazer prevalecer a Convenção Americana de Direitos Humanos, a fim de assegurar o reexame da condenação penal.

A Corte Interamericana, contudo, tem por hábito limitar as demandas que lhe chegam para julgamento, já que só devem ser conhecidos e decididos aqueles casos em que, sem dúvida, retratem violações de direitos humanos.

O Brasil já esteve sob avaliação do tribunal internacional em outros momentos, como no caso do desaparecimento dos militantes de esquerda na Região do Araguaia durante a ditadura militar. Nesse caso, a corte internacional determinou que o governo brasileiro procedesse na investigação acerca dos eventuais culpados pelos referidos desaparecimentos e supostas mortes, reparando, inclusive, os danos morais e materiais aos parentes e familiares dos desaparecidos.

No caso do Mensalão, os réus acreditam haver pontos passíveis de recurso – e que representam violação aos direitos humanos, como o desrespeito ao duplo grau de jurisdição, pela supressão de instância, ao terem entendido, os ministros do STF, que todos os acusados eram portadores de prerrogativa de foro e, por isso, deveriam, ser julgados pelo Supremo Tribunal.

A corte interamericana, em caso semelhante, já determinou a anulação do julgado e a adequação da legislação interna do país, com vista a assegurar o direito de revisão da decisão condenatória, inclusive aos réus que gozam de prerrogativa de foro.
Esta decisão foi proferida em 2009 no processo "Barreto Leiva contra Venezuela " e se fundamentou no artigo 8º, do Pacto de San Jose da Costa Rica, que trata da garantias judiciais e, no inciso 2, dispõe que “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.”[grifamos].

Este ponto ganha ainda mais relevância se lembrarmos que alguns dos réus não detêm prerrogativa de foro e só foram julgados pelo STF em razão das regras processuais penais brasileiras (conexão e continência) e a súmula 704 do próprio Supremo Tribunal Federal que dispõe: “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa, e do devido processo penal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ou foro por prerrogativa de função de uns dos denunciados”.

Mas, se os Direitos Fundamentais são impregnados de valores de direitos humanos e os Tratados têm força de lei constitucional (artigo 5º, parágrafo 3º da CF/88), não teriam esses réus, no mínimo, direito de conhecer a opinião da Corte Interamericana sobre o tema?

Há violação ao direito ao duplo grau de jurisdição? O Brasil deve adaptar as regras internas de processamento?

Outro ponto passível de discussão processual é a regra prevista nos artigos 230 e seguinte, do regimento interno do Supremo Tribunal Federal. De acordo com este dispositivo, o Relator do processo é o mesmo Ministro que participa da investigação preliminar.

O Regimento Interno do Supremo, prevê, por exemplo que o Relator processará e apreciará, em autos apartados e sob sigilo, os requerimentos de prisão, busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, bancário, fiscal, e telemático, interceptação telefônica, além de outras medidas .

No caso da Ação Penal 470 (que julgou o Mensalão), o Ministro Joaquim Barbosa conduziu toda a investigação preliminar; proferiu voto polêmico recebendo a denúncia - alguns afirmavam, desde aquela época, que o Relator teria extrapolado a análise dos elementos formais e, por estar envolvido psicologicamente pela investigação, teria, desde já, demonstrado tendências condenatórias – e, posteriormente, julgou o mérito a ação penal.

Contudo, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos considera essa “confusão” entre investigados e julgador caso de grave violação aos Direitos Humanos, pois viola a garantia de imparcialidade do magistrado. 

Os casos “Las Palmeras contra Colômbia” e “Herrera Ulloa contra Costa Rica”, podem ser adotados como paradigmas de decisões sobre estas temáticas.

É de se observar, contudo, que o recurso à Corte Internamericana pode não ter efeito suspensivo, mas, em caso de eventual procedência, tem o condão de desfazer a coisa julgada, podendo gerar a prescrição da pretensão punitiva, por inexistir tempo hábil para novo processamento e julgamento, antes do transcurso do prazo prescricional.

Ministros que integram o STF e, também, o Procurador Geral da República criticam a manifestação dos réus quanto à pretensão de recorrerem ao tribunal internacional, porque para eles, isso só seria cabível se tivessem sido desrespeitados os direitos e garantias dos réus, previstos na Constituição Federal e nos tratados internacionais firmados pelo Brasil  o que, em suas opiniões, não existiu.

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