Por Carolina Cunha
Para o Blog
A novela Salve Jorge, exibida pela Rede Globo, aborda o
tráfico internacional de pessoas para fins de prostituição e também de
crianças.
Embora as telenovelas sejam obras artísticas e de ficção, a
autora – ciente do alcance das tramas e da influência que podem exercer sobre
os espectadores – optou por dar à novela um toque de “campanha social” e vem
explorando o tema com a intenção de pressionar o Estado, na fiscalização e
repressão, e alertar as pessoas que, por vezes, se colocam em situação de
risco.
Ocorre que, na tentativa de dar maior ênfase e enriquecer os
enredos, a autora acaba prestando um desserviço, especialmente no momento em
que compõe as personagens.
Explica-se:
Entre os vilões/criminosos estão três personagens
principais:
A poderosa Lívia (Cláudia Raia), uma mulher inteligente e
sofisticada, tanto no trato com as pessoas como no momento de maquinar seus
atos de vilania. Ela comanda a quadrilha de traficantes no eixo Brasil-Turquia
e tem facilidade em conquistar a amizade e a confiança de todos. Com
habilidade, torna-se confidente, inclusive, de suas vítimas.
Sua subordinada, Wanda (Totia Meireles), é por vezes
criticada, por apresentar um comportamento mais emocional e se deixar levar por
esses sentimentos. No entanto, ela sempre consegue superar este “defeito” e
mantém a pose de mulher correta e amiga. Wanda é determinada e permanece firme
em seu propósito, mesmo após ter levado duas surras de Morena (Nanda Costa).
Fechando o trio de vilões principais, está Russo (Adriano
Garib), o sujeito que executa com maestria os planos tramados por Lívia e
consegue convencer até a mãe da vítima Morena de que é um sujeito dócil,
educado e gentil.
Os vilões de Salve Jorge vêm sendo destacados pela imprensa
como estereótipo do criminoso, especialmente do traficante internacional.
De outro lado, na repressão do crime, a autora apresenta uma
Delegada de Polícia que enfrenta diversos problemas pessoais: a) perdeu a
guarda da filha para ex- marido, enquanto ela ainda era criança; b) desenvolveu
uma espécie de compulsão por compras, toda vez que se sente angustiada, faz
inúmeras aquisições que se acumulam e se mantêm embaladas nos armários; c) a
filha, agora já adulta, é uma mulher problemática, que vive em conflitos com a
mãe – e também com a polícia/justiça.
No campo profissional, a Delegada tem dificuldade em guardar
sigilo sobre as investigações – sempre divide com o ex-marido, que por sua vez,
as divide com Lívia – e, há pouco, foi noticiada sua aprovação no concurso para
o cargo de Delegada Federal.
Na imprensa, o papel da Delegada causou, até o momento,
repercussão por dois motivos: a beleza de Giovanna Antonelli – alguns veículos
de imprensa têm feito, inclusive, matéria com as belas Delegadas “de verdade” –
e pelo figurino da personagem: o cabelo de Giovanna e as roupas da personagem
lideram o ranking na Central de Atendimento ao Telespectador, mantida pela Rede
Globo.
Será mesmo que a beleza (ou a ausência dela) é atributo
relevante para uma Delegada de Polícia? Será que, no perfil de uma mulher que optou
por essa carreira, a beleza e as roupas são o que há de mais interessante?
Outro ponto que parece mal delineado no perfil da Delegada
de Salve Jorge é sua ânsia por assumir o cargo Federal e isso se torna ainda
mais “grave”, porque, além dela, a investigadora mais competente de sua
Delegacia, personagem vivida por Tammy Miranda, também está prestando provas
para ser investigadora da Polícia Federal.
Ainda que esta migração das personagens para a PF possa ser
interessante/importante para a trama – pois alguns afirmam que só então ela
passará a investigar o tráfico de pessoas para fins de prostituição – este
movimento pode passar para os espectadores a ideia de que os servidores e as
autoridades da Polícia Civil querem, mesmo, é compor o quadro da Polícia
Federal e essa percepção pode descredibilizar o Instituição, porquanto faz
parecer que as pessoas só assumem aqueles cargos como um “rito de passagem”.
A impressão que pode
passar para o espectador é a de que “a Polícia Federal é melhor do que a Civil”,
o que sabemos, não é verdade. Ambas têm função própria e detêm competências
distintas.
Ademais, se for assim, quem estaria investigando o tráfico
desde agora? Não há outro Delegado na trama. E por que esta Delegada de Polícia
estaria envolvida no caso? Delegados atuam em investigações de forma oficiosa?
A trama é confusa. Mas este é, em linhas gerais, o panorama
das personagens de Salve Jorge: enquanto os criminosos são astutos, ousados e
inteligentes; as autoridades são atrapalhadas, manipuláveis e pouco
competentes.
É certo que, para o bom do desenvolvimento da história, é
importante que os vilões tenham êxito durante a maioria dos capítulos, até que
sejam, então, desmascarados e punidos.
Ocorre que esta fórmula é interessante, e possível, nos
casos em que há pura ficção – como quando meninas disputam para saber qual
delas será a preferida por um menino, por exemplo – mas não se pode aceitar que
seja assim quando a autora opta por
retratar a realidade e fazer uma campanha social.
Será que a forma como a autora retrata da realidade é a
forma verdadeira?
Como o Brasil vem – de fato – enfrentando o problema do
tráfico internacional de pessoas? Há casos de punição? Há muitos casos não
solucionados?
Da forma como se apresenta, a impressão que se tem – ou que
se pode ter – é a de que o Brasil está desprotegido diante da ação destes
traficantes; que uma Delegada “bem atrapalhada” – e que está mais preocupada em
conseguir outro cargo público – investiga sozinha casos desta dimensão.
Será que dessa forma como a autora está retratando o tráfico
internacional não está servindo apenas para passar a sensação de descrédito
quanto à função da Polícia e da Justiça, aumentando, entre a população, a
sensação de desamparo e, entre os possíveis autores de crime, o sentimento de
impunidade?
Queiramos ou não, a verdade é que novelas são formadoras de
opinião, e – ao que parece – disseminar a ideia de impunidade ou de fraqueza do
Estado diante do crime organizado é um verdadeiro desserviço social.
Comentário meu: Carolina tem razão. Ou novela é diversão e
tudo é ficção, faz de conta ou fantasia, ou, se pretende informar, prestando
serviço e contribuindo para com o desenvolvimento da sociedade, precisa estar
atenta ao que transmite.