(*) Republicado, a pedido
Ana Cláudia Lucas
Para o Blog
Tenho acompanhado os relatórios finais do
Mutirão Carcerário levado a efeito pelo Conselho Nacional de Justiça. Já
foram encerradas as atividades em vários estados brasileiros, inclusive no Rio
Grande do Sul.
A avaliação dos conselheiros acerca do sistema
prisional brasileiro não diverge muito de Estado para Estado. No Rio Grande do
Sul, por exemplo, a principal conclusão é a de que o Estado se demitiu de suas
funções, assim afirmando o Juiz de Direito Luciano André Losekann, Coordenador
de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução
de Medidas Socieducativas do CNJ.
Em outras palavras, o magistrado traduziu o
abandono imposto pelo Estado ao sistema prisional gaúcho, que se ressente de um
plano de ação consistente, de uma política pública de atenção verdadeira às
necessidades daqueles que estão sob a responsabilidade dele em cumprimento de
penas privativas de liberdade.
A situação paulista, não é diversa. Relatório
do CNJ aponta para a superlotação e para as condições insalubres dos presídios
de São Paulo – problemas estes análogos aos encontrados no restante do país.
Mas, enquanto isso – mesmo tendo escancaradas
as condições precárias e subumanas dos cárceres brasileiros – pelo menos aqui
no Estado do Rio Grande do Sul é inabalável a postura do Poder Judiciário em
negar indenização por condições precárias no Presídio Central.
Em dezembro, apenas como exemplo, a 9ª Câmara
Cível doTribunal de Justiça do RS negou indenização, movida contra o Estado por
ex-apenado, que cumpriu pena no Presídio Central de Porto Alegre, em condições
totalmente inadequadas, posto que em descumprimento às normas estabelecidas
pela Lei de Execuções Penais ( L. 7210/84).
Na ação, o autor apontou o descaso para com os
apenados, demonstrando a falência do sistema prisional gaúcho – corroborada
pelo relatório do Mutirão Carcerário – sustentando, também, que as condições de
cumprimento da pena são semelhantes à tortura. Há de ter suportado, o ex-preso,
sufocos indescritíveis.
Mesmo assim, os desembargadores não costumam
ser sensíveis às demandas dos ex-detentos, quase sempre sob o argumento de que
a culpa do Estado não está suficientemente demonstrada – o que seria
necessário, para apontar a responsabilidade objetiva, dele (Estado), por
omissão.
Especialmente nessa demanda (Apelação Cível nº
70045728532), a relatora, Desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira,
destacou que o Poder Judiciário não desconhece as péssimas condições do sistema
carcerário gaúcho, mas que elas estão em melhor grau de desenvolvimento, no que
respeita aos direitos fundamentais, se comparadas a outras unidades da
federação. E, ainda, que a dignidade do preso merece ser preservada, mas é
preciso atentar para a viabilidade de promover tal situação. E, o pior,
justifica a negativa indenizatória por inexeqüíveis as medidas protetivas e
garantidoras dos direitos dos apenados!
Por isso, a demanda foi rejeitada pelo
Tribunal.
Incompreensível, salvo melhor juízo. O
argumento da digna desembargadora é paradoxal, porque a par de reconhecer a
deficiência do sistema, o desrespeito à dignidade do preso e a ausência/omissão
do Estado e a desatenção à legislação, ainda assim não considerou tudo isso
suficiente para reconhecer o direito indenizatório.
Ainda segundo a decisão, fosse o Estado
condenado, haveria interferência do Judiciário diretamente nas políticas
públicas do Executivo, o que não é de sua competência.
Será, é de perguntar-se? E as outras
intromissões do poder judiciário nas políticas públicas da saúde e educação,
por exemplo? Nelas pode?
Também por esse argumento, parece-me
insuficiente a justificação.
Pelo que depreendi da leitura da notícia
veiculada pelo TJRS, a Câmara Cível reconheceu verdadeiro estado de necessidade
para beneficiar o Estado, excluindo a ilicitude de seu comportamento.
Veja-se que houve destaque, no relatório, para
a falta de condições do Estado de solucionar o problema do sistema carcerário,
nesse momento, o que afastaria sua culpa, a omissão e a obrigação de reparar o
dano causado.
Uma perplexidade para mim.
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