A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em voto
relatado pelo ministro Celso de Mello, deu provimento ao Recurso Ordinário em
Habeas Corpus (RHC 113381) para determinar o trancamento, por maioria de votos,
da ação penal instaurada contra R.A.V. pela suposta prática do crime de furto
simples. A moça foi acusada do furto de três blusas femininas que estavam
penduradas no varal de uma casa, na cidade de Tapes (RS), avaliadas em R$ 60,00.
Em primeira instância, a denúncia oferecida contra ela pelo
Ministério Público estadual foi rejeitada pelo juiz, que aplicou ao caso o
princípio da insignificância (ou bagatela) em razão do pequeno valor dos bens.
Contra essa decisão, o Ministério Público apresentou recurso em sentido estrito
ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que foi provido para
determinar o recebimento da denúncia.
Segundo o TJ-RS, para se reconhecer a irrelevância social da
conduta não se pode levar em conta somente o efetivo prejuízo sofrido pela
vítima, mas sim o conjunto de circunstâncias que cercam o fato e seu agente. O
TJ-RS enfatizou o fato de R.A.V. ser portadora de maus antecedentes, tendo sido
pronunciada pela suposta prática do crime de homicídio.
A defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal
de Justiça (STJ) buscando o restabelecimento da decisão de primeiro grau, mas
não obteve êxito. Em seguida, recorreu ao Supremo e o processo foi distribuído
ao ministro Celso de Mello. Em seu voto, o ministro ressaltou que não há
condenação penal transitada em julgado contra R.A.V. e somente essa
circunstância pode justificar o reconhecimento de que um réu tem maus
antecedentes.
“Entendo que a existência de procedimentos penais
instaurados contra a paciente [a acusada], sem que deles haja derivado qualquer
condenação criminal irrecorrível, não descaracteriza, por si só, no plano da
tipicidade material, o reconhecimento do fato insignificante, considerada a
presunção constitucional da inocência que, além de não se esvaziar
progressivamente, somente deixa de subsistir quando da superveniência do
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, afirmou o ministro Celso
de Mello.
Ao acompanhar o relator, o ministro Teori Zavascki enfatizou
que a Segunda Turma firmou entendimento de que não se pode aplicar o princípio
da insignificância quando há habitualidade em delitos da mesma natureza a
reincidência. Ele acrescentou que, mesmo que R.A.V. tivesse sido condenada pelo
homicídio a que responde, ou por mais de um homicídio, isso não impediria a
aplicação do princípio de insignificância à sua conduta pelo delito de furto,
pois não se tratam de crimes da mesma natureza. O ministro Gilmar Mendes também
acompanhou o relator, ressaltando que o crime de homicídio não guarda qualquer
relação com o crime de furto.
Divergência
Os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia (presidente
da Segunda Turma) divergiram do relator.
Para o ministro Lewandowski, não se
pode desconsiderar, quando se trata da aplicação do princípio da
insignificância, o conjunto de circunstâncias que cercam o fato e seu agente.
E, no caso de R.A.V., o ministro salientou que a conduta consistiu na invasão
de um lar, tendo relevância penal. “Ela penetrou no sagrado recinto do
domicílio da vítima. Isso não é aceitável. Isso tem uma relevância penal porque
por acaso estavam penduradas algumas peças de roupa no varal, mas poderiam
estar outros bens de maior valor, que integram o patrimônio da vítima”,
salientou.
A ministra Cármen Lúcia também considerou que a circunstância
reveste-se de gravidade penal.
Fonte: Site do STF
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