A prisão dos “varejistas” do narcotráfico tem pouco impacto
sobre o comércio das drogas. Depois de presos, eles são rapidamente
substituídos por outros e os negócios seguem no mesmo ritmo. Embora não
disponha de dados estatísticos de âmbito nacional sobre a legião de jovens de
baixa renda cooptados pelo tráfico, Lanfredi fala com conhecimento de causa.
Ele é juiz em São Paulo e integra o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP), responsável pelo acompanhamento da situação do sistema
carcerário:
— De cada dez presos por tráfico, 7 ou 8 são pequenos
traficantes. O número de grandes traficantes presos está abaixo de 10% — disse
.
O número de presos condenados por tráfico começou a aumentar
a partir de 2006, após a aprovação da nova lei antidrogas. Segundo juízes e
especialistas no assunto, as novas regras, aparentemente mais flexíveis,
facilitam a prisão e a condenação de quem, de alguma forma, se envolve com a
venda de drogas. A pena mínima para o tráfico subiu de 3 para 5 anos, o que
inviabiliza a aplicação de penas alternativas à cadeia.
A partir daí, o exército de presos condenados por tráfico e
cumprindo pena em regime fechado não parou de crescer. Em 2010, os presídios
brasileiros tinham 106.491 pessoas fisgadas na guerra contra o narcotráfico.
Dois anos depois, esse número pulou para 138.198. Os dados constam do último
levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) sobre o assunto
concluído em dezembro do ano passado.
No mesmo período, entre 2010 e 2012, a população carcerária
passou de 496.251 para 548.003 detentos: um salto de 10%. Esse é um número
considerado alto, mas, ainda assim, três vezes inferior ao crescimento de
condenados por tráfico. O contingente de presos por tráfico é 30% superior ao
de assaltantes que cumprem pena em regime fechado. Assaltantes formam o segundo
grupo mais numeroso nas prisões.
O aumento de presos por tráfico não produziu os efeitos
esperados. Mesmo com os presídios abarrotados de pequenos traficantes, a
circulação das drogas permanece intacta. O mais recente relatório do Escritório
sobre Drogas e Crimes da ONU, divulgado em junho, aponta o crescimento das
taxas consumo de maconha e cocaína no país.
— A situação tem se agravado muito nos últimos anos — diz o
advogado Pedro Abramovay, que, no início do governo Dilma Rousseff, foi
indicado para ser secretário nacional Antidrogas.
Ele não chegou a assumir o cargo por causa de uma entrevista
ao GLOBO, na qual defendeu mudança na lei antidrogas. Três anos após o episódio,
Abramovay mantém o ponto de vista. Para ele, é um equívoco abarrotar as prisões
com pessoas sem vínculo com o crime organizado, e pequenos traficantes deveriam
ser punidos com penas alternativas à prisão:
— Quando as pessoas vão para a cadeia, se elas não têm
ligação com o crime organizado, passam a ter. Isso devolve para a sociedade
pessoas ainda mais violentas — argumenta.
As discussões sobre mudanças na lei foram suspensas no
governo desde o episódio com Abramovay. A ex-secretária Paulina Duarte, que
esteve no cargo até o início deste ano, deixou de lado o tema para não entrar
em choque com as linhas gerais da política ditada pelo Planalto. A presidente
Dilma Roussseff já se classificou como uma “conservadora” nessa questão.
O tema se tornou mais delicado com o crescimento da
influência dos evangélicos, cada vez mais atuantes em políticas públicas sobre
comportamento, desde a última eleição presidencial. Secretário nacional
Antidrogas desde abril, Vitore Maximiano nega que a política nacional sobre a questão
tenha fracassado, embora considere elevado o número de presos por tráfico.
Maximiano diz que não é preciso mudar a lei. Para o
secretário, a legislação já permite que juízes reduzam as penas de quem tiver
envolvimento eventual com o tráfico, mas sem apresentar antecedentes criminais:
— Temos cobrado do Judiciário a ação desse dispositivo, que
já faz a distinção de quem é um pequeno traficante, um agente primário, que não
tem antecedentes. Diferente daquele que tem ligação com a organização
criminosa.
O secretário diz que os policiais devem investir em ações de
inteligência, para prender os chefes do tráfico. Frisa que dois terços dos
presos são capturados em policiamento de rotina, e não a partir de
investigações sobre a circulação das drogas — prendendo só os varejistas que
estão nas ruas, e não os donos do negócio.
Fonte: Site O Globo
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