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domingo, novembro 8

Teses para Memoriais Defensivos na Prova da OAB


Conforme havia prometido, estou retornando para explicitar algumas das teses cuja argüição seria pertinente nos memoriais defensivos objeto da segunda fase da prova da OAB. 

Eu apontaria pelo menos quatro aspectos que poderiam ser objeto dos memoriais: ausência de tipicidade pela falta do elemento normativo; exclusão da tipicidade por falta de dolo de dolo; causa de exclusão da ilicitude em face do estado de necessidade e não incidência da agravante do artigo 61, II, “e” do CPB.
Vejamos:

Exclusão da Tipicidade pela falta do elemento normativo:

O crime definido pelo artigo 244 do CPB  - Abandono Material – assim preceitua: “Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de sessenta anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. Pena: detenção, de um a quatro anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no país.”

O tipo penal em comento contém um elemento normativo – sem justa causa – que determina a exclusão da tipicidade no caso em que a omissão do agente encontrar amparo na legislação penal, ou em alguma outra causa justa. Ora, na situação descrita na prova da OAB, o acusado “causava atraso no pagamento da pensão” (veja-se que não deixava de pagar, mas pagava com atraso), e o fazia em face mesmo da impossibilidade de cumprir com a obrigação pontualmente, sem que isso comprometesse a sua própria subsistência. Essa constatação é facilmente perceptível não só pelas condições econômicas precárias (atente-se para o fato de ser pedreiro, receber um salário mínimo mensal, sustentar nova família e, ainda, ter condição de saúde precária), mas também por sua condição de patológico cardíaco.

Ou seja, não estando presente, no caso, a ausência de justa causa, condição normativa do tipo penal, não haveria tipicidade estando, portanto, isento de responsabilidade o agente, por falta de crime.

A jurisprudência tem sido farta nesse sentido:

“É indispensável a demonstração de falta de justa causa para a omissão dos pais a fim de caracterizar o crime deste artigo 244” (TACrSP);

“Sendo a falta de justa causa elemento normativo do delito, a prova de sua ausência incumbe à acusação” (TACrSP);

“A hipossuficiência econômica afasta a tipicidade (TACrSP);

“Não se verificando, com a certeza que exige o veredicto condenatório, a ausência de justa causa, ou o dolo do agente de abandonar ou desassistir seu filho, deve ser aplicado o princípio do in dúbio pro reo” (TJRGS);

“Diante da inexistência de prova sobre a disponibilidade de recursos financeiros pelo réu (prova de natureza positiva, a encargo da acusação), a absolvição é medida que se impõe” (TJRGS);

Exclusão da tipicidade pela ausência de dolo:

O crime definido pelo artigo 244, e imputado ao acusado, é punível apenas à título de dolo. Ora, o dolo se expressa pela vontade livre e consciente de deixar  de prover à subsistência ou faltar ao pagamento da pensão.

Também no caso disponibilizado pela OAB não transparece, em nenhum momento, que o acusado tenha atrasado o pagamento da pensão de forma deliberada ou, que podendo fazê-lo, tivesse deixado de prover a subsistência do filho deliberadamente.

Se o fato é punível à título de dolo, e se essa intenção não se vislumbra na hipótese, também estará ausente a tipicidade, pois que se a ação não é dolosa, não há como caracterizar-se o tipo.

Nessa direção a jurisprudência tem decidido:

“O delito de abandono material só se caracteriza, se o agente, possuindo recursos para prover a subsistência da família, deixa de fazê-lo por livre e espontânea vontade. Pune-se o comportamento egoístico daquele que, tendo condições, abandona os seus familiares. Exige-se o dolo” (TJRGS);

“Inexistindo prova efetiva do dolo ou da vontade livre e determinada do alimentante de não prover a subsistência do dependente, a conduta imputada é atípica, não caracterizando o crime de abandono material. Fracasso probatório da acusação” (TJRGS).

Exclusão da Ilicitude pelo Estado de Necessidade:

Inobstante, ainda que consideradas presentes a ausência de justa causa para o não provimento da subsistência do filho, e o dolo do acusado, ainda assim poder-se-ia considerar presente a hipótese do estado de necessidade, instituto penal que produz a exclusão da ilicitude do comportamento.

Percebe-se, no relato do caso, que o acusado atrasava o pagamento da pensão, especialmente por suas precárias condições econômicas, vez que sustenta outra família, composta de esposa e cinco filhos, e ainda possui gastos excessivos com medicações, considerando que se trata de pessoa portadora de patologia cardíaca. Nesse contexto fático, é possível, também, argumentar a presença da causa de justificação – estado de necessidade.

O Estado de necessidade é situação de perigo atual, para dois ou mais bens jurídicos, que não tenha sido provocado pelo agente de forma voluntária, em que este lesa bem de outrem para não sacrificar direito seu ou alheio, cujo sacrifício não podia ser razoavelmente exigido.

Assim, analisando a definição do estado de necessidade e o caso em comento, percebe-se que os requisitos para o reconhecimento do instituto justificante estão presentes e, por isso mesmo, a ilicitude do comportamento do acusado estaria afastada.

A jurisprudência também já tem se manifestado assim:

“Diante da inexistência de prova sobre a disponibilidade de recursos financeiros pelo réu (prova de natureza positiva, a encargo da acusação), a absolvição é medida que se impõe pelo reconhecimento do estado de necessidade” (TJRGS);

“O inadimplemento de pensão alimentícia, por si só, não configura o crime de abandono material, pois para que se configure o delito, é necessário o dolo de abandonar, o que não emerge, com certeza, dos autos, além do que, no caso, estar presente a causa de justificação do estado de necessidade”(TJRGS).

Não incidência da agravante genérica do artigo 61, II, “e”:


Por fim, ainda que alternativamente, se nenhuma das demais teses fosse acatada, restaria argumentar a não incidência da agravante genérica do artigo 61, II, “e”, que considera a agravação quando o crime é praticado contra descendente. Ocorre, contudo, conforme explicita o próprio artigo 61, caput, a agravante só incidirá quando a circunstância não constitui ou qualifica o crime. Ora, no caso do crime do artigo 244 a descendência da vítima, em face do autor, é circunstância que constitui o próprio crime e, portanto, não caberá a agravante, sob pena de ocorrência de bis in idem, hipótese vedada no Direito Penal, pelo Princípio do Ne bis in idem.

Bem, com isso, cumpro o prometido de explicitar algumas teses que seriam adequadas para os memoriais defensivos, objeto da prova da OAB.




5 comentários:

Enio Basso disse...

Olá professora.

Em minha peça, aleguei o 386, VI, ou seja, estado de necessidade. Porém, a oab no gabarito colocou o inciso III. O que você acha? Será que tenho chance em um recurso?
Afinal, o réu teve justa causa para não efetuar o pagamento, ainda mais sendo cardíaco, isso é um estado de necessidade, o seu salario deve como prioritaritariamente cuidar da sua saúde, para depois ser usado no sustento dos filhos, é um estado de necessidade pela própria substência pessoal, que se finda (caso venha a morrer), não há como prover a subsistência de seus filhos.
Abração, e obrigado pelas teses.

Ana Cláudia Lucas disse...

Olá Enio,
Acho que deves fazer o recurso sim, especialmente arguindo que a presença do estado de necessidade determina que o fato não se constitua em infração penal (inciso III) também, já que, se o fato é lícito - pelo estado de necessidade -ele não é criminoso.
Eu não deixaria de tentar o recurso.
Abraço.

Enio Basso disse...

Olá novamente professora,
Agradeço sua resposta. Poisé, depois de um gabarito mais louco, não teria como não interpor um recurso. Nessa prova, o cespe caprichou nas bobeiras. Eles me deram pontos pela falta de justa causa alegada, mas não me deram 0,30 pla falta do inciso III do 386. Bom, no meu recurso, infelizmente não deu para escrever muito, pois não sei se você sabe, mas eram só 1000 caracteres para demonstrar que eles estão errados, TEM BASE? Mas mesmo assim, usei um pouco do seu argumento, e tambem da sua jurisprudência.
Requeri que considerem também o estado de necessidade como resposta certa (inciso VI), ou que pelo menos aumentassem minha pontuação, pois meu pedido foi pelo artigo 386, porém, inciso diferente do gabarito.
Bom, é isto, acho que vai dar certo, afinal, preciso de 0,10 para passar.
Lhe agradeço pela sua atenção, e principalmente pela ótima fundamentação e visão jurídica aqui exposta, me ajudou e encurtou meus caminhos.
Parabens!!!
Att.
Enio Basso

Ana Cláudia Lucas disse...

Caro Enio,
Espero que tenhas êxito no teu recurso e, se assim ocorrer, manda notícias aqui pelo Blog.
Abraço

Enio Basso disse...

Olá!!! Lembra de mim né. Poisé, desculpe a demora em responder, mas meu recurso foi deferido e passei na OAB. Dei entrada na carteira fazem duas semanas, agora é só esperar.
Continue com o blog, seu parecer sobre os diversos assuntos apresentados são de ótimo nivel, parabéns!!!
Desculpe novamente a demora, pois tirei umas férias para comemorarUm beijão e obrigado por tudo.