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quinta-feira, agosto 22

Assédio sexual entre professor e aluna: acórdão do TJRS

A propósito do tema da aula de ontem - Direito Penal V - UCPel - mas sendo do interesse de muitos dos meus alunos, segue Acórdão que me envia o aluno Paulo Ribeiro. Omiti o nome dos envolvidos - autor e vítima - por se tratar de crime que, hoje, tramita em segredo de justiça. 


EI Nº. 70.053.145.926     G/M 331 – S 05.04.2013 – P 40

EMBARGOS INFRINGENTES.

ASSÉDIO SEXUAL MAJORADO.
1.            No caso sob exame, nos lindes da 1ª fase do dimensionamento da pena carcerária do réu (art. 59, caput, do C.P.B.), as consequências negativas mencionadas pela vítima e pela psicóloga que a analisou não advieram dos dois ou três atos intrínsecos de assédio praticados pelo réu - de levíssima intensidade, diga-se de passagem, levados a cabo, modo explícito, na frente de dois alunos, e animicamente matriciados em dolo eventualíssimo -, mas, sim, das controvérsias e críticas que a ofendida recebeu da sua comunidade, inclusive escolar. Nesse contexto é que o trauma psicológico apresentado pela vítima deve ser valorado, em si mesmo não desbordando dos efeitos negativos normais decorrentes das elementares do tipo penal incriminador em tela.
Nessa moldura, portanto, também positivadas em favor do réu todas as demais operativas judiciais, não há razão plausível para que a pena-base do réu afaste-se do mínimo legal aplicável à espécie (um ano de detenção).
Por outro lado, na 3ª etapa do método trifásico, em razão da majorante prevista no § 2º do art. 216-A do C.P.B. (crime cometido contra menor de 18 anos), a baixa lesividade dos atos de assédio praticados e a idade da vítima (14 anos) não autorizam que a majorante em tela seja dosimetrada em fração superior ao mínimo legal aplicável à espécie (1/6), inclusive porque há corrente doutrinária ponderável no sentido de que, entre professor e aluno, a superioridade hierárquica ou a ascendência não são inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função docente (Nucci, "Código Penal Comentado", Ed. RT, 11ª edição, revista, atualizada e ampliada, 2012, pp. 963/964).
Em consequência dessas valorações dosimétricas, impende reduzir a pena carcerária definitiva do réu-embargante para um ano e dois meses de detenção, nos termos do voto minoritário no julgamento da apelação defensiva.
2.            Por fim, impende desconstituir a sanção adjeta de perda do cargo público de professor, imposta ao réu-embargante com fulcro no art. 92, inc. I, letra "a", do C.P.B., porque o crime de assédio sexual não envolve a prática de abuso de poder e/ou violação de dever para com a Administração Pública, também não estando elencado entre os crimes contra a administração pública.
RECURSO PROVIDO.

Embargos Infringentes
 Terceiro Grupo Criminal
Nº 70.053.145.926
 Comarca de Alegrete
R.F.S.
..EMBARGANTE
M.P.
..EMBARGADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes do Terceiro Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento ao recurso de embargos infringentes, para reduzir a pena carcerária definitiva do réu-embargante RONI F. DOS S. para um ano e dois meses de detenção, e, de outra parte, desconstituir a sanção adjeta que lhe declarou a perda do cargo público de professor, mantendo as demais disposições da sentença condenatória recorrida, vencidos o Desembargador Ivan Leomar Bruxel, a Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich e o Doutor José Luiz John dos Santos.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Ivan Leomar Bruxel (Presidente), Des.ª Genacéia da Silva Alberton, Des.ª Bernadete Coutinho Friedrich, Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, Des. Francesco Conti e Dr. José Luiz John dos Santos.
Porto Alegre, 05 de abril de 2013.

 DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO
Relator

 RELATÓRIO
Des. Aymoré Roque Pottes de Mello (RELATOR)

Trata-se de recurso de embargos infringentes interposto por RONI F.S. em combate ao acórdão das fls. 282/289, proferido pela E. 6ª Câmara Criminal desta Corte no âmbito da apelação criminal nº. 70.050.557.958, julgada nos autos da ação penal pública nº 2.11.0000236-1, que o MINISTÉRIO PÚBLICO move contra o ora embargante perante a Vara Criminal da Comarca de Alegrete.

RONI F.S. responde ao processo em liberdade. Contudo, foi decretada a medida cautelar do seu afastamento da função de professor, enquanto perdurar a instrução processual (fls. 38/40).

RONI F.S. foi denunciado e processado como incurso nas sanções do art. 216-A, § 2º, do C.P.B. (fls. 02/08).

Ao sentenciar (08/03/2012), a digna magistrada a quo rejeitou as preliminares e, no mérito, julgou procedente a pretensão punitiva deduzida, para condenar RONI F.S. nas sanções do art. 216-A, § 2º, do C.P.B., fixando-lhe a pena carcerária definitiva de 01 ano, 05 meses e 10 dias de detenção (pena-base em 01 ano e 01 mês, majorada em 1/3, em razão da vítima LETÍCIA L.B. ser menor de 18 anos de idade), a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e em prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, ambas a serem definidas pelo Juízo das Execuções Criminais. Por fim, concedeu ao réu o direito de apelar em liberdade, manteve a medida cautelar de afastamento das suas funções de professor, decretou a perda do cargo público de professor, com fundamento no art. 92, inc. I, alínea "a", do C.P.B., condenou-o ao pagamento das custas processuais e deliberou sobre as providências supervenientes ao trânsito em julgado da sentença, se e quando (fls. 192/206).

Da sentença, o réu interpôs recurso de apelação, que resultou julgado pela E. 6ª. Câmara Criminal desta Corte.

Ao proferir o acórdão ora embargado, a E. 6ª Câmara Criminal (Relator: Des. JOSÉ ANTÔNIO DALTOÉ CEZAR; Revisora: Desª. BERNADETE COUTINHO FRIEDRICH; Vogal: Des. ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO), à unanimidade, rejeitou as preliminares e, por maioria, com o voto-líder do Relator, negou provimento ao apelo, vencido o Vogal, que lhe dava parcial provimento, para reduzir a pena carcerária definitiva do réu para 01 ano e 02 meses de detenção (pena-base em 01 ano, aumentada em 1/6, em razão da vítima LETÍCIA L.B. ser menor de 18 anos de idade), e desconstituir o decreto de perda da função pública, mantendo as demais disposições da sentença recorrida (fls. 282/289).

O Ministério Público foi intimado pessoalmente (fl. 291). A defesa, intimada por nota de expediente (fl. 292), interpôs o presente recurso de embargos infringentes (fl. 295).

Nas razões do recurso (fls. 295/301), em síntese, a defesa técnica do réu sustenta, com base no douto voto vencido, a ausência de motivos para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, bem assim para o aumento da pena acima do mínimo legal no âmbito da 3ª etapa. Noutro quadrante, alega a desproporcionalidade da medida de perda do cargo público de professor. Por fim, requer o provimento do recurso, a fim de que prevaleça o voto vencido quando do julgamento do aresto embargado.

Nesta Corte, o digno Procurador de Justiça FLÁVIO POYASTRO PINHEIRO opina pela rejeição dos embargos infringentes (fls. 307/310). Após, em 18/03/2013, os autos vieram conclusos para julgamento, sendo incluídos na pauta da sessão de 05/04/2013.

É o relatório.
VOTOS
Des. Aymoré Roque Pottes de Mello (RELATOR)

A.           EM PRELIMINAR.

O recurso é cabível, próprio e tempestivo (cert. da fl. 292 e protocolo da fl. 295).

B.            NO MÉRITO.

1.            Nas duas primeiras questões infringentes, o réu-embargante requer a fixação da sua pena-base no mínimo legal de um ano de detenção, e, de outra parte, que a majorante prevista no § 2º do art. 216-A do Código Penal em vigor seja dosimetrada no mínimo legal de 1/6, daí resultando, nos termos do douto voto minoritário no julgamento do apelo defensivo, a pena carcerária definitiva de um ano e dois meses de detenção.

Com a máxima vênia, o presente recurso deve ser provido nestes pontos controvertidos. Examine-se.

No caso sob exame, nos lindes da 1ª fase do dimensionamento da pena carcerária do réu (art. 59, caput, do C.P.B.), as consequências negativas mencionadas pela vítima e pela psicóloga que a analisou não advieram dos dois ou três atos intrínsecos de assédio praticados pelo réu - todos de levíssima intensidade, diga-se de passagem, levados a cabo, modo explícito, na frente de dois alunos, e animicamente matriciados em dolo eventualíssimo -, mas, sim, das controvérsias e críticas que a ofendida recebeu da sua comunidade, inclusive escolar. Nesse contexto é que o trauma psicológico apresentado pela vítima deve ser valorado, em si mesmo não desbordando dos efeitos negativos normais decorrentes das elementares do tipo penal incriminador em tela.

Nessa moldura, portanto, também positivadas em favor do réu todas as demais operativas judiciais, não há razão plausível para que a pena-base do réu afaste-se do mínimo legal aplicável à espécie (um ano de detenção).

Por outro lado, na 3ª etapa do método trifásico, em razão da majorante prevista no § 2º do art. 216-A do C.P.B. (crime cometido contra menor de 18 anos), a baixa lesividade dos atos de assédio praticados e a idade da vítima (14 anos) não autorizam que a majorante em tela seja dosimetrada em fração superior ao mínimo legal aplicável à espécie (1/6), inclusive porque há corrente doutrinária ponderável no sentido de que, entre professor e aluno, a superioridade hierárquica ou a ascendência não são inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função docente (Nucci, "Código Penal Comentado", Ed. RT, 11ª edição, revista, atualizada e ampliada, 2012, pp. 963/964).

Em consequência dessas valorações dosimétricas, impende reduzir a pena carcerária definitiva do réu-embargante para um ano e dois meses de detenção, nos termos do douto voto minoritário no julgamento da apelação defensiva, da lavra do eminente Des. ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO, que transcrevo em parte, a fim de integrar as minhas razões de decidir as questões ora sob exame, verbis:

"( ... )
Minha discordância diz respeito à pena aplicada e suas consequências.
A vítima, segundo relatou à psicóloga e ao MP, a se sentir assediada, saiu da sala e contou o fato aos colegas Matheus e Gabrielle, novamente entrando na sala e sentando ao lado do professor. Não me convenci de que estivesse seriamente amedrontada com a situação, de vez que se assim fosse, teria aproveitado a saída e fugido do local. Ainda, o comentário com os colegas serviu como um convite para testemunharem o fato, tanto que Matheus fotografou a situação.
Este, Matheus, mentiu em Juízo, folha 112, ao dizer que nem sabia que estava fotografando o assédio, já que estava apenas “regulando” a máquina da colega. Incrível tal versão, e sequer foi repreendido por sua falta da verdade, mormente quando seria impossível que alguém, “sem querer” tirasse várias fotos de uma mesma situação com tamanha precisão. Com 14 anos de idade já pode responder frente ao ECA, já que devidamente advertido e compromissado, pelo delito de falso testemunho.
(...)
Estou fixando a pena-base então em 01 ano de detenção. No tocante à causa de aumento, faço-a no patamar de 1/6, com o mesmo raciocínio acima posto, ficando definitiva em 01 ano e 02 meses de detenção. Mantenho a substituição por prd.
( ... )."

2.            A terceira questão controvertida neste recurso infringente diz com a circunstância da sentença condenatória recorrida ter aplicado, adjetamente, ao réu-embargante, a perda do cargo público de professor por ele titulado.

Neste ponto, também impende prover o recurso, para desconstituir a sanção adjeta de perda do cargo público de professor, imposta ao réu-embargante com fulcro no art. 92, inc. I, letra "a", do C.P.B., porque o crime de assédio sexual não envolve a prática de abuso de poder e/ou violação de dever para com a administração pública, também não estando elencado entre os crimes contra a administração pública. Neste passo, inclusive, vem à colação ilustrativa da questão as anotações doutrinárias que acima referi sobre as relações não verticalizadas entre professor e aluno.

Como se vê, não há a possibilidade de RONI F.S. perder o seu cargo público de professor, pois a sua ação não foi praticada com abuso de poder, tampouco com violação de dever para com a administração pública.

A situação fática revelada pelos depoimentos carreados aos autos evidencia que o assédio praticado foi circunstancial e não-hierárquico, âmbito em que RONI F.S. aproveitou que a ofendida estava ao seu lado, na sala de aula (e na frente de dois alunos), para cometer a conduta descrita na denúncia. Não houve qualquer ordem ou determinação do réu-embargante no sentido de subjugar a vítima, a fim de submetê-la à sua lascívia, o que não configura os referidos requisitos legais.

Portanto, não estando presentes os requisitos previstos para o decreto de perda do cargo público.

3.            Portanto, renovada vênia, entendo deva prevalecer, no recurso infringente sob exame, o douto voto minoritário no julgamento da apelação defensiva.

C.            DISPOSITIVO DO VOTO.

Diante do exposto, o meu VOTO é no sentido de dar provimento ao recurso de embargos infringentes, para reduzir a pena carcerária definitiva do réu-embargante RONI F. DOS S. para um ano e dois meses de detenção, e, de outra parte, desconstituir a sanção adjeta que lhe declarou a perda do cargo público de professor, mantendo as demais disposições da sentença condenatória recorrida.

É o voto.

Des. Francesco Conti (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des.ª Bernadete Coutinho Friedrich
Voto em divergência, desacolhendo os embargos, mantendo posicionamento manifestado ao tempo do julgamento do recurso de apelação na Câmara.

Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório
Acolho os embargos, nos termos do voto que proferi nos autos da Apelação Criminal nº 70050557958.

Dr. José Luiz John dos Santos
Com a vênia do em. Relator, desacolho os embargos, pelos fundamentos que constam no percuciente voto condutor da maioria no acórdão originário.

Des. Ivan Leomar Bruxel (PRESIDENTE)
Voto por negar provimento aos embargos infringentes.

Des.ª Genacéia da Silva Alberton - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL - Presidente - Embargos Infringentes e de Nulidade nº 70053145926, Comarca de Alegrete: "POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DE EMBARGOS INFRINGENTES, PARA REDUZIR A PENA CARCERÁRIA DEFINITIVA DO RÉU-EMBARGANTE RONI F. DOS S. PARA UM ANO E DOIS MESES DE DETENÇÃO, E, DE OUTRA PARTE, DESCONSTITUIR A SANÇÃO ADJETA QUE LHE DECLAROU A PERDA DO CARGO PÚBLICO DE PROFESSOR, MANTENDO AS DEMAIS DISPOSIÇÕES DA SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRIDA, VENCIDOS A DESA. BERNADETE, O DR. JOHN E O DES. BRUXEL.”



Julgador(a) de 1º Grau: CARLA BARROS SIQUEIRA PALHARES

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