A decadência do
direito de representação – para que um crime seja investigado e vire ação penal
– exige que haja desinteresse e inércia de quem pode exercer esse direito.
Para
a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), peculiaridades de cada
caso podem impedir que a decadência ocorra no prazo de seis meses a contar do
conhecimento dos fatos a serem apurados.
Essa é a situação em um habeas corpus julgado pela Turma, impetrado por
um homem condenado a seis anos de reclusão por estupro de pessoa com
deficiência mental. Ele é cunhado da vítima. A defesa alega que ele estaria
sendo alvo de constrangimento ilegal porque a punibilidade deveria ser
declarada extinta, ante a decadência do direito de representação, indispensável
para a abertura de ação penal.
Essa
decadência teria ocorrido, segundo a defesa, porque a irmã da vítima se
retratou da representação apresentada. Depois disso, o pai da vítima manifestou
o interesse pela responsabilização penal do acusado, o que ocorreu mais de seis
meses depois do conhecimento dos fatos.
Segundo o processo, a vítima, portadora de deficiência mental, foi
estuprada pelo cunhado (marido de uma irmã), em janeiro de 2007.
Outra irmã da
vítima foi à delegacia e representou contra o cunhado. Sete meses depois, a
autora da representação se retratou. Ao
saber disso, o pai da vítima, com mais de 80 anos à época, foi à delegacia e
disse que não se manifestou anteriormente porque uma de suas filhas já o havia
feito.
Como representante legal da ofendida, ele representou pela instauração
da ação penal. Extinção da
punibilidade Para o relator do caso,
ministro Jorge Mussi, as peculiaridades do caso afastam a extinção da
punibilidade. “Conquanto a representação formulada pelo genitor da ofendida
tenha sido formalizada após o prazo decadencial de seis meses previsto no
artigo 38 do Código de Processo Penal, o certo é que o caso dos autos possui
peculiaridades que impedem o reconhecimento da extinção da punibilidade”,
afirmou.
Ele levou em consideração o
fato de que o pai só não compareceu à delegacia anteriormente porque outra
filha já havia representado para que fosse iniciada a persecução penal. Apenas
em razão da retratação desta é que o pai, em menos de uma semana, manifestou o
interesse no prosseguimento das investigações e na deflagração da ação penal. Mussi destacou que a lei prevê que, quando os
interesses do representante legal colidem com o do menor de 18 anos ou
deficiente mental, o direito de queixa pode ser exercido por curador especial,
nomeado de ofício pelo juiz ou a requerimento do Ministério Público.
“Assim, a exemplo do que ocorre nos casos em
que há nomeação de curador especial, em que o prazo decadencial para o
exercício do direito de representação é contado a partir da ciência de sua
nomeação, na hipótese dos autos não se pode afirmar, como pretendem os
impetrantes, que o pai da vítima deveria ter formalizado sua representação
desde que teve ciência dos fatos”, explicou o relator.
Interesse
Jorge Mussi ressaltou que os institutos da decadência e da prescrição
têm como uma de suas finalidades a pacificação das relações sociais em razão do
decurso de determinado tempo para a apuração de fatos delituosos, desde que
esse período possa ser atribuído ao desinteresse ou até mesmo à desídia do
representante legal da vítima – “o que, de fato, não ocorreu na hipótese em
apreço”.
Segundo o ministro, havendo
evidências nos autos de que a família da vítima, pessoa portadora de doença
mental, manifestou seu interesse na persecussão penal, não há como concluir que
houve qualquer tipo de inércia capaz de lhe retirar o direito de representação.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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