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domingo, abril 6

SEMIABERTO NO DIVÃ


Zero Hora deste Domingo publica matéria acerca do Regime Semiaberto. Vale a leitura, motivadora para reflexões.


6 em cada 10 presos fogem

Considerado uma conquista dos direitos humanos, o regime semiaberto – que tira o preso do confinamento permanente da prisão e proporciona a reinserção gradual na sociedade – entrou em colapso. Sem penitenciárias preparadas para oferecer trabalho e sem vigilância adequada, é consenso entre especialistas que o modelo fracassou no Brasil e chegou a hora de rediscuti-lo.

Em vez de ressocializar, o semiaberto virou uma porta giratória para a impunidade, onde os apenados entram e saem quando querem, cometem crimes e ameaçam agentes que ousam desafiá-los.

Nesta reportagem, veja o que pensam as pessoas que podem mudar essa realidade, entenda o que está sendo discutido em Brasília e saiba por que a situação chegou no limite.

Elisandro Taquatia de Matos, 33 anos, e Anderson Rodrigues Barbosa, 31 anos, são criminosos experientes, com condenações que somam 62 anos e seis meses por roubos, extorsões, receptações e porte de arma. Mas não é só na repetição de delitos que eles se especializaram.

Desde que ganharam o direito de cumprir as penas no regime semiaberto, eles fugiram 16 vezes de diversas cadeias do Rio Grande do Sul. Elisandro e Anderson foram recapturados cometendo os mesmos crimes e engrossam uma estatística que demonstra o descaso do Estado com o que deveria ser uma chance real de regeneração e volta ao convívio.

Os números divulgados pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) mostram que, em 2013, o semiaberto teve 3.585 fugas, o que representa 62% da população carcerária desse regime (5.768). Em 2012, foram 3.646 e, em 2011, 4.884. Pela lei, as cadeias deveriam ter cercas ou muros altos, portões de ferro e controle de saída. Na prática, são alojamentos desprotegidos, que não oferecem aos apenados perspectivas de uma nova vida. Para a Justiça, o Estado não está preocupado com as consequências do descontrole. Para a sociedade, a descrença chegou a níveis alarmantes. No Congresso, a reforma da Lei de Execução Penal (LEP) é discutida como solução para o caos, mas especialistas sustentam que é preciso ir mais a fundo no problema. Ainda há tempo, pois o Congresso pretende votar a nova LEP no primeiro semestre. Subprocurador-geral da República e membro do Ministério Público Federal, Carlos Eduardo Vasconcelos afirma:

– O nosso sistema tem um paradoxo: é um dos mais desumanos do mundo e um dos mais generosos no cumprimento das penas. Nossas regras de progressão são liberais.

Para Vasconcelos, os tribunais superiores praticamente extinguiram a diferença entre os crimes comuns e hediondos.

– Nossas marcas são o “coitadismo penal” e o “cafuné processual”. As ameaças contidas nas penas são inócuas na prática. É preciso investir no sistema e acabar com suas contradições – complementa o subprocurador-geral da República.

O regime existe no Brasil desde o Código Penal de 1940, que estipulou a progressão: fechado (o preso não sai e trabalha internamente), semiaberto (trabalho em colônias agrícolas, industriais ou estabelecimentos semelhantes com possibilidade de saída autorizada judicialmente) e aberto (passa o dia fora e dorme em albergues). O problema é que as colônias agrícolas ou industriais não têm estrutura mínima para que a filosofia funcione e, ao contrário das penitenciárias de regime fechado, têm vigilância pífia e poucos agentes. Assim, a progressão é ideal apenas na teoria.

– O semiaberto nasceu em um período de rigor punitivo, em uma época em que se acreditava que a prisão podia melhorar uma pessoa. Falar em diminuir as penas no Brasil, hoje, é algo utópico. Na história do direito penal, isso é tido como humanização. A pena foi concebida com o argumento de ressocializar e teve o efeito contrário – argumenta o juiz Luís Carlos Valois, doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP).

Membro do Fórum da Questão Penitenciária, o professor de Direito Penal da PUCRS Rodrigo de Oliveira ressalta que o problema não é o regime, e sim as dificuldades de implementação. Descrente em uma solução a curto prazo, ele fala que apenas com uma grande ampliação de vagas nos presídios fechados é que o Brasil dará um passo concreto para humanizar seu sistema penitenciário:

– Temos um universo projetado para uma norma que o Executivo não materializa. Só vamos ter o regime fechado? Muito bem, qual impacto que isso teria?

Para Oliveira, colapso chegou a um nível nunca antes visto. Ele complementa, em tom pouco otimista:

– Sinceramente, não enxergamos a luz no fim do túnel.

Congresso discute penas alternativas


À frente da Delegacia de Capturas do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) nos últimos seis anos, o delegado Eduardo de Oliveira Cesar diz estar acostumado a prender foragidos do semiaberto.

Desde 2013, a Capturas retirou das ruas 368 pessoas no Estado. Desse total, “um número expressivo”, de acordo com Oliveira, deveria estar detido:

– São ladrões de cargas, assaltantes perigosos, estupradores, homicidas. Já pegamos um homem com 10 fugas. Lembro que demoramos um ano para prender o assaltante de carro forte Igor Machado, em Santa Catarina. Quando colocaram ele no semiaberto, fugiu no mesmo dia.

Um dos primeiros bandidos a usar arma de grosso calibre em ataque a banco, Igor escapou do Instituto Penal Escola Profissionalizante (Ipep), em Charqueadas, em 2009.

Em dezembro do ano passado, uma comissão de juristas tocou na ferida e entregou ao Senado um projeto para reformar a Lei de Execução Penal (LEP) com o objetivo de diminuir a superlotação dos presídios e incentivar a adoção de penas alternativas. Um grupo de juízes, encabeçado por Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, propôs o fim dos regimes aberto e semiaberto, mas a comissão rejeitou. A expectativa é de que ainda no primeiro semestre de 2014 o Senado discuta e vote a nova LEP.

– Eles mexeram na “perfumaria” e não na estrutura. Falta coragem de enfrentar. Não adianta mais insistir em algo que não foi executado verdadeiramente. É um faz de conta exatamente no momento em que o condenado volta a ter contato com a sociedade. A chaga da população é o crime violento. Têm de existir penas mais severas para isso – lamenta Brzuska.

A relatora do anteprojeto, promotora Maria Tereza Uille Gomes – atualmente secretária da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná –, entende que falta um modelo de gestão nacional para o semiaberto. Ela critica o improviso dos Estados para lidar com essa realidade:

– Não existe um modelo arquitetônico para o semiaberto. Cada um adota ou improvisa, faz a reforma de uma unidade, adapta provisoriamente, não tem um modelo definido.

Para o doutor em Sociologia e professor de Direitos Humanos na Rede Metodista de Educação do Sul (IPA) Marcos Rolim, mesmo com a descrença da população e da polícia, acabar com a progressão de regime é “bobagem”:

– Só pode caber na cabeça de quem não tem a menor ideia do que fala, principalmente alguns magistrados, que parecem viver no mundo da lua. Há uma questão prática: onde colocar os presos? Tem uma conta para fechar, que custa bilhões de reais.

Para Rolim, a grande questão é pensar em diminuir o encarceramento.

– Sempre que o Congresso se debruça sobre o tema, a legislação piora pelo populismo. O Código Penal virou uma colcha de retalhos.

 CONTRAPONTO

O diretor de Departamento da Superintendência dos Serviços Penitenciários, Irineu Koch, reconhece as falhas na infraestrutura e na fiscalização e argumenta que a solução momentânea está no uso das tornozeleiras eletrônicas. Cada detento do semiaberto custa hoje R$ 1,2 mil ao Estado por mês. Com o monitoramento eletrônico, o valor baixaria para R$ 400:

– Não temos a vigilância do fechado. As barreiras que impedem as fugas não são iguais. A própria legislação possibilita isso. A saída é a tornozeleira eletrônica, que acompanha o preso em tempo real. Acreditamos que, com ela, o índice de fuga pode cair para 2,5%. As facções são enfraquecidas com a tecnologia, já que os apenados ficam diluídos. Pretendemos que, até o final do ano, o semiaberto (5,7 mil presos) seja coberto com elas. Estamos investindo em vigilância por câmeras.


Entrevistas


“Precisa de um modelo de gestão”

Defensora da progressão de regime, a secretária da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná, promotora Maria Tereza Uille Gomes, foi a relatora do anteprojeto de reforma da Lei de Execução Penal no Congresso, em 2013. O texto, elaborado por uma comissão de juristas, não incluiu o fim dos regimes aberto e semiaberto. Confira trechos da entrevista concedida a Zero Hora.

Zero Hora – Por que a senhora é a favor do semiaberto?

Maria Tereza Uille Gomes – Defendo a importância porque hoje, no semiaberto, temos os percentuais mais elevados de escolarização e trabalho. No semiaberto, é possível promover os percentuais de ressocialização almejados.

ZH – O que fazer para evitar as fugas?

Maria Tereza – Esse é um problema de gestão. A fuga, na maioria das vezes, acontece quando o semiaberto está centralizado. O preso acaba escapando para ficar próximo a sua família. É preciso descentralizar as unidades para o interior dos Estados.

ZH – A falta de estrutura das cadeias do semiaberto é muito criticada hoje no Brasil. É possível uma revolução nesse sentido?

Maria Tereza – O que a gente percebe é que não existe um modelo arquitetônico para o semiaberto. Cada um adota ou improvisa um, faz a reforma de uma unidade, adapta provisoriamente, não tem um modelo definido. No Paraná, por exemplo, nós doamos ao Ministério da Justiça um modelo de projeto arquitetônico simples. São casas populares, uma para alojamento coletivo, outra para sala de aula e a terceira para trabalho e refeitório.

ZH – Veremos avanços significativos com a nova Lei de Execuções Penais?

Maria Tereza – Foi mantido o sistema atual – progressivo com os três regimes. O que muda é que, em relação ao aberto, a comissão entendeu que poderia extinguir a casa do albergado. Atualmente, salvo exceções, a maioria dos Estados não tem a casa do albergado.

“O semiaberto não serve para nada”

Doutorando em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), integrante da Law Enforcement Against Prohibition – entidade internacional que trata das legislações contra a proibição de drogas – e membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o juiz Luís Carlos Valois defende o fim do semiaberto e a diminuição no número de prisões.

Zero Hora – Por que o senhor é contra o semiaberto?

Luís Carlos Valois – Esse regime foi criado em uma época em que se acreditava que a prisão podia melhorar uma pessoa. Na história do direito penal, isso é tido como humanização. Foi um tiro no pé, as cadeias são lugares horríveis. O semiaberto não serve para nada.

Zero Hora – Qual é o melhor sistema que existe?

Valois – O que prende menos, que prende apenas os necessários, os mais perigosos. Estamos encarcerando traficantes pequenos como homicidas, como criminosos gravíssimos.

Zero Hora – Como funcionaria esse sistema?


Valois – Com punição correta, direta, reta, sem subterfúgios e sem análise de subjetividades. O preso que sai do fechado para o semiaberto já cumpriu o que tinha de cumprir. Geralmente é pobre, que visita a família e enfrenta situações complicadas. É desumano. O caminho são penas menores em regime fechado. As colônias agrícolas viraram alojamentos estilo sem terra.

Fonte: ZERO HORA

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