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quinta-feira, setembro 26

O Estado que fomenta o crime (*)




Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para dignidade humana e a pessoa não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças. – Ingo Wolfgang Sarlet

A situação carcerária brasileira está à beira do colapso, ou melhor, é o verdadeiro colapso, assunto que é exaustivamente veiculado pelas mídias. Mas como uma situação tão assombrosa ainda é tratada com tanto descaso?

Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul é um péssimo exemplo, onde diariamente presenciamos situações vexatórias, presos acorrentados em viaturas policiais, latas de lixo, nas mais humilhantes situações, a cadeia pública, antigo e “famigerado” Presidio Central, considerado pior presídio da América Latina ainda é referência de como um presídio não deve operar.

Na terça-feira (24/09/2019), 95 presos estavam algemados em 18 viaturas, em um terreno na rua Salvador França em Porto Alegre, o número conforme a juíza da 1ª vara de execuções penais flutua diariamente, dependendo da quantidade de detenções e liberação de vagas no sistema.

Com muita frequência presenciamos situações onde presos provisórios são sentenciados a penas inferiores ao tempo que estiveram segregados em condição mais gravosa, ou ainda, respondem por processos onde a pena máxima que poderia ser arbitrada em caso de condenação não corresponde ao “castigo” em cumprimento.

Infelizmente grande parcela da população vê mérito nesse tipo de trato, entende que quanto piores as condições melhor, e conclui, “Tá com pena? Por que não leva para casa? ” 

O senso comum não perdoa e a ignorância impera, diuturnamente voltamos a arguir, quem defende que haja o cumprimento de pena de forma digna, com a finalidade de reinserção do indivíduo na sociedade, não é a favor da impunidade, a causa vai muito além da labuta criminal, a causa é humanitária, exige senso de humanidade.

Enquanto houver  viaturas lotadas com presos aguardando vagas em presídios, enquanto os presídios funcionarem como depósitos humanos, todos estão em risco, o tratamento desumano ultrapassa a figura do suspeito, ele chega aos agentes de segurança pública que também sofrem com as condições precárias deste tipo de custódia.

É um mal banalizado que coloca todos em risco, inclusive aqueles que aplaudem e esquecem que o efetivo que permanece custodiando os presos em delegacias, por exemplo, deveria estar circulando nas ruas.

Quem defende que haja sofrimento àqueles que cometeram delitos, esquece que não existe prisão perpétua no Brasil. Não conta que esse indivíduo voltará ao convívio social um dia, e se tratado de forma que não proporcione sua reinserção no meio social, a probabilidade de voltar a cometer delitos é grande.

O Estado que fomenta o crime

Dentre vários problemas ocasionados, um dos mais penosos ao estado é que retroalimentar o sistema com o aprisionamento em massa condiciona o fortalecimento das facções criminosas, onde os encarcerados são captados para o os exércitos do tráfico, o cliente do sistema carcerário é na maior proporção o mesmo, negros, pobres, pessoas que não viram o estado chegar, senão na hora de aplicar a reprimenda penal.

Acertadamente, BUENO DE CARVALHO (2013, p. 98) traz em sua obra a concepção desvirtuada que se tem, a uma, de que no tempo em que permanece preso o indivíduo pelo menos não estaria cometendo mais crimes, um exercício trágico de futurologia que é exercido por grande parte dos “gênios da segurança”, e outra, é de conhecimento que na prática existe uma extensa gama de delitos praticado de dentro dos muros dos presídios para fora destes, acabando o Estado que por via de uma punição, acaba por organizar o crime dentro dos presídios.

A violência acaba por ser institucionalizada, o estado acaba operando para contribuir com o pioramento do cidadão, ao invés de se inibir o crime, acaba sendo ferramenta essencial para aumento do mesmo. Em tempos onde o óbvio precisa ser dito, essa bandeira não pode deixar de ser levantada, é dever do operador do direito não aceitar essas situações como normais, sempre é hora de lutar, sempre é hora de ser voz.


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