(*) In: Lucas, Ana Cláudia Vinholes Siqueira. Pena Privativa de Liberdade – Fim e Função. Pelotas: Educat Editora, 2002
A utilização da psicologia para compreender indivíduos que se desenvolvem em liberdade é de fundamental importância em face das situações de angústia e tensão próprias da sobrevivência dos homens na sociedade moderna.
Os indivíduos livres vivem, sofrem e se desenvolvem realizando seus ideais, ou vendo-os frustrados em muitas ocasiões. Se essa é a dinâmica para o homem livre, a situação daqueles que precisam conviver na prisão.
A pessoa privada de liberdade vive experiência peculiar, especialmente relacionada com o aprisionamento, como o isolamento monótono, o medo constante, a depressão física, a sensação de perda absoluta e, também, a frustração.
Angústia e agressividade são comuns no indivíduo que está preso, acompanhadas de um aumento considerável na sua sensibilidade, com o conseqüente processo de alteração do ‘eu’ e da adoção de uma falsa identidade, em evidente demonstração de desequilíbrio mental. O ambiente carcerário atrapalha o funcionamento dos mecanismos compensadores da psique, que são os responsáveis pela manutenção do equilíbrio psíquico e da saúde mental.
Não se pode referir a existência de uma psicologia da prisão, própria do cárcere, mas é possível apontar efeitos que, do ponto de vista psicológico, se produzem com o encarceramento.
É comum ao apenado enfrentar, desde os primeiros momentos da prisionalização, inapetência, espasmos, insônias, crises emotivas e disfunções mentais que, em evolução, conduzem a transtornos psicológicos mais graves.
A literatura especializada refere que o encarceramento é responsável pelo surgimento de elevado número de esquizofrênicos, além de diversas psicoses, criadas ou fomentadas pela prisão, em função dos desequilíbrios decorrentes da ineficácia dos mecanismos de compensação psíquica. Há, nesse sentido, quem sustente a existência de uma psicose carcerária típica, ou seja, específica do ambiente prisional, muito embora a maioria dos autores refute essa ideia, defendendo a noção de que, embora haja certas peculiaridades nas psicoses decorrentes da privação de liberdade, não há um quadro clínico específico para este transtorno.
As psicoses, regra geral, são de ordem afetiva, psicomotora ou intelectual, surgindo, dentre outras, as reações histeróides (puerilismo histérico), todas situações que originam delírios intensos e estados de pânico, quaisquer delas maléficas ao pretendido tratamento ressocializador que a pena privativa de liberdade objetiva.
Os transtornos psíquicos podem estar condicionados por fatores internos, atribuíveis à personalidade do sujeito privado de liberdade, mas também a outros externos, determinados pelo ambiente do cárcere.
Variados são os transtornos que surgem para o apenado no cárcere. Eles são chamados de reações psicológicas carcerárias, e variam entre as psicoses, as esquizofrenias, as depressões, aos estados de pânico, delírios, toxicomanias, epilepsias e o sonambulismo.
Também são relatados quadros paranóides, e outras reações psicóticas passageiras, como as depressões em face do isolamento e da tristeza que o ambiente carcerário propicia.
O uso de drogas é comum no ambiente prisional. O sentimento nostálgico de liberdade, associado à impossibilidade física de evadir-se do ambiente do cárcere, leva o apenado a ‘realizar essa evasão’ através do simbolismo, ou seja, do mundo alucinante que é proporcionado pelo uso de substâncias estupefacientes.
Assim, surgem os transtornos psicológicos relacionados ao uso de substâncias que proporcionam reações que variam do pessimismo à desconfiança, da tolerância à agressividade e que nada contribuem para auxiliar a recuperação das funções psíquicas atingidas pelo ambiente perverso da prisão.
Ao contrário, o uso da droga estimula o aparecimento de outros transtornos emocionais, em nada contribuindo para melhorar o funcionamento dos mecanismos compensadores da psique, responsáveis pelo equilíbrio psíquico e pela saúde mental.
Alguns transtornos psicológicos verificados em sujeitos em cumprimento de pena privativa de liberdade determinam, em alguns casos, a ocorrência de suicídios, que também indicam os graves prejuízos que a prisão pode acarretar ao apenado.
Assim, os transtornos psíquicos, ou as reações psicológico-carcerárias – conseqüências lamentáveis que a prisão proporciona em face de seu ambiente de rigidez, rotina e monotonia - são fatores que impedem/dificultam a desejada reincorporação do sujeito ao meio social de forma mais íntegra, após o cumprimento da pena que, ao contrário do que se sustenta pretender, não ressocializa, tampouco reabilita.
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