Por Carolina Cunha
Para o Blog
O plea bargain (ou barganha) é um instituto do Direito norte-americano – aplicado hoje em diversos outros países - que consiste em um acordo, uma negociação entre as partes, no qual o réu aceita se declarar culpado de uma acusação em troca de alguma concessão pelo Ministério Público.
Assim, o réu – por intermédio de seu advogado – declara-se culpado e o Ministério Público, em troca lhe garante a redução da duração ou da severidade da pena a ser imposta; ou ainda, promete que não irá denunciá-lo por outro delito; ou assume o compromisso no sentido de que a pena aplicada será fixada em patamar mínimo, tudo isso para evitar a instrução processual e a necessidade de produção da prova.
Tal instituto não encontra correspondência na legislação penal brasileira, eis que aqui a aplicação da pena privativa de liberdade exige o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, proferida ao final do devido processo penal garantista que busca encontrar a “verdade real” dos fatos.
Destarte, para que o acusado seja considerado culpado não basta sua confissão, é preciso que ao final da instrução criminal restem cabalmente comprovadas a materialidade, a autoria e a sua culpabilidade.
No Brasil o Instituto que mais se assemelharia ao plea bargain é a transação penal prevista no artigo 76, da Lei 9099/95.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, exatamente em razão das características e garantias do processo penal brasileiro, afasta a natureza condenatória do instituto da transação penal, impedindo inclusive que se converta, em caso de descumprimento, a prestação imposta em pena privativa de liberdade.
O STF já se posicionou, afirmando, expressamente,(*) que a transação penal não corresponde ao plea bargain.
O direito de “negociar a confissão” não encontra respaldo em nossa legislação. Nem mesmo nos institutos da confissão espontânea ou na delação premiada se reconhece uma natureza própria do plea bargain.
Contudo, analisando o artigo 271 do anteprojeto de reforma Código de Processo Penal brasileiro, percebe-se que o legislador pretende introduzir esse instituto em nosso ordenamento, para os crimes processados pelo rito sumário.
É o artigo 271, in verbis:
Art. 271. Até o início da instrução e da audiência a que se refere o artigo 265 (audiência de instrução), cumpridas as disposições do rito ordinário, o Ministério Público e o acusado, por seu defensor, poderão requer a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 (oito) anos, desde que:
I – haja confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na peça acusatória;
II – a pena seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal;
§1º Aplicar-se-á, quando couber, a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do disposto artigo 44 do Decreto 2.848 de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, bem como a suspensão condicional prevista no artigo 77 do mesmo Código;
§2º A pena poderá ser reduzida em até 1/3 (um terço) da mínima prevista na cominação legal, se as circunstâncias pessoais do agente e a menor gravidade das consequências do crime o indicarem.
§3º O acusado estará dispensado das despesas e custas processuais(**)
Note-se, porém, que na Lei brasileira há restrições aos “privilégios” a serem concedidos pelo Ministério Público, limitando-os à possibilidade de ofertar a aplicação de pena mínima.
A inovação pode parecer interessante se sopesarmos o desgaste que a submissão ao processo penal implica ao réu, bem como todos os demais benefícios inerentes à celeridade da prestação estatal. No entanto, se aprovado o anteprojeto, não faltarão argumentos contrários a esse artigo 271, especialmente quando houver análise dele frente aos princípios do processo penal insculpidos na Constituição Federal, tais como, devido processo legal, presunção da inocência e ampla defesa.
(*)Nesse sentido HC 80.828/SP, julgado em 12/12/2001.
(**) O artigo 272 do mesmo diploma legal prevê que, em não havendo acordo, o processo prossiga na forma o rito ordinário.
Um comentário:
Há muita hipocrisia e superficialidade no enfrentamento da criminalidade brasileira, sobretudo quando se verifica a parca solução dos delitos pela polícia e a imensa burocracia do judiciário. Precisamos, sim, de mais instrumentos adequados à nossa realidade, pois a violência é real e diária, não encontrando qualquer vislumbre de reação em debates acadêmicos encastelados.
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