As varas de execução criminal do Tribunal de Justiça de São
Paulo não estão organizadas e prontas para dar conta do número de processos que
recebem.
Dos 79 mil processos analisados durante o último Mutirão
Carcerário do Conselho Nacional de Justiça, cerca de 25 mil dizem respeito a
réus presos aguardando julgamento.
Nos cinco meses de duração do mutirão — de julho a dezembro
de 2011 —, um grupo de magistrados, servidores, defensores públicos e
promotores, sob a coordenação dos juízes Luciano André Losekann e Márcio André
Keppler Fraga, ambos juízes auxiliares da Presidência do CNJ, percorreu 160
casas prisionais e delegacias de polícia em mais de 21 mil quilômetros de
estrada pelo estado.
O resultado, ao qual
à Consultor Jurídico teve acesso, mostra que, em São Paulo, os condenados são
punidos mais do que deveriam. Segundo a equipe que trabalhou na empreitada, não
houve muita colaboração por parte das varas de execução, que não enviaram os
documentos da forma como os juízes pediram. Mesmo assim, o relatório mostra que
as unidades estão desorganizadas.
“Com a chegada dos processos na secretaria, já foi possível
perceber, pelo estado dos autos, a inexistência de uma organização cartorária
nas Varas de Execução no estado, de forma que possibilite o controle das fases
e das movimentações processuais”, diz o documento. Segundo o relatório, “a
equipe de servidores convocados pelo CNJ, no primeiro contato com a secretaria
do Departamento de Execução Criminal, viu que inexistia qualquer tipo de
separação física dos processos, tampouco identificações com tarjas nos
processos sinalizando o regime de cumprimento de pena ou a situação
processual”.
Foram objeto de análise do mutirão os processos de execução
penal de presos que cumpriam pena em regime fechado. A princípio, o grupo
trabalhou com um universo de 94 mil pessoas nessa situação, mas, mais tarde, o
número se mostrou controverso, dadas as confusões nas varas.
O mutirão também cuidou de outros aspectos, como encaminhar
ao preso o atestado de pena a cumprir ou extrato de liquidação de pena, monitorar
as ações do projeto Começar de Novo, verificar a expedição de guias de
recolhimento para execução e decisões quanto à unificação ou soma de penas e
inspecionar estabelecimentos penais e delegacias de polícia que mantêm presos.
Embora o documento reconheça que o estado de São Paulo venha
tentando melhorar a prestação jurisdicional aos detentos, conclui que “tanto o
empenho do Judiciário como o do Executivo está longe de alcançar patamares
satisfatórios para se alcançar uma prestação jurisdicional e um retorno à
sociedade de forma efetiva, satisfatória e humanitária”.
Direito de defesa Um dos principais recados dado pelo
relatório consolidado é que o bom andamento do cumprimento da pena depende,
principalmente, do grau de envolvimento do defensor do condenado. “Pode-se
afirmar, sem qualquer dúvida, que os presos no estado de São Paulo encontram-se
praticamente sem possibilidade de defesa na esfera da execução penal, salvo
aqueles presos privilegiados que possuem defensor constituído”, diz.
Uma série de irregularidades foram detectadas, como o fato
de “os processos de execução penal apresentarem somente o cálculo de pena
inicial, lançado ao início do feito, não havendo posteriormente atualizações de
acordo com intercorrências frequentes que decorrem do normal cumprimento da
pena”. Muitos dos processos também não informavam dados como julgamentos de
recursos, novas condenações e datas de prisões e solturas.
Ainda de acordo com o relatório, “em inúmeros processos de
presos que se encontravam em regime fechado, percebeu-se que a pena imposta já
havia sido cumprida sem que o cartório tivesse qualquer controle sobre essa
situação ou, quando menos, sem ter encaminhado o processo ao juiz competente
para a extinção da pena, permanecendo o apenado indevidamente preso”.
Parte dos trabalhos do grupo foi direcionado para
entrevistas in loco, com os próprios detentos e com os diretores das unidades
prisionais. Esses últimos declararam, aponta o relatório, que “os presos que
não possuem defensor constituído dificilmente conseguem receber atendimento
jurídico eficiente, tanto pela inexistência deste atendimento, o que ocorre em
alguns estabelecimentos prisionais, como pela sua insuficiência, devido ao
grande número de presos em relação ao número de defensores”.
O estado de São Paulo possui hoje cerca de 500 defensores
públicos. Desses, aproximadamente 40 atuam, exclusivamente, na execução penal.
Vale lembrar que a população carcerária é de 180 mil presos.
De olho no problema, o grupo recomenda que um concurso
público seja promovido de forma a aumentar o contingente. Documentação confusa
Para dar início ao mutirão, a equipe pediu que as comarcas e magistrados
separassem os processos. “Um grupo minoritário demonstrava ter ciência do
mutirão, ter compreendido a sistemática e quais processos deveriam ser
remetidos, mas informava não ter conseguido prepará-los, razão pela qual seriam
remetidos no estado em que se encontravam, sem a documentação necessária”,
narra o relatório.
“Tal situação acarretou sérias dificuldades à secretaria do
mutirão, que se viu onerada pela tarefa de instruir centenas de processos, algo
que deveria ser realizado pelas próprias varas de execução, até mesmo de forma
rotineira, independentemente da existência do projeto.” Sistema de
acompanhamento Como noticiou a Consultor Jurídico, uma das maiores reclamações
dos condenados é um sistema eficaz de acompanhamento de penas.
Por meio da instalação de terminais eletrônicos dentro dos
presídios, porém, o preso, o advogado ou defensor público, o promotor e o juiz de
execução do caso em breve poderão acompanhar, passo a passo, o cumprimento da
pena. No último 13 de junho, o projeto de lei ganhou parecer favorável do
deputado Sibá Machado (PT-AC), relator na Comissão de Constituição e Justiça e
de Cidadania, que conclui pela constitucionalidade, juridicidade e técnica
legislativa.
Por enquanto, no entanto, o relatório bate na mesma tecla:
“O sistema informatizado de execução do estado de São Paulo não permite a
extração de relatório, quantitativo ou nominal de presos em cumprimento de pena
em regime fechado, semiaberto e aberto. De outro lado, não há sinalização no
sistema que possibilite identificar a situação real do processo e do apenado”.
O resultado da omissão, além de impactar na concessão de
benefícios processuais previstos taxativamente em lei aos condenados, também
produz efeitos negativos na superlotação carcerária. Algumas unidades
prisionais, como os Centros de Detenção Provisóra de Itapecerica da Serra e
Osasco II, possuem até quatro presos por vaga. “Se o apenado inicia o
cumprimento da pena em regime fechado, o sistema até realiza o cálculo de um
sexto para a primeira progressão. No entanto, concedido o regime semiaberto, o
sistema não faz o cálculo sobre o remanescente de pena para fins de obtenção do
beneficio do regime aberto”, explica o documento.
O Conselho Nacional do Ministério Público também é citado no
material. De acordo com os magistrados do CNJ, há um número elevado de feitos
em carga — um total de 23 mil, sendo 12 mil de réus presos — que dependem de
parecer do Parquet.
“É recomendável a realização de estudos pelo Ministério
Público estadual de ajuizamento de ações civis públicas e ou celebração de
Termos de Ajustamento de Conduta em relação à ausência de vagas no regime
semiaberto, saúde, assistência material e social, entre outras providências”.
Fonte: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
Nenhum comentário:
Postar um comentário