Ações como invasão de casas pela polícia, agressão e disparo de tiros contra suspeitos são menos condenadas pela população, mostra estudo da USP |
A população brasileira está mais tolerante com atitudes
arbitrárias da polícia e com suspensão de direitos a acusados e condenados. É o
que indica a “Pesquisa nacional, por amostragem domiciliar, sobre atitudes,
normas culturais, e valores em relação a violação de direitos humanos e
violência”, lançada na última quarta-feira (6), pelo Núcleo de Estudos da
Violência da USP.
As causas destas mudanças de opinião não aparecem na
pesquisa, mas especialistas apontam que a sensação de medo, em parte turbinada
pelos meios de comunicação, podem ser o principal fator.
Foram feitas entrevistas, em 2010, com 4025 pessoas, a
partir de 16 anos, em 11 capitais brasileiras. Boa parte das perguntas também
foram feitas em 1999, o que permite a comparação e mostra menos brasileiros se
importando com direitos de suspeitos, acusados e condenados. Uma das questões,
por exemplo, perguntava se um policial pode “invadir uma casa”, “atirar em um
suspeito”, “agredir um suspeito” e “atirar em um suspeito armado”.
A maioria das pessoas continua discordando totalmente nas
três primeiras sentenças, mas houve grande queda dos que discordam. Em 1999,
78,4% discordavam totalmente sobre invadir uma casa; em 2010, o número caiu
para 63,8%. Na primeira pesquisa, 87,9% discordavam totalmente sobre atirar em
um suspeito; o que caiu para 68,6%.
Em 1999, 88,7% eram totalmente contra a polícia agredir um
suspeito; número que caiu para 67,9%; e 45,4% eram contra atirar em um suspeito
armado, o que caiu para 38%. Outra questão era se um policial poderia bater em
um preso que tentara fugir. Em 1999, 61,5% discordavam totalmente, número que
caiu para apenas 34,8%.
Mudanças também em dados relacionados à Justiça. Embora a
grande maioria, quase 80%, se oponha à tortura, quando perguntados se a Justiça
deve aceitar provas obtidas por tortura, apenas 52,5% discordaram totalmente e
18,1% discordaram em parte. Em 1999, 71,2% discordavam totalmente e 5,5%
discordavam em parte.
Pode-se dizer neste caso, e em outras questões, que não
aumentou o número de pessoas que concordam com a suspensão de direitos, mas que
elas já não têm a mesma firmeza na defesa deles.
Na afirmação “nenhum crime justifica pena de morte”, por
exemplo, caíram 5% os que concordavam totalmente; número exato do que aumentou
os que “concordam em parte”.
Ou seja: não aumentou o número de pessoas a favor da pena de
morte, apenas as pessoas contrárias à pena capital já não têm a mesma certeza.
Sobre penas, a pesquisa também fez perguntas que não haviam
sido feitas em 1999, o que não permite a comparação mas, ainda assim, reforça a
tendência que mostramos acima. A pesquisa sugeriu penas para determinados tipos
de crime como “sequestro”, “estupro”, “corrupção”, entre outros.
Na grande maioria dos crimes, mais da metade dos brasileiros
optou pelas três penas não previstas pela Constituição que constavam entre as
opções: pena de morte, prisão perpétua e prisão com trabalhos forçados. Além
disto, mais de 60% dos entrevistados acredita que o Judiciário “se preocupa
demais com os direitos dos acusados”.
Preocupação com segurança é um dos fatores, diz senador
Paulo Paim diz não estar surpreso com resultados de pesquisa: "Em uma cultura do medo permanente, as pessoas defendem medidas mais radicais" | Foto: Bruno Alencastro/Sul21 |
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado,
Paulo Paim (PT-RS), os dados são motivados pela preocupação dos brasileiros com
segurança. “Qualquer pesquisa que se realize hoje sobre as prioridades dos
cidadãos, as pessoas vão dizer que se preocupam com três coisas: educação,
saúde e segurança. Com este medo permanente as pessoas defendem medidas mais
radicais e não percebem que violência gera cada vez mais violência.
Não surpreende os dados da pesquisa e não tenho dúvida de
que para crimes hediondos vai se apoiar cada vez mais a pena de morte. A
tendência das pessoas é achar que isto vai resolver, mas não vai. Temos que
investir em educação, informação, saúde e distribuição de renda”, conclui o
senador.
“Basicamente, acho que é a cultura do medo que vai aumentando
o aceitamento de repressão – e esvaziando o direito de defesa”, afirma Marcelo
Semer, juiz de direito e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.
O magistrado alerta para o fato de que, muitas vezes, o apoio à repressão
policial é abstrato e a opinião muda quando se presencia uma cena de violência.
“As pessoas podem achar, abstratamente, que aceitam mais a violência policial,
mas se comovem quando a veem. Lembre-se que foi a exposição das cenas da
violência policial na Favela Naval (em Diadema-SP), transmitida pela TV, que
galvanizou apoio à criação do crime de tortura”, diz.
Meios de comunicação têm relação com resultado da pesquisa,
acredita professor da USP
Laurindo Leal Filho diz que há uma banalização da violência: "é apresentada como sem causa, sem consequências" | Foto: Divulgação / UEM |
O sociólogo, jornalista e professor de Comunicação da USP,
Laurindo Leal Filho, acredita que os programas policialescos da televisão têm
influência sobre o resultado da pesquisa.
“A gente não tem estes dados, mas dá para intuir que têm uma
relação muito próxima.
Estes programas sempre existiram na televisão brasileira,
mas de dez anos para cá, aumentou o número significativamente.
Só em Salvador, no horário de almoço, há programas assim em
três emissoras diferentes”, exemplifica.
Laurindo analisa que a apresentação de crimes sem
contextualização gera uma banalização da violência. “Isto cria um clima de
banalização da violência. A violência passa a se tornar rotineira, porque é
apresentada como rotineira, sem causa, sem consequências”, afirma. Além disto,
o pesquisador destaca que há uma figura padrão do apresentador destes programas
– que geralmente exalta a violência como forma de reprimir a violência.
Os próprios jornalistas nestes programas também costumam
atropelar os direitos das pessoas, com auxílio, muitas vezes, das autoridades
públicas. “O jornalista age como justiceiro. Age como polícia e Justiça.
Acompanha a ação policial, interroga, julga”, diz o professor.
“A imprensa joga com isso com frequência e não são apenas os
‘programas policialescos’. O sensacionalismo do Jornal Nacional, por exemplo,
com as matéria de crime é atroz. De uma maneira geral, a imprensa perdeu os
pudores de estimular a sensação de medo. Quando o pânico é instaurado, qualquer
solução para resolvê-lo parece razoável”, afirma Marcelo Semer.
O senador Paulo Paim, por sua vez, critica programas que
usam a violência como forma de lucrar, mas ressalta que não se pode “ir na linha
da censura”. Para ele, é preciso trabalhar no sentido de difundir opiniões
contrárias, que propaguem a não-violência. “Temos que mudar a cultura das
pessoas. Mostrar que a violência permanente nos meios de comunicação não soma
nada. Temos que trabalhar a cultura da paz, da não-violência, da
solidariedade”.
“Há um nítido esvaziamento da ideia de defesa”, afirma juiz
Marcelo Semer diz que imprensa brasileira cria "novo macarthismo": "a todo momento queremos expor nomes e listas de quem não cumpre suas funções" | Foto: Arquivo pessoal |
Para Marcelo Semer, não há apenas a difusão da ideia de que
o crime precisa ser combatido de forma violenta, mas também uma minimização do
direito de defesa. “Há um nítido esvaziamento da ideia de defesa, que passa por
um certo moralismo do senso comum, também estimulado pelos meios de
comunicação”, diz.
Os exemplos que Semer dá estão na ordem do dia, como o
desrespeito do direito ao silêncio que tem se observado na CPI do Cachoeira. “O
direito ao silêncio é tratado como se fosse uma malcriação; o sigilo da
intimidade como a proteção do ilícito (‘quem não deve não teme’), a escolha de
um advogado como um ilícito.
Há nitidamente a criação, por parte da imprensa, e também
dos políticos que passam a definir suas políticas por ‘pesquisas de opinião’,
de um novo macarthismo: a todo momento queremos expor nomes e listas de quem
não cumpre suas funções ou tem processos, ou foi ‘citado’ em inquéritos e aí
por diante. Somos levados a acreditar que isso vai nos salvar de algo, mas apenas
nos enreda ainda mais na cultura da perseguição, delação e preconceito”, opina.
Semer ressalta que o comportamento dos juízes, em geral, não
embarca nesta onda. “Felizmente, o papel do juiz, neste campo, é
contramajoritário. Não se julga direito penal por pesquisa de opinião. E a
democracia não é apenas o governo da maioria, mas, sobretudo, o respeito aos
direitos individuais, mesmo contra a vontade da maioria. Espanta-me quando a
sociedade passa a aceitar tais restrições à defesa; mas apavora mesmo quando os
operadores do direito começam a se convencer disso”, diz.
Fonte: SUL 21 e IBCCrim
Um comentário:
"mas apavora mesmo quando os operadores do direito começam a se convencer disso."
Posso entrar em pânico já?
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