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domingo, setembro 16

Com quase 9 mil detentos, Papuda intercala momentos de monotonia e tensão




Pátio interno do Centro de Internação e Reeducação, uma das quatro unidades do Complexo Penitenciário da Papuda, em São Sebastião: reportagem passa quatro dias dentro do presídio
 O tempo passa devagar no maior presídio do Distrito Federal. São 15h30 de uma terça-feira e 9 mil detentos aproveitam os últimos minutos do banho de sol. De repente, a monotonia é quebrada por uma sirene estridente. Algo está errado. Encarregados de funções burocráticas largam tudo e se armam com cassetetes. Do portão principal, surgem agentes de preto fortemente armados. Em três minutos, a tropa invade a Ala B da Penitenciária 2 do DF (PDF II) e se depara com um grupo rebelde que se recusa a voltar para as celas. O clima é de tensão. Qualquer ação precipitada pode culminar em um motim. Homens responsáveis pela segurança gritam comandos de ordens aos presos. Os internos recuam. A vida atrás das grades volta ao normal.

O episódio ocorreu em 28 de agosto último e faz parte da rotina do Complexo Penitenciário da Papuda, formado por quatro grandes unidades. Ali estão os criminosos mais perigosos da capital. São assassinos, estupradores e ladrões acertando as contas com a Justiça. Administrar essa massa carcerária é uma tarefa complexa. Fosse uma cidade, o complexo teria quase o dobro de moradores do Varjão, onde vivem 5 mil pessoas. Durante quatro dias, a equipe de reportagem do Correio percorreu os corredores sombrios do estabelecimento prisional. Os relatos de morte, dor e esperança são contados nesta série de reportagens que o jornal publica a partir de hoje.


Se o Complexo Penitenciário da Papuda fosse uma feira, seria possível encontrar de tudo. Para superar os anos de cárcere, às vezes décadas, detentos usam a criatividade e produzem cachaça, armas artesanais e até um criativo jogo de tabuleiro. Tudo é vendido. O sistema proíbe qualquer tipo de negócio entre internos, mas nem por isso o comércio clandestino deixa de existir. Mesmo em celas diferentes e distantes uma das outras, os condenados conseguem promover escambo de cigarros, drogas, sabonetes e comida.

Fazem isso por meio de “teresas”, cordas feitas com lençóis, em que ganchos são improvisados na ponta do tecido. Depois de se certificarem de que os produtos estão bem amarrados, eles iniciam um movimento semelhante ao de uma pescaria. Atrás das grades, os detentos esticam ao máximo o braço e tentam lançar a teresa dentro da cela do colega. Ao receber a encomenda, o preso deve fazer o mesmo procedimento para entregar o dinheiro. Muitas vezes, concluir uma simples transação pode durar o dia todo.




Hoje com 54 anos, Luiz João da Silva (foto) viu a vida passar dentro de uma cela de seis metros. Há exatos 32 anos, ele não sabe o que é a liberdade. Seu Luiz, como é chamado respeitosamente pelos colegas de ala, é o preso mais antigo do sistema carcerário do Distrito Federal. Aos 21 anos, foi detido acusado de cometer 16 assaltos à mão armada. Em uma das ações, matou uma pessoa. Também era um conhecido traficante do DF. Ao ser detido, foi encontrado desmaiado sobre uma carreira de cocaína.

Perto de ganhar o benefício da semiliberdade, fugiu, mas ficou menos de seis meses na rua. Cometeu outro homicídio e voltou à cadeia, de onde não saiu mais. Pelo crime cometido após a fuga, não conseguiu voltar para casa ao completar 30 anos de reclusão, como prevê a legislação penal brasileira. Ainda tem mais três anos a cumprir.

A vida atrás das grades calejou Luiz João. Para sobreviver tanto tempo naquele inferno, aprendeu a desprezar o medo. “Aqui eu vejo a morte toda hora. Nesses 32 anos, eu já vi pra mais de 50 pessoas morrerem aqui dentro. Não dá para deixar o coração mole demais”, afirma. “Me arrependo, joguei muito tempo da minha vida fora.”

Luiz João é filho de pioneiros. Ainda criança, os pais deixaram Pernambucano e mudaram-se para a capital do país, em 1963. Luiz João cresceu e trabalhou de carpinteiro e pintor, ofícios que ele exerce dentro da Papuda. Os dois filhos, de 12 e 13 anos, foram feitos durante a fuga com duas mulheres. Ele não conhece nem um deles. Há cinco anos não recebe visitas da última ex-companheira. Mesmo assim, garante não estar abandonado. “Tenho certeza de que minha família ainda me ama e vai me receber de braços abertos quando eu sair desse inferno”, diz. Apesar de esperançoso, ainda é incapaz de projetar seu futuro do lado de fora. “Não sei o que vou fazer quando sair daqui.”

Veja o depoimento de Luiz João da Silva

(*) Série de reportagens do Jornal Correio Braziliense

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