Pátio interno do Centro de Internação e Reeducação, uma das quatro unidades do Complexo Penitenciário da Papuda, em São Sebastião: reportagem passa quatro dias dentro do presídio |
O episódio ocorreu em 28 de agosto último e faz parte da
rotina do Complexo Penitenciário da Papuda, formado por quatro grandes
unidades. Ali estão os criminosos mais perigosos da capital. São assassinos,
estupradores e ladrões acertando as contas com a Justiça. Administrar essa
massa carcerária é uma tarefa complexa. Fosse uma cidade, o complexo teria
quase o dobro de moradores do Varjão, onde vivem 5 mil pessoas. Durante quatro
dias, a equipe de reportagem do Correio percorreu os corredores sombrios do
estabelecimento prisional. Os relatos de morte, dor e esperança são contados
nesta série de reportagens que o jornal publica a partir de hoje.
Se o Complexo Penitenciário da Papuda fosse uma feira, seria
possível encontrar de tudo. Para superar os anos de cárcere, às vezes décadas,
detentos usam a criatividade e produzem cachaça, armas artesanais e até um
criativo jogo de tabuleiro. Tudo é vendido. O sistema proíbe qualquer tipo de
negócio entre internos, mas nem por isso o comércio clandestino deixa de
existir. Mesmo em celas diferentes e distantes uma das outras, os condenados
conseguem promover escambo de cigarros, drogas, sabonetes e comida.
Fazem isso por meio de “teresas”, cordas feitas com lençóis,
em que ganchos são improvisados na ponta do tecido. Depois de se certificarem
de que os produtos estão bem amarrados, eles iniciam um movimento semelhante ao
de uma pescaria. Atrás das grades, os detentos esticam ao máximo o braço e
tentam lançar a teresa dentro da cela do colega. Ao receber a encomenda, o
preso deve fazer o mesmo procedimento para entregar o dinheiro. Muitas vezes,
concluir uma simples transação pode durar o dia todo.
Hoje com 54 anos, Luiz João da Silva (foto) viu a vida
passar dentro de uma cela de seis metros. Há exatos 32 anos, ele não sabe o que
é a liberdade. Seu Luiz, como é chamado respeitosamente pelos colegas de ala, é
o preso mais antigo do sistema carcerário do Distrito Federal. Aos 21 anos, foi
detido acusado de cometer 16 assaltos à mão armada. Em uma das ações, matou uma
pessoa. Também era um conhecido traficante do DF. Ao ser detido, foi encontrado
desmaiado sobre uma carreira de cocaína.
Perto de ganhar o benefício da semiliberdade, fugiu, mas
ficou menos de seis meses na rua. Cometeu outro homicídio e voltou à cadeia, de
onde não saiu mais. Pelo crime cometido após a fuga, não conseguiu voltar para
casa ao completar 30 anos de reclusão, como prevê a legislação penal
brasileira. Ainda tem mais três anos a cumprir.
A vida atrás das grades calejou Luiz João. Para sobreviver
tanto tempo naquele inferno, aprendeu a desprezar o medo. “Aqui eu vejo a morte
toda hora. Nesses 32 anos, eu já vi pra mais de 50 pessoas morrerem aqui dentro.
Não dá para deixar o coração mole demais”, afirma. “Me arrependo, joguei muito
tempo da minha vida fora.”
Luiz João é filho de pioneiros. Ainda criança, os pais
deixaram Pernambucano e mudaram-se para a capital do país, em 1963. Luiz João
cresceu e trabalhou de carpinteiro e pintor, ofícios que ele exerce dentro da
Papuda. Os dois filhos, de 12 e 13 anos, foram feitos durante a fuga com duas
mulheres. Ele não conhece nem um deles. Há cinco anos não recebe visitas da
última ex-companheira. Mesmo assim, garante não estar abandonado. “Tenho
certeza de que minha família ainda me ama e vai me receber de braços abertos
quando eu sair desse inferno”, diz. Apesar de esperançoso, ainda é incapaz de
projetar seu futuro do lado de fora. “Não sei o que vou fazer quando sair
daqui.”
Fonte: Jornal Correio Braziliense
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