Com base em dados de diversas instituições, o Ministério da
Justiça acredita que ao menos 500 brasileiros tenham sido vítimas de tráfico
humano nos últimos 8 anos. O presidente da Comissão de Acesso à Justiça e à
Cidadania, conselheiro Ney Freitas, responsável no CNJ pela realização do
simpósio, comemora o amadurecimento do Judiciário para atuar em rede contra o
tráfico de seres humanos.
"Embora o juiz continue a decidir sempre em casos
concretos, específicos, pode se beneficiar da rede de enfrentamento, que
organiza e disponibiliza informações", afirma o conselheiro em entrevista
à Agência CNJ de Notícias. Veja abaixo os principais trechos:
O senhor poderia explicar qual o papel do CNJ no combate ao
tráfico de pessoas? Como o Conselho pode contribuir para esse trabalho?
É um papel estratégico. O CNJ formula políticas públicas
para o Poder Judiciário e atua em projetos específicos para implementá-las. É
estratégico para o Judiciário, por exemplo, aumentar a celeridade processual,
daí o empenho da Comissão de Acesso à Justiça e à Cidadania na Conciliação e no
projeto de Cooperação Judiciária, que tem potencial para reduzir
significativamente a demora em milhares de atos processuais.
É estratégico prover o acesso à documentação básica para o
exercício da cidadania, especialmente entre os mais vulneráveis, como os
indígenas. É decisivo aperfeiçoar os recursos materiais e humanos do Judiciário
para aplicação da Lei Maria da Penha, que coíbe a violência doméstica contra a
mulher e promove a igualdade de gêneros.
É estratégico estancar o crescimento artificial do número de
ações judiciais na área da saúde. Nessas e em várias outras áreas, como o
enfrentamento ao tráfico de pessoas, o CNJ atua enfaticamente.
Sem dúvida, é estratégico conter o crescimento desse crime
repugnante, que transforma as pessoas em mercadoria. As quadrilhas seduzem
pessoas socialmente fragilizadas e as vendem para o trabalho escravo,
exploração sexual e comércio de órgãos. O tráfico de pessoas é um crime contra
a condição humana.
É, de acordo com as
Nações Unidas, uma das atividades ilegais que mais crescem em todo o mundo e a
segunda em movimentação de recursos, atrás somente do tráfico de entorpecentes.
O papel do CNJ tem sido o de evidenciar a necessidade de atuarmos em conjunto
para o enfrentamento ao tráfico de humanos.
Os agentes do Direito estão preparados para avaliar, acolher
e julgar os protagonistas dessa modalidade de crime?
Nossa legislação está desatualizada, e esse será um dos
assuntos do Simpósio que estamos realizando em São Paulo. A tipificação
existente não dá conta da realidade e as penas, naquilo que se consegue
tipificar, não condizem com a gravidade desse crime.
Há sugestões legislativas sendo avaliadas e creio que em
breve chegaremos a um aperfeiçoamento. Quanto aos magistrados, membros do
Ministério Público e defensores públicos, será necessário aumentar
consideravelmente a quantidade e a qualidade da informação sobre o tráfico de
pessoas, para que possam agir mais efetivamente. Por isso esse Simpósio
priorizará a participação das escolas judiciais. Esperamos que elas se envolvam
e passem a incluir o tema em seus programas de capacitação.
Em relação aos anos passados, como anda o trabalho da
Justiça nessa área? Houve avanços? Quais seriam?
O primeiro avanço é o fato de que o Judiciário compreendeu
as vantagens de atuar em rede. Embora o juiz continue a decidir sempre em casos
concretos, específicos, pode se beneficiar da rede de enfrentamento, que
organiza e disponibiliza informações. É o caso do Banco Mundial de Sentenças
que o CNJ e os Tribunais estão auxiliando a UNODC (Escritório das Nações Unidas
para Combate ao Crime Organizado) e formar e que será apresentado no Simpósio
em São Paulo. Assinamos um termo de cooperação com o UNODC para agir em
conjunto.
Da mesma maneira, o presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) e do CNJ, ministro Ayres Britto, assinou, em julho, com a chefe do
Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, Janet Napolitano, um
documento para troca de experiências no combate ao tráfico de pessoas. Como
consequência direta desse documento, uma missão técnica do CNJ esteve nos
Estados Unidos, no mês passado, e verificou que as dificuldades, aqui e lá, são
semelhantes, e que ambos os países podem lucrar com a observação das práticas
de um e de outro. De lá trouxemos ideias para serem avaliadas no Simpósio.
Na sua avaliação, qual o maior desafio que o Estado enfrenta
para conseguir frear esse crime?
O maior desafio no enfrentamento ao tráfico de pessoas, no
Brasil e em qualquer outro país, é o fato de que a vítima normalmente não se vê
como tal. Uma mulher aliciada para a prostituição na Europa, por exemplo,
geralmente acredita que vai melhorar de vida. Um trabalhador recrutado para um
esquema de trabalho sub-humano já se encontra em um estado de abandono e
desilusão tão desesperador que se subordina às práticas que o reduzem a uma
condição análoga à de escravo. Quanto liberadas pela autoridade, essas vítimas
não colaboram, porque têm medo da represália dos aliciadores. Com isso, a
polícia, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Judiciário precisam ser
ainda mais competentes, para suprir a falta de colaboração da vítima no
processo.
Qual foi o resultado prático do I seminário e o que o senhor
espera do II simpósio sobre tráfico?
O primeiro Simpósio, em Goiânia, em maio, foi um março.
Participaram mais de quatrocentas pessoas, de todas as áreas da rede de
enfrentamento. Ali fizemos o nivelamento de informações, a conferência dos
pontos de vista. Agora, no segundo Simpósio, teremos um evento mais técnico,
mais dirigido, voltado para magistrados, promotores e defensores. Levaremos as
escolas judiciais, para que a capacitação comece a adquirir uma escala
geométrica. Também serão gerados "produtos", como o manual que
estamos projetando para distribuir aos magistrados, com jurisprudência, relatos
de casos e a relação das muitas organizações prontas para atuar em rede contra
o tráfico de pessoas no Brasil e em todo o mundo. Serão dois dias de trabalho
intenso, focado e, esperamos, muito produtivo.
Fonte: Agência CNJ de Notícias
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