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sábado, novembro 10

Violência doméstica e familiar é um mal silencioso



Denúncia é primeiro passo para acabar com maus-tratos contra crianças, mulheres e idosos

A violência doméstica e familiar é uma realidade em muitos lares gaúchos. As agressões físicas, psicológicas ou sexuais independem de cor, sexo, idade ou classe social. Apesar de estar dissiminado não apenas no Rio Grande do Sul, esse tipe de crime – mais comum contra crianças, mulheres e idosos – é um mal silencioso.

Estada prolongada em abrigos dificulta readaptação
 de menores à rotina familiar 

Crédito: Tarsila Pereira
Era sexta-feira. Ele recebeu o salário da semana e bebeu com os colegas depois do expediente. Ao chegar em casa, o homem trabalhador virou tirano da própria família. Ofendeu a mãe. Agrediu a esposa. Surrou os filhos. Esse tipo de história, geralmente reservada ao sofrimento da família pelo medo e pela vergonha, começa a ser desvelada com a coragem de quem denuncia. Esse é o primeiro passo para interromper o ciclo de violência contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos.

Mas só isso não basta. Para o diretor da Delegacia de Polícia Regional de Porto Alegre, delegado Cleber Ferreira, é preciso ter uma rede atuante e bem estruturada para que a interrupção da violência seja definitiva. “Na maioria dos casos de violência contra criança, mulher e idoso, o agressor está dentro do lar. O melhor entendimento seria o de que a vítima deve ficar na casa com a família. O agressor é que deveria ser afastado, mas nem sempre é possível”, lamenta.

Respondendo interinamente pela Delegacia do Idoso da Capital, Ferreira revela que, diferentemente de mulheres e crianças vítimas de violência, que contam com abrigos, o público idoso se recente da falta desse tipo de amparo. “Não existe abrigo para idoso. A Polícia intima o agressor e toma medida de advertência ou de acusação, quando necessário. Quando o idoso volta para casa, em muitas vezes, a violência se repete”, afirma.

Se por um lado abrigos oferecem alternativa de segurança às vítimas, por outro afastam muito da possibilidade para recuperação de uma composição familiar. De acordo com o promotor da Infância e Juventude do Ministério Público do RS, Júlio Almeida, o problema é que a permanência em abrigos, mesmo quando necessária, eventualmente se torna demasiado longa. “Quanto mais tempo uma criança fica em abrigo, menos chance ela tem de retornar para sua família ou de ingressar numa nova família pela adoção”, explica Almeida.

Para o promotor, seria preciso esgotar todas as possibilidades de volta à família antes da manutenção da condição de abrigo. “Temos crianças que envelhecem nos abrigos. Isso torna, a cada ano que passa, mais improvável a sua adoção”, aponta.

Almeida acredita que diálogo e qualificação permanentes entre conselheiros tutelares e gestores da rede de proteção favoreceriam a reversão dessa realidade. “Acompanhar e observar a recuperação da vítima e também da família, incluindo o agressor, para liberar mais agilmente a oportunidade de reestruturação familiar, poderia ser a prática mais comum”, sugere. Conforme o MP, há mais de 1,1 mil crianças e adolescentes abrigados somente em Porto Alegre.

Num dos abrigos, mantido pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) da Capital, contudo, o ambiente é muito semelhante ao de um lar e faz uma menina de 17 anos voltar a abrigar sonhos em seu coração. “Eu não ia à escola. Meus pais não me matriculavam. Agora quero estudar, aprender coisas para ter um bom trabalho. Quero ser assistente social”, revela.

"Vovôs voltam com um olho roxo"

Diante da escrivaninha, na sala reservada do Palácio da Polícia onde chegam as queixas, a comissária Dina Nunes relata a contagem perversa: “Só contra idosos são pelo menos dez denúncias por dia contra os filhos, feitas por pessoas com idades entre 60 e 90 anos, por maus-tratos, abandono ou dano econômico. A gente registra. Os delegados tomam providências. Dias depois, os vovôs voltam com outro problema, um olho roxo, um braço escoriado”, conta a comissária.

Para as mulheres, explica a delegada Marina Ver Goltz, são 35 denúncias de violência, em média, por dia. Nas segundas-feiras, a contagem se eleva, pois os maus hábitos masculinos nos finais de semana costumam ser mais opressores para as mulheres vitimadas pela agressão doméstica. Daí, a conta sobe para 45 denúncias.

A diferença, conforme a delegada, é que a rede de amparo às mulheres está mais bem definida e apresenta resultados considerados mais adequados. Medidas de proteção, determinadas pela Lei Maria da Penha, podem ser afastamento do lar, proibição de proximidade, perda do porte de arma pelo agressor, impedimento de frequentar os mesmo lugares que a vítima, além da restrição ou suspensão do direito de visitar os filhos.

“Quando não houver outra alternativa, a Polícia recomenda o abrigo em uma das casas com endereço sigiloso destinadas à proteção das mulheres”, explica Marina. Segundo ela, dos 190 assassinatos de mulheres ocorridos no RS no ano passado, 45 foram fruto de violência doméstica. Até agosto deste ano, revela a delegada com preocupação, já ocorreram 50 homicídios de mulheres ocasionados por consequência da violência doméstica.

As delegacias da Mulher e do Idoso podem ser acessadas pelo telefone (51) 3288-2400. Já para denunciar violência contra crianças e adolescentes, pode-se ligar para o Disque 100, dos Conselhos Tutelares. A comunicação de crimes também pode ser feita ao Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) pelo fone gratuito 0800-6426400.

Centro apoia mulheres vítima

Criado este ano, o Centro de Referência e Atendimento à Mulher já prestou auxílio para mais de 50 vítimas de violência doméstica. Segundo a diretora Angela Kravczyk, as mulheres recebem apoio jurídico, psicológico e assistencial. O acesso ao serviço pode ser encaminhado por Polícia, Justiça ou pela iniciativa da própria vítima de violência doméstica.

Para a juíza Madgéli Frantz Machado, a abertura do centro qualificou muito a atenção. Ela indica, porém, que falta a ampliação do acesso em regime de plantão, já que o serviço opera em expediente convencional, de segunda a sexta-feira. “Sabemos que essas medidas vão se aprimorando com o tempo, mas é um desafio a ser cumprido”, pondera.

Madgéli conta que a atuação do Judiciário também tem conquistado resultados. “No ano passado, foram 60 condenações de agressores. Este ano, já temos 79.” O Juizado de Violência Doméstica trabalha com 18 mil processos. Nos dois Juizados da Criança e do Adolescente, outro número estarrecedor: há quase 2,1 mil processos apenas sobre violência sexual contra menores.

Fonte: Site Correio do Povo 

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