Denúncia é primeiro passo para acabar com maus-tratos contra crianças, mulheres e idosos
A violência doméstica e familiar é uma realidade em muitos
lares gaúchos. As agressões físicas, psicológicas ou sexuais independem de cor,
sexo, idade ou classe social. Apesar de estar dissiminado não apenas no Rio
Grande do Sul, esse tipe de crime – mais comum contra crianças, mulheres e
idosos – é um mal silencioso.
Estada prolongada em abrigos dificulta readaptação de menores à rotina familiar Crédito: Tarsila Pereira |
Era sexta-feira. Ele recebeu o salário da semana e bebeu com
os colegas depois do expediente. Ao chegar em casa, o homem trabalhador virou
tirano da própria família. Ofendeu a mãe. Agrediu a esposa. Surrou os filhos.
Esse tipo de história, geralmente reservada ao sofrimento da família pelo medo
e pela vergonha, começa a ser desvelada com a coragem de quem denuncia. Esse é
o primeiro passo para interromper o ciclo de violência contra crianças,
adolescentes, mulheres e idosos.
Mas só isso não basta. Para o diretor da Delegacia de
Polícia Regional de Porto Alegre, delegado Cleber Ferreira, é preciso ter uma
rede atuante e bem estruturada para que a interrupção da violência seja
definitiva. “Na maioria dos casos de violência contra criança, mulher e idoso,
o agressor está dentro do lar. O melhor entendimento seria o de que a vítima
deve ficar na casa com a família. O agressor é que deveria ser afastado, mas
nem sempre é possível”, lamenta.
Respondendo interinamente pela Delegacia do Idoso da
Capital, Ferreira revela que, diferentemente de mulheres e crianças vítimas de
violência, que contam com abrigos, o público idoso se recente da falta desse
tipo de amparo. “Não existe abrigo para idoso. A Polícia intima o agressor e
toma medida de advertência ou de acusação, quando necessário. Quando o idoso
volta para casa, em muitas vezes, a violência se repete”, afirma.
Se por um lado abrigos oferecem alternativa de segurança às
vítimas, por outro afastam muito da possibilidade para recuperação de uma
composição familiar. De acordo com o promotor da Infância e Juventude do
Ministério Público do RS, Júlio Almeida, o problema é que a permanência em
abrigos, mesmo quando necessária, eventualmente se torna demasiado longa.
“Quanto mais tempo uma criança fica em abrigo, menos chance ela tem de retornar
para sua família ou de ingressar numa nova família pela adoção”, explica
Almeida.
Para o promotor, seria preciso esgotar todas as
possibilidades de volta à família antes da manutenção da condição de abrigo.
“Temos crianças que envelhecem nos abrigos. Isso torna, a cada ano que passa,
mais improvável a sua adoção”, aponta.
Almeida acredita que diálogo e qualificação permanentes
entre conselheiros tutelares e gestores da rede de proteção favoreceriam a
reversão dessa realidade. “Acompanhar e observar a recuperação da vítima e
também da família, incluindo o agressor, para liberar mais agilmente a
oportunidade de reestruturação familiar, poderia ser a prática mais comum”,
sugere. Conforme o MP, há mais de 1,1 mil crianças e adolescentes abrigados
somente em Porto Alegre.
Num dos abrigos, mantido pela Fundação de Assistência Social
e Cidadania (Fasc) da Capital, contudo, o ambiente é muito semelhante ao de um
lar e faz uma menina de 17 anos voltar a abrigar sonhos em seu coração. “Eu não
ia à escola. Meus pais não me matriculavam. Agora quero estudar, aprender
coisas para ter um bom trabalho. Quero ser assistente social”, revela.
"Vovôs voltam com um olho roxo"
Diante da escrivaninha, na sala reservada do Palácio da
Polícia onde chegam as queixas, a comissária Dina Nunes relata a contagem
perversa: “Só contra idosos são pelo menos dez denúncias por dia contra os
filhos, feitas por pessoas com idades entre 60 e 90 anos, por maus-tratos,
abandono ou dano econômico. A gente registra. Os delegados tomam providências.
Dias depois, os vovôs voltam com outro problema, um olho roxo, um braço
escoriado”, conta a comissária.
Para as mulheres, explica a delegada Marina Ver Goltz, são
35 denúncias de violência, em média, por dia. Nas segundas-feiras, a contagem
se eleva, pois os maus hábitos masculinos nos finais de semana costumam ser
mais opressores para as mulheres vitimadas pela agressão doméstica. Daí, a
conta sobe para 45 denúncias.
A diferença, conforme a delegada, é que a rede de amparo às
mulheres está mais bem definida e apresenta resultados considerados mais
adequados. Medidas de proteção, determinadas pela Lei Maria da Penha, podem ser
afastamento do lar, proibição de proximidade, perda do porte de arma pelo
agressor, impedimento de frequentar os mesmo lugares que a vítima, além da
restrição ou suspensão do direito de visitar os filhos.
“Quando não houver outra alternativa, a Polícia recomenda o
abrigo em uma das casas com endereço sigiloso destinadas à proteção das
mulheres”, explica Marina. Segundo ela, dos 190 assassinatos de mulheres
ocorridos no RS no ano passado, 45 foram fruto de violência doméstica. Até
agosto deste ano, revela a delegada com preocupação, já ocorreram 50 homicídios
de mulheres ocasionados por consequência da violência doméstica.
As delegacias da Mulher e do Idoso podem ser acessadas pelo
telefone (51) 3288-2400. Já para denunciar violência contra crianças e
adolescentes, pode-se ligar para o Disque 100, dos Conselhos Tutelares. A
comunicação de crimes também pode ser feita ao Departamento Estadual da Criança
e do Adolescente (Deca) pelo fone gratuito 0800-6426400.
Centro apoia mulheres vítima
Criado este ano, o Centro de Referência e Atendimento à
Mulher já prestou auxílio para mais de 50 vítimas de violência doméstica.
Segundo a diretora Angela Kravczyk, as mulheres recebem apoio jurídico,
psicológico e assistencial. O acesso ao serviço pode ser encaminhado por
Polícia, Justiça ou pela iniciativa da própria vítima de violência doméstica.
Para a juíza Madgéli Frantz Machado, a abertura do centro
qualificou muito a atenção. Ela indica, porém, que falta a ampliação do acesso
em regime de plantão, já que o serviço opera em expediente convencional, de
segunda a sexta-feira. “Sabemos que essas medidas vão se aprimorando com o
tempo, mas é um desafio a ser cumprido”, pondera.
Madgéli conta que a atuação do Judiciário também tem
conquistado resultados. “No ano passado, foram 60 condenações de agressores.
Este ano, já temos 79.” O Juizado de Violência Doméstica trabalha com 18 mil
processos. Nos dois Juizados da Criança e do Adolescente, outro número
estarrecedor: há quase 2,1 mil processos apenas sobre violência sexual contra
menores.
Fonte: Site Correio do Povo
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