Por Carolina Cunha, para o Blog.
Carolina Cunha |
Desde a
aprovação pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados da proposta de emenda
à Constituição nº 37 – que traz norma interpretativa sobre a competência
privativa das polícias cíveis e federal –, representantes do Ministério Público
vêm travando verdadeira batalha contra a que chamam de “PEC DA IMPUNIDADE”.
Os Promotores
e Procuradores de Justiça têm realizado atos púbicos em diversas cidades do
país e estão convocando a população para que ouçam seus argumentos e apoiem a
Instituição contra aprovação desta emenda.
Os membros do
Ministério Público defendem que da PEC 37 serviria tão somente para
retirar-lhes os poderes investigatórios, bem como para afastar a competência
das Comissões Parlamentares de Inquérito e de outros órgãos para investigar
ilícitos.
Porém, ainda
que – por respeito à democracia – se aceite que o Ministério Público defenda o acredita
seja de seu interesse, não se pode “ouvir calado” algumas inverdades e
“blasfêmias” ditas e lidas por aí.
Primeiro, não
é verdade que há decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a
constitucionalidade da investigação pelo Ministério Público e que, agora, a PEC
estaria vindo contrariar decisão do Guardião da CF/88. O pleno do Supremo
Tribunal Federal está analisando a matéria, no RE 593727, com repercussão geral, mas ainda não se tem
uma posição final. A última sessão realizada, interrompida por pedido de
vista, foi no dia 19 de dezembro de 2012.
É verdade, no
entanto, que há precedentes na 2ª Turma do STF, precedentes estes que se
fundamentam na “teoria dos poderes implícitos”, inexistindo, ainda assim,
qualquer impedindo constitucional à aprovação da PEC.
Igualmente,
não é certo dizer que a emenda retiraria poderes do MP, pois ele nunca os teve.
As investigações realizadas pelos membros do Parquet nunca encontraram amparo legal, pois esta possibilidade é
obra de um esforço interpretativo, segundo o qual “quem pode o mais, pode o
menos”. Quer dizer, se o Ministério
Público pode promover a ação penal, ele pode, também, buscar os elementos que
embasam esta ação (teoria dos poderes implícitos).
Na verdade, de
acordo com esta teoria, se um órgão tem a obrigação de realizar uma atividade,
ele tem também a capacidade de buscar todos os meios necessários para efetiva e
completa realização desta tarefa. Assim, se a Constituição Federal determina
que o Ministério Público promova a ação penal pública, ela também deve permitir
que ele obtenha elementos para tanto.
Nesta
perspectiva, alguns Promotores de Justiça afirmam que a impossibilidade de
investigar os obrigaria a responder para as pessoas, quando informados sobre a
ocorrência de um crime: “eu não posso fazer nada”. Isto também é falácia.
Aliás, é bom alertar aos desavisados, que se fizerem isso, estarão infringindo
dever funcional e incorrendo em crime contra administração pública.
Mas voltando
ao tema, ao ter notícia de um crime e carecendo de elementos para propor, de
pronto, a ação penal (o inquérito policial seguirá sendo dispensável, quando
não forem necessárias investigações), o Promotor de Justiça deverá requerer ao
Delegado que instaure Inquérito Policial para investigar o caso. Nesta
situação, o Delegado está (porque hoje já está) obrigado a fazê-lo, em razão do
que a doutrina chama de “notitia criminis” de cognição coercitiva.
Ora, o que
seria isso então se não uma forma de garantir a realização do dever de propor a
ação penal? Por que razão o Ministério Público precisaria fazer uso de um poder
implícito se ele tem esse poder (o de determinar que o Delegado instaure o IP)
expresso? E, ainda, se o Delegado não realizar as investigações a contento, o
Ministério Público poderá requerer novas diligências, tudo isso acompanhado do
seu outro poder – também previsto constitucionalmente – de fazer o controle
externo da polícia.
Assim, a PEC
não retira do Ministério Público um poder, ela apenas garante às Polícias uma
atribuição que sempre foi sua. Neste sentido, vale observar que na Justificação
da PEC, documento que a acompanha, resta claro que ficam preservadas todas as
competências ou atribuições previstas na Constituição Federal, inclusive a das
CPI’s. Isto porque, a PEC somente esclarece o que já está dito na Constituição
Federal.
Esta
“interpretação conforme” trazida pela PEC, vem evitar que as investigações pelo
Ministério Público instituam-se verdadeiros “investigadores de exceção”. Quer dizer, por que se admitiria a
investigação do caso “X” pelo Promotor e a do caso “Y” pelo Delegado? Se não se
quiser pensar que seria direito do réu ser investigado pelo “investigador menos
capaz”, então pensemos que seria direito de todas as vítimas que os casos
fossem investigados pelo melhor e mais bem equipado.
Mais, o
inquérito policial é um procedimento previsto e regulado em lei, tendo prazos e
métodos pré-estabelecidos. O procedimento realizado pelo MP não encontra
qualquer amparo legal e, justo por isso, também não está regulamentado. Como ficam os direitos do investigado neste
caso?
Ao mesmo
tempo, vale perquirir: como fica o exercício do contraditório diferido, em
relação às provas irrepetíveis produzidas durante a investigação? Sim, porque é
indiscutível que não há exercício do contraditório durante a fase
investigatória.
Embora seja
assegurado à defesa e ao Ministério Público, o direito de acompanhar e ter
acesso aos elementos de prova documentados, não é possível, a rigor, participar
de sua construção – elaboração – através do exercício do contraditório, o que
só poderá ser feito posteriormente, durante o processo, num mecanismo
denominado contraditório postergado, ou diferido.
Mas, ora, isso tem sentido se nenhuma das
partes – Ministério Público e Defesa – puderam interferir na elaboração daquela
prova, mas não tem o mínimo sentido se foi o Ministério Público – parte – quem
a produziu. Pode-se dizer, nestes casos, que alguns elementos de prova são
produzidos sem o contraditório, unilateralmente pelo Ministério Público.
Apesar de tudo
isso, os Promotores de Justiça, apoiados em um discurso de impunidade, vêm
fazendo o seguinte questionamento: “a quem interessa a aprovação da PEC 37”?
E então nos
vemos compelidos a responder: a todos aqueles que se interessam por um processo
penal equânime e igualitário, que somente poderá ser alcançado com a atuação
integrada e independente de todos seus protagonistas, desde a fase
pré-processual, até o trânsito em julgado da sentença.
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