Por Cintia Piégas
Diário Popular
Pelotas prepara-se
para debater o polêmico assunto da redução da maioridade penal de 18 para 16
anos
Cinco jovens deixam uma festa, embarcam no carro e são
surpreendidas por dois menores. O líder do assalto tinha apenas 13 anos.
O fato
real que ocorreu em Pelotas evidencia uma situação cada vez mais comum: a
criminalidade infantil. No Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de
Justiça no Brasil (CNJ), mais de 17 mil jovens infratores atualmente estão
cumprindo medidas socioeducativas.
A reboque das estatísticas está o debate
sobre a maioridade penal. Alvo de várias tentativas de emendas ao longo de 20
anos, a diminuição da idade penal mobiliza defensores ferrenhos. Muitos
preferem a manutenção. Mas o tema é amplo e será motivo para debate no dia 4 de
dezembro, em Pelotas.
Conforme matéria publicada no dia 20 deste mês no site da
Câmara dos Deputados, os partidos do governo federal são contra a proposta de
plebiscito - Projeto de Decreto Legislativo 1002/03 - que deixaria claro a vontade
do povo. Enquanto a redução de 18 para 16 anos parece se tornar inviável -
artigo que trata da infância é cláusula pétrea -, o governador do estado de São
Paulo, Geraldo Alckmin, sugeriu em abril deste ano - após o assassinato de um
jovem por uma adolescente - o aumento de três para oito anos de permanência dos
internos nos Cases. Mas, será que isso é viável?
Para o diretor administrativo do Case Pelotas, Tiago
Fernandes, não. Em menos de um ano - após passar por uma interdição e duas
rebeliões - a unidade reduziu de 60 para 37 internos. Desses, dez cumprem
medida socioeducativa pelo crime de homicídio. Os demais estão ligados à
prática de roubo e ao tráfico de drogas. “É muito cômodo reduzir a maioridade
penal. Isso só jogaria a culpa para o outro lado. A Fundação de Atendimento
Socioeducativo é a UTI do Estado”, disparou o diretor.
Na opinião do diretor, os governos precisariam agir na base
e na prevenção e não aumentar o tempo de permanência na unidade. “O Centro não
tem como manter adolescentes por oito anos, uma vez que atua diretamente com a
justiça restaurativa e com a recuperação de valores", opina Fernandes.
Para o diretor, é preciso analisar as condições anteriores desse jovem antes de
chegar à prática infracional, ou seja, se ele teve e tem uma base estruturada
familiar, educação de acordo com os valores e princípios de uma sociedade.
A cientista social, mestre em Ciências Sociais e professora
dos cursos de Sociologia e de Serviço Social da Universidade Católica de
Pelotas (UCPel), Carla Silva de Ávila, reforça as considerações do diretor da
unidade. Para a especialista, grande parte do problema está no sistema
funcional, sendo que a violência é uma questão histórica e está atrelada ao
modo de produção capitalista, ou seja, desigual. "A maioria dos menores
envolvidos em atos infracionais está ligada a roubos e tráfico de drogas, ou
seja, dinheiro", diz Carla ao ressaltar que dados apontam para uma menor
reincidência entre adolescentes infratores que presidiários. "A sociedade
precisa se responsabilizar por esses menores, uma vez que é grande a
vulnerabilidade social. A sociedade precisa entender o socioeducativo e sair em
defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente."
Estatísticas
O coordenador do Setor de Repressão Qualificada dos Homicídios
de Pelotas, delegado Félix Rafanhim, também considera o envolvimento de menores
no crime com uma questão social. Em quase 11 meses, jovens menores de 18 anos
estiveram envolvidos em 16 crimes, sendo um homicídio consumado e 15 tentados.
"Ao todo são 19 menores, ou seja, um evento teve mais de um adolescente
participando. Dois são reincidentes", disse Félix. Entre as motivações, as
que mais prevalecem são envolvimento com drogas (dois casos) e vingança.
Do outro lado da história, estão os menores vítimas da
violência. Até o dia 17 deste mês, Pelotas registrou seis menores assassinados,
todos na faixa etária entre 15 e 17 anos.
Mudança de endereço
Para a secretária adjunta da Secretaria Estadual de Justiça
e Direitos Humanos, Maria Celeste, o tema do rebaixamento da idade penal é
recorrente toda vez que ocorre um crime onde há o envolvimento de adolescentes.
"Alguns setores da sociedade entendem que o rebaixamento da
inimputabilidade seria a resolução do problema e sabemos que isto não é
verdadeiro. Estaríamos mudando o endereço de onde será encaminhado o
adolescente, ou seja, em vez de ir para a Fase, estaremos enviando-o para o
presídio, mas, efetivamente, o que muda?", questiona.
Maria Celeste observa que, na mesma medida estão as
tratativas quanto ao debate sobre o aumento de tempo das medidas
socioeducativas. "Se um adolescente comete um ato infracional com 16 anos
e é sentenciado a três anos de privação de liberdade, isto significa que ele
ficará em média 1/5 de tempo da sua vida recluso. Se utilizarmos a mesma conta
para uma medida de seis, sete anos, isto significará até 1/3 de tempo da vida
do adolescente recluso."
É sabido que o tempo de restrição da liberdade, segundo a
secretária, não é tão impactante na vida do adolescente quanto o que se faz com
ele com vistas a sua ressocialização. "Isto sim deveria ser o foco da
cobrança da sociedade brasileira: que os governos efetivamente cumpram com o
papel ressocializador que lhe é imputado pela Constituição e devolva a
convivência comunitária aos adolescentes sabedores da sua responsabilidade em
relação ao ato infracional, profissionalizando-os e promovendo a vontade de
mudar o rumo das suas vidas."
Igreja abre espaço para o debate
No dia 4 de dezembro, uma roda de conversa sobre maioridade
penal será realizada pela comissão formada pela 5ª Semana Social Brasileira
(SSB) de Pelotas - Cáritas Arquidiocesana de Pelotas, Comitê de Combate à Fome
e pela Vida (Coep), Conselho do Ensino Religioso (Coner), Coordenadoria
Regional de Educação (5ª CRE), Gabinete do vereador Ivan Duarte (PT), Grupo
Autônomo de Mulheres (Gamp), Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Pelotas,
Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Pelotas e Universidade Católica de
Pelotas (UCPel).
Considerando a Campanha da Fraternidade 2013, com a temática
Fraternidade e juventude, o evento surge como uma ação da comissão da 5ª SSB de
Pelotas. Com a preocupação de informar, refletir e aprofundar de forma crítica
essa questão presente na sociedade, desconstruindo ideias imediatistas
principalmente de enquetes propostas por alguns meios de comunicação.
Segundo integrantes da Comissão organizadora do evento, o
Brasil vive um momento de preocupação e reflexão em torno da violência, seus
problemas e suas causas. Em qualquer meio de comunicação vê-se reportagens de
agressões, roubos e assassinatos, ao lado da chamada impunidade e insegurança
da população. Com isso, sem negar a problemática, cresce a ideia de que tudo é
violência, de que tudo é culpa de governos que sucessivamente não tratam de tão
importante questão. "Além do mais, o jovem é um alvo constante deste
problema e, ao invés de vítima, é visto como protagonista da violência de uma
sociedade doente", assinalou um dos integrantes.
Para o grupo, muitos jovens de camadas populares não têm
perspectivas, como oportunidades de trabalho digno, estudo e lazer, o que os
impele a opções fáceis pela sobrevivência. A 5ª Semana Social Brasileira é uma
promoção da CNBB.
Serviço
O quê: Roda de Conversa
Quando: dia 4 de dezembro, às 19h
Onde: auditório Dom Antônio Zattera (Campus I da UCPel)
Quem participa:
Cândida F. Fonseca - Teóloga e agente da Pastoral Carcerária; Ivan Duarte,
vereador na cidade de Pelotas; Luana Corrêa, Pastoral da Juventude da
Arquidiocese de Pelotas; Vilson Farias, promotor aposentado e doutor em Direito.
Evento é aberto à comunidade em geral
Alguns dos mais de 30 projetos
Dia 19 de agosto de 1993
Proposta de Emenda à Constituição - PEC 171/1993
Autor: Benedito Domingos (PP/DF) - Altera a redação do
artigo 228 da Constituição Federal (imputabilidade penal do maior de 16 anos).
Situação em 13/6/2013: devolvido ao relator.
Dia 22 de maio de 2002
Projeto de Emenda à Constituição - PEC 26/2002
Senador Íris Rezende - Altera o artigo 228 da Constituição
Federal, para reduzir a idade prevista para a imputabilidade penal, nas
condições que estabelece. (arquivado)
Dia 19 de novembro de 2003
Projeto de Decreto Legislativo de Referendo ou Plebiscito -
PDC 1002/2003, apresentado pelo deputado Robson Tuma. Convoca plebiscito para
consulta popular da redução ou não da maioridade. Situação em 16 de setembro de
2013 - apresentação do parecer do relator à Comissão de Constituição e Justiça
e de Cidadania (CCJC), pelo deputado Efraim Filho (DEM-PB).
Dia 24 de abril de 2013
Projeto de Lei - 5.454/2013
Deputada Andreia Zito (PSDB/RJ) - Altera o Código Penal e as
leis ECA e do Sinase, estabelecendo como circunstância agravante a participação
de menor na realização de crime, aplica o Estatuto do Menor e do Adolescente em
casos excepcionais aos maiores até 26 anos de idade, fixa normas para a
internação em Regime Especial de Atendimento em estabelecimento educacional com
maior contenção com prazo máximo de oito anos. (Sujeita à apreciação)
Fonte: Site da Câmara dos Deputados
Legislação atual
- Constituição Federal de 1988
Artigo 228 - Maioridade penal no Brasil ocorre aos 18 ano.s
- Código Penal - Lei 2.848 de 1940
Artigo 27 - Os menores de 18 anos são penalmente
inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
- Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei 8.069 de
1990
Artigo 104 - Da prática do ato infracional: são penalmente
inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei.
Artigo 121, parágrafo terceiro: quanto ao adolescente infrator, o período
máximo de internação não excederá a três anos.
Terminações
Os crimes ou as contravenções praticados por adolescentes ou
crianças são definidos como "atos infracionais" e seus praticantes
como "infratores". As penalidades previstas são chamadas de
"medidas socioeducativas" e se restringem apenas aos adolescentes de
12 a 17 anos.
Menores envolvidos com a violência em Pelotas
De janeiro até 17 de novembro de 2013
Menor infrator envolvido em homicídios
- Em 16 casos
- Total de 19 menores
- Um suspeito de ser autor de homicídio consumado (do total
de 53)
- 15 suspeitos de tentativas de homicídio (do total de 130)
- Idade média 14 a 17 anos
- Dois reincidentes
* Motivação
- Dois casos por tráfico de drogas
- Demais: vingança
* Locais
- 1º lugar - Areal (nove casos)
- Três Vendas e Centro
Menores vítimas
Seis adolescentes assassinados
- Idade: 15 a 17 anos
Processos
- 13 estão no Juizado da Infância e Juventude
- Três faltam remeter à Justiça
Fonte: Setor de Repressão Qualificada dos Homicídios
OPINIÃO sobre o rebaixamento da idade para imputabilidade penal
Contra(*)
(*)Ana Cláudia Lucas - Professora de Direito Penal, Criminologia e Prática Processual Penal da Universidade Católica de Pelotas
As práticas delituosas
engendradas por adolescentes menores de 18 anos de idade têm,desde há
muito, ensejado debates acerca da necessidade de diminuição da idade limite
para a responsabilidade penal. Como é por demais sabido, a idade para a
responsabilidade penal está legalmente
fixada pelo Código Penal Brasileiro, em seu artigo 27 e, também, no Estatuto da
Criança e do Adolescente, em seu artigo 104. Além disso, é norma
constitucional, prevista no artigo 228 da Constituição da República.
Este tema – o da diminuição da idade para a responsabilidade
penal – é recorrente no Brasil, e sempre aparece atrelado às discussões sobre
o aprimoramento da segurança pública. Ou
seja, de maneira reducionista e popularesca, quando se fala em segurança
pública sempre vêm à tona os aspectos do recrudescimento das penas, da
necessidade de maior encarceramento e da diminuição da idade para
responsabilidade penal.
No Brasil, a discussão sobre o rebaixamento da idade para
imputabilidade penal é motivada por uma série de fatores, sendo os
principiais, o crescimento da
criminalidade juvenil; o número de adolescentes envolvidos em práticas
delituosas graves; a influência de países latino-americanos e/ou europeus que procederam
o rebaixamento da idade para a responsabilidade penal, a pretexto de conter a
criminalidade dos jovens; aspectos contraditórios na legislação que, ao tempo
em que considera irresponsáveis criminalmente os menores de 18 anos, faculta
aos mesmos a escolha de seus representantes políticos; a necessidade de
diminuir, pela ameaça da pena, e do encarceramento, o número de infrações
penais envolvendo adolescentes; a pressão exercida pela mídia que, ao noticiar
casos chocantes de infrações penais perpetradas por jovens menores de 18 anos,
conduz à ideia da necessidade de adoção de medidas extremas de punição; o discurso de alguns políticos, em vésperas
de eleição, indo de encontro ao desejo do senso comum de punir ‘mais e melhor’
o adolescente infrator; a ideia contida no imaginário, no senso comum, de que
não existem respostas jurídico-penais satisfatórias em se tratando de ilícitos
penais praticados por adolescentes.
O Brasil optou por adotar políticas de proteção integral à
criança e ao adolescente, traduzidas tanto pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, quanto pelo Estatuto da Juventude e, fundamentalmente, pela
Constituição Federal. Elegeu defender,
como prioridades da república, os direitos e garantias fundamentais dessa
camada da população brasileira, comprometendo-se a assegurar educação, moradia,
saúde, emprego e, principalmente, um
núcleo familiar virtuoso.
Ora, não precisamos ir longe às reflexões para identificar
que o Estado fracassa nas políticas de proteção à criança e ao adolescente. E,
agora, busca de maneira leviana, na defesa do rebaixamento da idade para
responsabilidade penal, punir de
maneira serôdia esses indivíduos que são, em sua maioria, jovens que pertencem
às camadas sociais mais desatendidas em seus direitos básicos.
Há inúmeras razões para que se defenda a manutenção da idade
para responsabilidade penal aos 18 anos. E elas, salvo melhor juízo, são muito
mais consistentes do que àquelas que sustentam o contrário.
É necessário registrar, desde já, que segundo a Secretaria
Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011, os casos de criminalidade
juvenil apresentaram redução. E, do total de adolescentes brasileiros, apenas
0,09% cumprem medidas sócio educativas.
Veja-se que os
números do Relatório do Conselho Nacional de Justiça sobre o perfil dos
adolescentes em conflito com a lei demonstram que há, sim, punição para os
adolescentes infratores no nosso país. A ideia de que com ‘menores não dá nada’
é absolutamente distorcida. Segundo o
CNJ adolescentes de 15 a 17 anos, com famílias desestruturadas, defasagem escolar,
envolvidos com drogas, cometeram as principais infrações que são as patrimonias. Há, no Brasil, hoje, 17,5 mil jovens
infratores cumprindo medidas socioeducativas.
Dentre os que cumprem internação,
muitos são alvos de maus-tratos.
Mais de 10% dos estabelecimentos registram situações de abuso sexual e
5% deles apresentam ocorrências de mortes por homicídio. A metade dos
adolescentes é reincidente em prática criminal. E 60% deles possuem entre 15 e
17 anos e mais da metade destes não freqüentava a escola antes de ingressar no
cumprimento da medida sócio educativa.
É para estes que se
quer diminuir a idade para a responsabilidade penal.
E, a partir desses dados, especialmente os relativos à
reincidência, não é possível acreditar – até porque em nenhum lugar do mundo
essa experiência foi exitosa – em políticas criminais que, por punirem antes,
punam melhor. Não se trata, portanto, de
indagar-se se um jovem de quatorze, quinze, dezesseis ou dezessete anos tem ou
não capacidade de entender o caráter ilícito de seu comportamento, mas de
perguntar-se, por outro lado, se a estrutura carcerária tem condições de
recepcionar essa parcela da juventude, no mais das vezes atingida pela exclusão
social, pela marginalização, pela pobreza, pela desestruturação familiar, pela
violência, pela prostituição e dependência da droga, sem que as condições
prejudiciais, desconstrutivas e estigmatizantes do cárcere, que todos
conhecemos, possam tornar ainda mais
maléficas as suas condições de sobrevivência.
Ora, a desejada contenção da criminalidade juvenil, pela
ameaça de sanção penal mais gravosa, também não é perspectiva animadora. Não
são contemporâneas as teses que demonstraram, ao longo dos anos, que o
agravamento da sanção, seja por sua qualidade ou quantidade, não tem o condão
de conter criminalidade, porque não cumprem as propaladas finalidades
preventivas da pena.
Por isso, a diminuição pura e simples da idade para
imputabilidade penal também não resultará em diminuição do número de infratores se vier desacompanhada de políticas públicas efetivas
na direção da proteção integral da criança e do jovem.
E, para o fracasso das políticas protetivas, também há
números: mais de 8600 crianças assassinadas no Brasil no ano de 2010; mais de
120 mil crianças e adolescentes vítimas de maus tratos e agressões; 68% delas
sofreram negligências variadas; 49,20% violência psicológica; 46,70%, violência
física; 29,20%, violência sexual e 8,60% exploração de trabalho infantil (Dados
da Abrinq) e mais de 3 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola
no Brasil (dados do IBGE).
Afinal, contra o que devemos nos insurgir? Contra a idade
fixada para a responsabilidade penal, ou contra essa tirania de parte
significativa da sociedade que insiste em punir sempre com maior severidade
aqueles que pertencem às camadas mais desprotegidas dela?
A favor (*)(**)
(*)José Fernando Gonzalez, professor de Processo Penal da
Faculdade de Direito da UFPel, promotor de Justiça aposentado e advogado.
(**)Texto não disponível no site do jornal Diário Popular