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sábado, dezembro 14

O sigilo do inquérito policial e o acesso aos outros pelo advogado

Em nosso sistema processual penal, o inquérito policial ainda constitui a principal peça de investigação das infrações penais. Muito embora seja ele dispensável, isto é, se o titular da ação já tiver os elementos necessários à sua propositura, pode prescindir de sua instauração, o fato é que dificilmente esses elementos surgem sem a atuação policial.

O inquérito, apesar de sua importância, não perde a natureza de peça informativa, que tem por única finalidade a apuração do fato criminoso, colhendo elementos para subsidiar a propositura da ação penal; daí ser inquisitivo, não acolher o contraditório, nem outros princípios processuais penais. Sua finalidade restou firmada na nova redação do art. 155 do Código de Processo Penal, que prevê que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova colhida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão com base exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Diante de sua destinação, perfeitamente compreensível que ostente o inquérito policial a característica de ser sigiloso, pois seria absolutamente infrutífera investigação exposta ao público, de modo que se pudesse concluir quais os passos seguintes da atividade policial. Por essa razão o art. 20 do Código de Processo Penal traz a seguinte disposição:

“A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Nota-se, então, que o sigilo não é absoluto, mas restrito às hipóteses em que seja necessária a investigação não revelada, sob pena de não se colher os elementos almejados, ou, quando o interesse social estiver presente, para preservar a intimidade de alguém em investigação de um crime sexual, por exemplo.

O problema surge quando se indaga a respeito do acesso ao inquérito policial por aquele que é o sujeito das investigações – o próprio investigado. Deve-se permitir o livre acesso? Ou o interesse público na repressão ao crime deve prevalecer nesta fase? As respostas vêm sendo trazidas ao longo do tempo. Primeiramente cumpre trazer à tona a regra contida no art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil:

“Art. 7º. São direitos do advogado:

...

XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;

[...]”

É evidente que o interesse da norma não é apenas assegurar o livre exercício profissional pelo advogado e sim assegurar o direito do investigado, pois o advogado não atua para si, mas representando um interesse, cuja defesa lhe é confiada. Garantir a prerrogativa do advogado é garantir que aquele que é investigado pela prática de uma infração tenha conhecimento do que é colhido a seu respeito.

Como se sabe, contudo, a norma em foco não dirimiu as dificuldades encontradas no diaadia profissional da advocacia. Em inúmeras ocasiões o acesso aos autos pelo advogado do investigado continuou sendo negado por autoridades policiais e judiciárias, sob a alegação de ser necessário preservar o sigilo, garantindo o bom andamento das investigações. A negativa de vista se fazia mais presente quando nos autos houvesse sido determinada a restrição a alguma garantia individual, como quebra de sigilo das comunicações, sigilo financeiro, sigilo de dados.

A questão chegou aos Tribunais Superiores e, tanto o Superior Tribunal de Justiça, como o Supremo Tribunal Federal começaram a decidir no sentido de se permitir o acesso aos autos de inquérito pelo advogado do investigado, mas acesso este ao que já tinha sido produzido no curso das investigações, podendo se manter em sigilo alguma medida em andamento, como uma interceptação telefônica, por exemplo. Assim, se o advogado comparecesse à delegacia de polícia, ou requeresse vista dos autos ao magistrado e estivesse em curso uma interceptação telefônica autorizada pelo juiz, esta seria mantida em sigilo.

Como as dificuldades ainda assim persistiram, foi formulada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a Proposta de Súmula Vinculante 1-6, junto ao Supremo Tribunal Federal. Tendo sido sugeridas diversas modificações da redação originalmente proposta pelo Conselho, o Pleno da Corte Suprema, por maioria de votos, acolheu a proposta e aprovou a Súmula Vinculante nº 14, com a seguinte redação:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Pode-se perceber que o Supremo adotou a mesma linha que vinha sendo seguida nas decisões reiteradas da própria Corte e também do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, permitir acesso irrestrito pelo advogado do investigado aos elementos de informação que já estão documentados nos autos de inquérito. Dessa forma, não há que se falar em impedir referido acesso se uma interceptação telefônica já foi concluída e as conversas captadas estão devidamente encartadas nos autos, o mesmo valendo para qualquer outra medida restritiva das garantias individuais. De outro lado, se tal medida ainda está em andamento, natural que se mantenha em sigilo, pois o acesso a ela impediria a realização ou a continuidade da diligência.

Ainda há quem se oponha (como a Associação Nacional dos Procuradores da República, conforme notícia veiculada no site www.pgr.mpf.gov.br), porém, com todo o respeito, é inegável que a Súmula traz grande avanço não só no fortalecimento das prerrogativas do advogado, mas também na busca do equilíbrio entre o direito de defesa do indivíduo sujeito de investigação criminal e o interesse público na repressão ao crime.

Fonte: Site JusBrasil


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