Não cometeu crime de prevaricação (artigo 319 do Código Penal) uma promotora de Justiça que deixou de advertir o investigado no processo em que atuava sobre o impedimento legal de contratar o filho dela como defensor.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, reconheceu a falta de justa causa e concedeu habeas corpus para trancar a ação penal. O caso é do Rio Grande do Sul. Em 2008, durante o interrogatório do investigado, no bojo de inquérito civil, a promotora tomou conhecimento de que ele cogitava contratar como advogado o filho dela para atuar em sua defesa.
A denúncia narra que a promotora não fez “qualquer esclarecimento” sobre o impedimento legal. O artigo 134, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC) diz que o juiz não pode exercer suas atividades em processo no qual atue como advogado algum parente em linha reta ou colateral até o segundo grau.
Porém, o parágrafo único afirma que o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa, sendo, porém, vedado ao advogado “pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz”. A mesma regra é aplicável aos membros do Ministério Público, conforme o artigo 138, inciso I, do CPC.
Suspeição
Diante da habilitação do filho como advogado no processo, a promotora apontou sua suspeição e encaminhou as razões ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). A promotora foi acusada de prevaricação por ter supostamente “descumprido o dever legal de desempenhar com zelo e presteza suas funções e de velar pela regularidade dos processos em que intervenha”.
Para o MP, ao deixar de arguir o impedimento do filho, preferindo apontar a própria suspeição, a promotora teria optado por beneficiá-lo e não prejudicar o seu sucesso profissional na carreira que iniciava.
A acusação contra a promotora foi recebida pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que entendeu que ela contrariou o disposto no artigo 134 do CPC. No STJ, a defesa sustentou que os fatos narrados não constituiriam crime, uma vez que não era obrigação da promotora informar ao investigado que o filho dela estaria impedido de atuar no feito e que “ela não poderia obstar que o investigado contratasse seu filho como advogado”.
Ao julgar a questão, o ministro Sebastião Reis Júnior entendeu pela atipicidade das condutas narradas. O ministro observou que nenhum dos dois fatos narrados na denúncia constitui crime: quando ela deixou de informar ao investigado sobre o impedimento do filho para advogar no feito ou quando direcionou ao CSMP sua suspeição, em vez de arguir o impedimento do filho.
O ministro salientou que é óbvio o impedimento do filho para atuar no caso, mas a existência desse impedimento legal não gera a obrigação de a promotora comunicar a proibição ao investigado. “A hipótese não é de impedimento do órgão ministerial e sim do advogado”, explicou o relator.
“Caberia a ele [o filho], portanto, informar àquele que desejava contratar seus préstimos a impossibilidade de atuar no procedimento”, completou. Como a obrigação de informar ao investigado sobre a vedação legal não era da promotora, a Turma concluiu que não houve violação de dever de ofício.
Quanto a ter se declarado suspeita em vez de apontar o impedimento do advogado, os ministros destacaram que a promotora atendeu ao objetivo do preceito normativo (imparcialidade), pois evitou a atuação simultânea de parentes no mesmo procedimento, razão pela qual a sua conduta não ostenta ofensividade apta a atrair a incidência do direito penal.
Infração disciplinar
Embora tenha rechaçado a prática de crime pela promotora, o ministro relator determinou o encaminhamento de cópia dos autos para a Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio Grande do Sul, para que avalie se o comportamento do advogado (aceitar o patrocínio de causa onde sua mãe já atuava na condição de promotora) constitui infração disciplinar. HC 260507
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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