O juiz da 6ª Vara Criminal de Brasília absolveu sumariamente réu denunciado como incurso no artigo 233 do Código Penal (ato obsceno) e declarou a inconstitucionalidade do referido artigo. Cabe recurso.
Consta dos autos que o denunciado, voluntária e conscientemente, praticou ato obsceno em local público, por volta das 11h da manhã, tendo urinado na parede de restaurante localizado na Asa Norte (área central de Brasília), e logo em seguida, se dirigido para os fundos do estabelecimento e se masturbado na presença de clientes que ali estavam.
Ao decidir, o juiz registra que o tipo incriminador pensado na década de 40, atualmente, melhor se hospeda nas recônditas salas da museologia criminal.
Ele pondera que se trata de tipo incriminador por demais aberto e impreciso, no qual tudo cabe, e cita diversos julgados exemplificativos, transcrevendo, inclusive, trecho que traz interessante registro histórico acerca dos movimentos moralizantes por que passam todas as sociedades: A Polícia do Rio, há 30 ou 40 anos não permitia que um rapaz se apresentasse de busto nu nas praias e parece que só mudou de critério quando o ex-Rei Eduardo VIII, então Príncipe de Gales, assim se exibiu com o irmão em Copacabana.
O chamado bikini (ou duas peças) seria inconcebível em qualquer praia do mundo ocidental, há 30 anos. Negro de braço dado com branca em público, ou propósito de casamento entre ambos, constituía crime e atentado aos bons costumes em vários Estados norte-americanos do Sul, até tempo bem próximo ao atual.
A sociedade brasileira se transformou, e o direito, notadamente o direito penal, não pode permanecer estacionado no tempo, diz o julgador.
Nessa linha de raciocínio, quando se confronta o tipo penal do art. 233 do Código Penal com a cultura - em grande medida - permissiva da sociedade brasileira, não se chega a outra conclusão se não a da desnecessidade da lei penal nesse particular, conclui, sem antes acrescentar: A sociedade brasileira convive bem, neste século, com atos, objetos e escritos obscenos.
Basta lembrarmo-nos do nosso cancioneiro atual guiado por letras desinibidas, sensualizadas, obscenas quando não pornográficas. Basta desnudarmo-nos do manto da hipocrisia e perceber que o carnaval brasileiro é praticamente desnudo. Basta, finalmente, passearmos em toda grande cidade brasileira para termos notícia de centros de prostituição nos quais pessoas oferecem seus corpos praticamente nus. E a sociedade brasileira convive, de forma razoavelmente harmônica e tolerante, com isso tudo.
O magistrado faz uma ressalva, no entanto, deixando claro que outros bens jurídicos individuais efetivamente importantes e, em alguma medida, conexos com o famigerado pudor público estão bem protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, o que se me afigura suficiente. Refiro-me, diz ele, a outros tipos penais que protegem, por exemplo, a liberdade sexual (estupro e assédio sexual), que proíbem a prática de sexo ou outro ato libidinoso na presença de pessoa menor de 14 anos (art. 218-A do Código Penal), que proíbem a produção, guarda ou disseminação de material envolvendo pornografia ou sexo explícito com criança ou adolescente (arts. 240 a 241-C do ECA).
E firma entendimento de que é somente nesses pontos de tensão mais nevrálgicos da sociedade que deve se hospedar a pretensão punitiva do Estado.
Na decisão, o juiz discorre ainda sobre a inadequação constitucional do art. 233 do Código Penal 233, visto que não traça, com precisão, a conduta proscrita pelo ordenamento pátrio, consignando que tal fato vulnera uma das garantias mais caras do Estado de Direito, que é a exigência de lei formal, clara, estrita e taxativa para a definição de uma conduta criminosa, exigência essa que, no ordenamento constitucional brasileiro, decorre do art. 5º, inciso XXXIX, da CF/1988.
Assim, o magistrado julgou improcedente a pretensão acusatória do MP para absolver sumariamente o acusado.
Processo: 2015.01.1.141764-3
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Distrito Federal
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